ECONOMIA SUSTENTÁVEL

IPTU verde: benefício para meio ambiente e também para o bolso do contribuinte

Andar de bicicleta, produzir a energia limpa, manter espaços verdes. Essas são algumas ações que dão desconto nas cidades que adotaram o benefício para incentivar a sustentabilidade

Publicado em: 20/10/2023 17:53
Última atualização: 20/10/2023 17:54

Já imaginou receber o reconhecimento do poder público porque você faz a sua parte para ter uma cidade mais sustentável? Isso já é realidade em Porto Alegre, Santa Maria, Venâncio Aires, Pelotas e por aí vai. São diversas cidades do Estado e também do Brasil que tem aderido ao programa do IPTU verde. Em resumo a proposta é a seguinte: quem adota medidas sustentáveis comprovadas, que se enquadrem na lei municipal, conquista desconto no pagamento do imposto predial territorial urbano (IPTU).


São Leopoldo criou neste ano o Imposto verde, que dá descontos para quem adota medidas sustentáveis em seu imóvel Foto: Divulgação/Prefeitura de São Leopoldo

Em julho, o prefeito de São Leopoldo, Ary Vanazzi sancionou a lei 9844/23 que criou o Programa IPTU Verde na cidade. Pela proposta, até quem deixa o carro na garagem e vai para o trabalho pedalando tem direito ao benefício. Já foram abertos 663 protocolos, sendo que 320 contribuintes deverão receberão de 3% a 12% de desconto no pagamento do tributo em 2024. O volume ainda é pequeno diante das 89,3 mil matrículas de imóveis existentes na cidade.

No entanto, a prefeitura entende que a lei é importante para inserir a população na discussão das mudanças climáticas e da necessidade de adotar novos hábitos. “O que nós estamos trabalhando de forma local é a adaptação, resiliência, e o condicionamento para enfrentar essa crise ambiental, podendo, portanto, impedir que ela se torne uma catástrofe, e este é um dos objetivos desta lei”, explica o secretário municipal de Meio Ambiente, Anderson Etter.

Recentemente, Montenegro também aprovou o projeto de lei complementar 16/2023, com proposta semelhante, mas que ainda necessita de regulamentação. Já Pareci Novo, entra no segundo ano de vigência de desconto no IPTU para quem tem imóvel amigo do meio ambiente. No município de 4,3 mil habitantes, 12 moradores aderiram ao benefício em 2022. Neste ano, o prazo para inscrições encerra no final de outubro. Outras cidades da região já chegaram a debater o assunto, como Novo Hamburgo e Nova Santa Rita, mas sem aprovar o programa.

Proposta integra a economia verde

A professora de governança ambiental, social e corporativa (ESG) e mudanças climáticas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Marta Camila Carneiro, destaca que essa proposta do poder público integra o conjunto de práticas da chamada economia verde.

Conforme o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), economia verde é aquela que melhora o bem-estar humano e constrói a equidade social, ao mesmo tempo que reduz os riscos e a escassez ambientais. “Quando se fala de economia verde estamos pensando na diminuição da poluição. É uma gestão positiva que preserva a qualidade de vida das pessoas, gastando menos em tratamento de doenças”, exemplifica a professora.

Inclusive, o Senado aprovou em dezembro de 2022 a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 13/19 que permite aos municípios reduzir o valor do IPTU para incentivar a preservação do meio ambiente e a sustentabilidade. Além do desconto no tributo ainda é prevista a desoneração para quem tem parcela de imóvel com vegetação nativa, alterando o artigo 156 da Constituição.

Mais prática, menos meta

Marta lembra que na 27ª Conferência do Clima das Nações Unidas (COP), realizada em novembro do ano passado no Egito, foi reforçado o discurso de parar de falar de metas e colocar ações em prática. Em especial, a necessidade das cidades se adaptarem aos efeitos das mudanças climáticas. “O poder público tem um papel muito importante. Mas ele precisa de práticas mais audaciosas, com menos burocracia, pois ele mesmo acaba se beneficiando com isso. Infelizmente ainda há uma resistência, brigas políticas e está tudo parado”, diz.

Marta Carneiro, professora
"Há 20, 30 anos, o aquecimento global era uma coisa de televisão. Agora faz parte da nossa vida. Então a população precisa se conscientizar e entender que faz parte deste sistema."

