ACOLHIDOS EM ESTÂNCIA VELHA

VÍDEO: Família de Muçum conta como sobreviveu à fúria do Rio Taquari por quase 10 horas dentro d’água

Na semana passada, o granizo tinha destruído parte do telhado da casa de Amantino, Olga e Fernando no centro da cidade e, por isso, eles decidiram se abrigar por uns dias no sítio. A decisão salvou a vida deles; entenda

Publicado em: 08/09/2023 17:55
Última atualização: 08/09/2023 18:43

Lágrimas de tristeza e suspiros de alívio resumem os últimos dias da família Salini Oliveira, sobrevivente da catástrofe que atingiu o Vale do Taquari e que agora vai reunir forças para recomeçar junto à família, em Estância Velha. Moradores de Muçum, Amantino Flores de Oliveira, 68 anos, Olga Salini, 66, e o filho Fernando Salini de Oliveira, 25, se agarraram à fé para enfrentar a fúria do Rio Taquari e suportar quase dez horas dentro d’água.


Olga, Fernando, Amantino e a cachorra Belinha sobreviveram à enxurrada de Muçum Foto: Débora Ertel/GES-Especial

Enquanto Olga sentou em uma janela e Fernando, que tem síndrome de Down, parou em pé em cima de uma cadeira, Amantino passou o tempo inteiro em pé, sentindo a água gelada que invadia o segundo andar da casa do sítio. “O Fernando pegou a medalhinha e começou a fazer o sinal da cruz sem parar. Então a gente só rezava. O Amantino queria se atirar na água pra tirar a gente dali. Mas se a gente for, ia ser nós três juntos, eu falei”, conta Olga, não contendo a emoção.

A família morava na área central de Muçum, a três quadras do curtume da cidade de 4,6 mil habitantes. Na semana passada, o granizo tinha destruído parte do telhado e, por isso, eles decidiram se abrigar por uns dias no sítio, a três quilômetros do Centro, em uma área mais alta do município. Mal sabiam eles que essa decisão salvaria a vida de todos mais tarde.

A noite fatídica

Foi por volta das 20 horas de segunda-feira (4), logo depois deles deitarem para dormir, que Belinha, a cachorrinha de Fernando, começou a latir. Ao colocar os pés no chão para verificar o motivo da agitação da mascote, Amantino percebeu que o quarto estava alagado. Em cinco minutos, eles estavam com água pela altura do pescoço e todos subiram para um quartinho no segundo andar. “Eu fiquei dentro d’água parado, só com um calção e a camiseta. Fazia alongamentos para me aquecer”, conta o pedreiro aposentado.

De vez em quando, eles usavam a lanterna do celular para espiar o cenário à volta. Era um “mar de escuridão”, onde apenas se podia observar a força das águas em movimento. Além disso, os pais viviam momentos de tensão extra, pois Fernando por vários momentos quis descer da cadeira. “Eu e ele ia revezando, segurando a Belinha no colo”, conta Olga. Nunca a água tinha invadido a propriedade que fica cerca de oito metros de altura da rua.

Fernando com Belinha, que alertou para chegada da água Foto: Débora Ertel/GES-Especial

“Eu não conseguia nem mais ficar em pé”

Foi por volta das 6 horas que a água desceu e Amantino colocou umas tábuas secas sobre o piso molhado, estendeu cobertores que tinham ficado no alto e improvisou uma cama para Fernando dormir. Diabético, o pai da família conta que recolheu os comprimidos em meio ao barro e tomou assim mesmo, pois tinha receio de passar mal.Depois das 10 horas de terça-feira, apesar de a casa ainda estar alagada no andar inferior, a família conseguiu sair e se abrigou em um barranco, mais ao alto. “Ali tinha uma vertente. Daí usei uma garrafa para fazer de canaleta para poder tomar água”, relata Olga. “Eu não conseguia nem mais ficar em pé. Era uma tremedeira de tanto cansaço”, lembra Amantino. Só ao final do dia que eles conseguiram ajuda e fizeram a primeira refeição: arroz com salsicha. “Ficamos de segunda até quarta-feira sem tomar banho e quase sem comer”, resume Olga.

Apreensão em Estância Velha

Enquanto isso, em Estância Velha, o filho Pedro Alex Gulles de Oliveira, 41, (que estava trabalhando no momento da entrevista) e a nora Fernanda Kreuzberg, 36, estavam desesperados em busca de informações. “Eu marquei todo mundo que eu conhecia de Muçum para saber deles. Mas ninguém tinha informações”, diz Fernanda.

Sem notícias, os dois partiram rumo a Muçum. Quando chegaram em frente à casa de Amantino, Pedro e Fernanda chegaram a pensar o pior. “Estava tudo destruído. A água tinha passado por cima do telhado. Então um irmão da minha sogra me viu e gritou que eles tinham ido para o sítio e estavam vivos. Foi um alívio”, conta Fernanda.

"Se tivesse ficado ali, tinha morrido"

Olga, que antes vivia em Caxias do Sul, não voltou a ver a casa que foi seu lar durante 25 anos. Mas o marido presenciou o cenário de destruição. “Levei 30 anos para fazer tudo e perdi tudo em 5 minutos. Mas quando cheguei na frente e vi tudo aquilo destruído, senti um alívio. Porque se tivesse ficado ali, tinha morrido”, desabafou Amantino, em meio às lágrimas. Um vizinho do casal, que tinha um filho cadeirante, foi encontrado morto ao lado do filho pelas equipes de resgate.


Fernanda, Olga, Fernando e Amantino em Estância Velha Foto: Débora Ertel/GES-Especial

Recomeço no Vale do Sinos

Assim que reencontraram o filho e a nora, os três fizeram uma viagem de seis horas, ainda vestindo a roupa com que foram resgatados, e vieram para Estância Velha, no bairro das Rosas. Agora, eles não pensam em retornar. Alugaram uma casa próximo à família e vão reconstruir a vida no Vale dos Sinos. “A gente vai voltar para limpar, quando der, e ver se tem como alugar alguma coisa”, projeta Olga. “Mas acho que não tem mais como consertar nada”, lamenta Amantino.

Amigos e conhecidos já fizeram doações de colchões e roupas. “Também disseram que vão doar outras coisas. Eu acho que na semana que vem a gente consegue ter uma casa mobiliada”, planeja Fernanda.

Na próxima semana, a família vai contar com a ajuda da prefeitura para conseguir a medicação controlada de Fernando, pois tudo foi perdido, incluindo as receitas. Além disso, há planos dele frequentar a Apae de Estância Velha, pois era aluno da entidade em Encantando.

Apesar de perderem tudo, Olga manifesta solidariedade com o prefeito de Muçum, Mateus Trojan. “Coitado do prefeito, ele é um querido. Estava ficando linda a cidade, com calçadas novas e ajeitando as casinhas (piquetes) para o 20 de Setembro. Ia fazer um rosário lá no bairro (parque num formato de rosário projetado pela prefeitura). Agora, não tem mais nada”, se entristece.


Doações para a família já estão chegando Foto: Débora Ertel/GES-Especial

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