Autismo
Para além do laudo
Como a escola pode incluir, potencializar e impulsionar esses alunos
Última atualização: 30/04/2024 10:28
O mês de abril é marcado pela conscientização sobre o Transtorno do Espectro Autista. Dentro do pilar da Inclusão e Diversidade, o projeto Ser Educação traz para o debate como as escolas podem se transformar em um ambiente que potencializa esses alunos e os prepara para o mundo com mais confiança e autoestima. Confira a seguir:
ENTREVISTA | Alessandra Strauss Niederauer, coordenadora pedagógica da Escola de Aplicação Feevale
Como olhar para uma criança autista em sala de aula?
Temos que olhar primeiro para a pessoa e não para o autismo. O Transtorno do Espectro Autista tem características muito próprias, mas cada uma dessas características se apresenta de forma diferente para cada pessoa. Antes de olhar exatamente para o autismo, a gente olha para a pessoa que está ali colocada, situada, fazendo experiências, vivendo.
Como definir o autismo?
Ele é tipificado como um transtorno do neurodesenvolvimento, que tem comprometimentos especialmente em três áreas: nas áreas sociais, na área de comunicação e na área das estereotipias, que são movimentos repetitivos e na rigidez de pensamento. Então, o quadro do autismo é um quadro muito bem desenhado, apesar dele ser muito diverso.
Como quebrar o preconceito e promover a inclusão no ambiente escolar?
A gente tem dentro do espectro como se fosse um arco-íris, desde tons mais claros até tons mais densos. E nesses tons mais densos, as características delas podem trazer um comprometimento maior para o estudante ou para a criança. O mais importante na escola, independente do que é que a afeta mais essa criança, é oportunizar um ambiente que possa eliminar as barreiras e ser potente para aquela criança, para aquele estudante, para aquele adolescente.
Um ambiente sem rótulos, isso?
A questão do rótulo é algo muito difícil na nossa sociedade e a gente pode falar disso de uma maneira mais ampla, né? A gente vai se habituando a olhar para a marca da bolsa, para a marca do sapato, os rótulos das coisas que a gente consome. Então rotular comportamentos, rotular conduta, rotular a performance é próprio da nossa sociedade. No entanto, o rótulo escapa por um caminho onde a gente perde o respeito, a reciprocidade, o que é singular de cada um. E, por muitas vezes, ele limita a vida dessa criança, desse estudante. Não só em sala de aula, mas como fora da escola.
E como criar esse ambiente sem preconceito?
É um desafio. O desafio de enxergar a diversidade e olhar para a diversidade dentro de uma sociedade. É poder entender a pluralidade, o respeito à pessoa.
Qual a importância do laudo?
Nós defendemos que o laudo, o papel, nunca vai vir antes da criança, do adolescente, do estudante, Claro que ele é importante Uma avaliação muito bem feita também serve como um exame, serve como informações adicionais, informações complementares para que a gente possa fazer uso e olhar para os manejos e entrar em como a gente vai construir um plano que possa ser potencializador. O laudo é importante na medida de laudo, mas ele nunca vai vir antes dessa pessoa. Ele é um ponto de partida e não um limitador.
Qual o impacto de uma educação inclusiva para o futuro dessas crianças?
A intervenção precoce, a divulgação de informações, a descriminalização dentro da escola, dentro dos espaços. Tudo isso vai ajudando a criar uma sociedade que seja mais empática e mais aberta. Um sujeito que passou por boas experiências dentro de um espaço coletivo, como se fosse um ensaio para a sociedade, vai ter uma matriz desenvolvimental de todos os domínios, inclusive o domínio de autoestima, de poder ir para fora desse ambiente escolar e poder fazer valer o seu potencial essa diferença.
"Sigo confiante de que ainda seremos tratados como parte da sociedade"
Por Bruna Santos, historiadora e curadora do Ser Educação
“Uma das unanimidades entre nós, autistas, é o fato de que passamos a vida nos sentindo estranhos diante do mundo que nos rodeia. Alguns de nós passamos boa parte da vida sem saber que é autista, com múltiplos diagnósticos diferentes como depressão, Borderline, ansiedade, bipolaridade, entre outros. Até que ele chega: o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista. E vem sempre em combo. Eu, por exemplo, sou autista com TOC, fobia social e Altas Habilidades/Superdotação.
Mas como eu cheguei aqui? Me lembro que, com 11 anos, estava sentada na porta de casa e recém tinha olhado o filme Rain Man, de 1988, enquanto pendulava meu corpo como o personagem Raymond Babbitt eu disse para meu pai: “Acho que sou igual a ele, autista”. Na época, meu pai falou que era bobagem e riu de mim.
Existe muito estigma da sociedade sobre o perfil autista. Mas com o avanço da ciência se percebeu as nuances que o espectro tem. Em 2019, trabalhei com uma criança autista e, em 2021, conheci um colega de trabalho que havia sido diagnosticado tardiamente. Os dois me fizeram perceber que havia algo em mim que precisava receber atenção. Procurei uma neuropsicóloga que aplicou alguns testes que detectaram o autismo, mas existem outros profissionais que também podem ajudar como os neurologistas, psiquiatras e psicólogos.
Algumas dessas características foram: a ansiedade em manter um diálogo com outras pessoas, não importando o grau de intimidade que há, uma rigidez com rotina, não entender algumas piadas, fazer roteiros mentais para poder interagir, imitar personagens de tv para se adequar ao grupo social, além de estereotipias como o pendular do corpo.
Pessoas como eu, de nível 1, precisam menos suporte que outros, mas isso não significa que seja leve. Um bom exemplo é quando vou no mercado e preciso que alguém me diga o que vamos comprar e qual o roteiro. Parece bobo, mas depois do diagnóstico aprendi a reconfigurar meu modo de viver e passei a ter menos crises sensoriais.
É importante ressaltar que muitos de nós têm vidas parecidas com a de outras pessoas sem autismo (neurotípicos), mas isso não significa que não temos limitações. Assim como eu que tenho uma graduação, um mestrado, um trabalho e família, outros tantos também possuem uma vida funcional. Nos adequamos ao mundo fazendo o que chamamos de Masking (mascaramento). Isso nos traz muitos prejuízos, mas acabamos optando por esconder quem somos para evitar o capacitismo e os julgamentos. Sigo confiante de que as coisas tem mudado e algum dia seremos tratados como parte da sociedade.”