A professora destaca que os assuntos que envolvem as questões ambientais não têm respostas imediatas. “Tem que plantar agora para colher depois, mas estamos demorando para plantar”, avalia. Para a especialista, a humanidade já está sentindo na pele a necessidade de tomar uma atitude em relação às condições do planeta.

Impactos no bolso e na sociedade

Conforme Marta, a sustentabilidade tem inúmeros benefícios econômicos que “batem no bolso”, como o reuso da água e a produção de energia solar, que deixam as faturas de água e de luz mais baratas. Além disso, ela destaca que a economia verde faz com que alguns tipos de trabalho surjam, ofertando oportunidades para pessoas que não têm tanta qualificação, como é o caso da mão de obra para a gestão de resíduos. “Isso gera renda para municípios, fomenta a economia e ajuda aqueles que ganham menos”, pondera.

Ela chama atenção ainda para o fato dos imóveis arborizados serem mais valorizados, não só pela beleza, mas porque diminuem a amplitude térmica e proporcionam um ambiente melhor, com melhor qualidade de vida. “Ser diferente é fazer a diferença. Todos nós temos que fazer a diferença”, finaliza.

CompostagemCultivo Comunicação Rural/Divulgação
BicicletasSusi Mello/GES-Especial
Energia solarArquivo GES
CisternaAdobe Stock

Contribuindo com os ODSs

O IPTU Verde é apontando como uma maneira prática de tirar do papel discussões sobre sustentabilidade que costumam ficar somente no campo das ideias em muitas situações na gestão pública. Com o programa, as cidades contribuem com cinco objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS), propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU). Pacto que o Brasil aderiu, com uma agenda global composta de metas para serem alcançadas até 2030. O IPTU Verde está inserido nos ODS 6, 7, 11, 12 e 13: água limpa e saneamento; energia acessível e limpa; cidades e comunidades sustentáveis; consumo e produção sustentáveis; e combate às mudanças climáticas.

O relatório Luz de 2023, que avalia como o Brasil está cumprindo a agenda 2030 da ONU, mostra que 102 metas (60,35%) estão em situação de retrocesso, 14 (8,28%) ameaçadas e 16 (9,46%) estagnadas em relação ao período anterior. Outros 29 objetivos (17,1%) estão com progresso insuficiente e apenas três (1,77%) têm progresso satisfatório.

Como ter desconto em São Leopoldo? 

Produzindo sua própria energia com sistema de placas fotovoltaicas há cerca de um ano e meio, o contador Afonso Immich, 67 anos, não pensou duas vezes quando a prefeitura de São Leopoldo lançou o programa do IPTU Verde. Reuniu a documentação e se cadastrou para receber o benefício, que deverá se concretizar no próximo ano. O imóvel conta ainda com aquecimento solar há mais de oito anos. De acordo com ele, a proposta da prefeitura foi “excelente”.

Afonso Immich
"Além de ter economia e energia limpa, ainda faz bem para a natureza"

Garoto propaganda da energia solar, Immich tem consciência de que cada pessoa faz parte de um grande processo. “Esses temporais e enchentes tem a ver com o clima. Mas se muitos fizerem a sua parte terá uma influência grande no geral”, acredita.

Descontos de até 12%

Conforme o governo municipal, o desconto no imposto pode variar de 3% até 12% e dependerá da quantidade de emissões de carbono que forem reduzidas. O cálculo da redução de carbono é realizado sob orientação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU. No caso de quem usa a bicicleta para se locomover, por exemplo, com uma média de dez quilômetros por semana o benefício será de 3% no bolso e 80 quilos de gás carbônico a menos na atmosfera.

Veja a seguir as medidas sustentáveis levadas em conta em São Leopoldo e quais as exigências de comprovação delas:

 

Em outras cidades

Em Pareci Novo, o desconto no tributo pode chegar a 10% para quem aderir ao programa, que tem medidas comprovadas mediante documentação, de acordo com a atividade solicitada e visita no local por um fiscal do município. Segundo o fiscal de Meio Ambiente, Alisson Schons, essas medidas trazem maior conscientização da população em relação à sustentabilidade e no desenvolvimento sustentável do município.

Ele cita como exemplos a economia de água, crescimento do uso da compostagem para tratamento dos resíduos orgânicos, arborização das calçadas com árvores nativas e/ou frutíferas, além da limpeza anual das fossas sépticas e reuso da água. No município, ainda é possível conquistar o benefício com a prática do trabalho voluntário.

Montenegro ainda está caminhando em direção da iniciativa sustentável. A lei do IPTU verde foi aprovada em setembro, mas está sendo regulamentada por um decreto que deve ser concluído até o final deste mês. Segundo o município, a proposta é que o contribuinte faça o pedido de redução e a prefeitura realize uma vistoria para autorizar o desconto que pode chegar a 10%. O município tem a expectativa de estimular a adoção de técnicas que gerem economia e maior aproveitamento dos recursos naturais.


Montenegro está construindo a sua proposta Foto: Douglas Costa/Câmara de Vereadores

Entre as medidas passíveis de gerar a redução no imposto dos montenegrinos, estão a implantação de sistema de captação da água da chuva, reuso de água residual, sistema de aquecimento solar, geração solar fotovoltaica, implantação de quintal verde e calçadas verdes e acessíveis. No caso do quintal verde, são áreas permeáveis e com cobertura vegetal em, no mínimo, 80% da área.

Proposta não avançou

Em Novo Hamburgo, a proposta de implantar IPTU Verde já foi apresentada três vezes na Câmara de Vereadores, em 2016, 2020 e 2022. Em todas as oportunidades o projeto não foi adiante pelo mesmo motivo: impossibilidade de criação de benefício fiscal em ano eleitoral, proibição prevista pela lei federal 9.504/1997. De acordo com a prefeitura, a Secretaria Municipal da Fazenda está realizando estudos para avaliar uma proposta de implantar a nova modalidade de tributo.

Em Canoas, não há proposta para o benefício em avaliação neste momento. No município de Dois Irmãos, segundo a prefeitura, a implementação do IPTU verde esbarra na dificuldade técnica e quantitativa da fiscalização da adoção das ações ambientalmente sustentáveis. Em Nova Santa Rita, a Câmara enviou ao Executivo no ano passado uma proposta para apreciação, mas nada foi implementado neste sentido.

Porto Alegre ainda com poucos interessados

Na Capital, os descontos poderão chegar até 10% no valor total do IPTU. Por lá, o interessado deve solicitar a Certificação em Sustentabilidade Ambiental, atestada por um responsável técnico (arquiteto ou engenheiro), com os documentos que comprovem as práticas.

Até o momento, 60 empreendimentos já tiveram a certificação sustentável emitida pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade. O valor global da renúncia fiscal anual, conforme a lei municipal, terá como limite prudencial o valor correspondente a um milhão de unidade fiscal municipal UFM, o que equivale a R$ 5,2 milhões. 

Ganhos para todos

O coordenador do Observatório Municipal de Mudanças Climáticas de São Leopoldo, Everson Gardel de Melo (foto), conta que antes da lei do IPTU verde ser publicada, a equipe fez uma análise jurídica minuciosa, inclusive com avaliação do impacto financeiro.

 Ele defende que o município sai ganhando em todos os sentidos e usa a economia de água, por meio de cisternas, como um exemplo."Cada vez que o munícipe acumula na água na sua casa, é uma quantidade que o sistema de distribuição do município economiza, aquele metro cúbico deixa de ser extraído. Isso retorna para toda a comunidade", enfatiza.

De acordo com ele, a proposta de São Leopoldo é inédita porque consegue contabilizar e mensurar os ganhos ao meio ambiente, já que utiliza a metodologia do IPCC.

Legalidade do desconto

Quando se fala de arrecadação de impostos, a lei de responsabilidade fiscal alerta que o gestor público pode ser penalizado quando é caracterizada a renúncia de receita.

Na avaliação do professor de Economia da Universidade Feevale, José Antônio Ribeiro de Moura, os descontos ofertados pelo IPTU verde não se enquadram neste quesito. O IPTU é um tributo com um caráter extrafiscal e progressivo. Moura cita que o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) já premia, por exemplo, quem é bom cidadão e bom motorista, mesma lógica utilizada para os contribuintes com práticas sustentáveis. "Também tem a PEC que já foi aprovada no Senado", pontua.

Para o economista, é um "caminho sem volta" o incentivo às práticas amigas do meio ambiente. "Até porque a Constituição também fala em qualidade de vida", lembra.

No Tribunal de Contas do Estado (TCE), há um grupo especializado de fiscalização em receitas que acompanha atentamente o tema. Conforme o diretor de controle e fiscalização, Bruno Londero, a abordagem é de acompanhamento e avaliação caso a caso e não houve nenhum expediente aberto exclusivamente para fiscalização do IPTU Verde.

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