ATUALIZAÇÃO:
- Polícia e Bombeiros levam cães farejadores para procurar corpos no terreno
- “Nenhum familiar nos procurou para saber dos idosos”, afirma delegado
- Justiça nega pedido de prisão preventiva contra dono do estabelecimento e enteado
Após avaliação médica, os idosos resgatados na tarde de segunda-feira (2) foram realocados e agora recebem os devidos cuidados em um lar provisório. As vítimas estavam em situação de maus-tratos em uma clínica geriátrica clandestina localizada na zona rural de Taquara, no Vale do Paranhana.
Nesta terça (3), o delegado Valeriano Garcia Neto disse que os profissionais que receberam os pacientes ficaram apavorados com a situação em que se encontravam. Eles estavam desnutridos, com fezes escorridas pelas pernas e dias sem banho. O nome do local que recebeu as vítimas foi mantido em sigilo.
As imagens repassadas à reportagem mostram o momento em que a Polícia Civil encontrou a clínica clandestina, por volta das 16 horas de segunda. Se trata de um terreno com mais de uma construção, mas a principal delas é uma casa de dois andares. Mesmo com a pintura já bem gasta, não resume o que é encontrado dentro da residência.
Galinhas circulando livremente pelo espaço, junto com os pacientes, faziam parte da rotina. “‘Tão’ sempre aqui dentro, junto com nós”, relatou um dos acamados, que foi retirado de maca do espaço. Ao observar atentamente os colchões, as autoridades perceberam a precariedade do tratamento recebido pelos idosos. Havia poças de urina e até vômito escorrendo de uma das camas.
“E esse cheiro forte de urina que eu ‘tô’ sentido aqui?”, perguntou o delegado aos dois pacientes que estavam deitados em beliches. Um deles respondeu: “É das nossas cobertas, porque nós não somos bem tratados aqui”, expôs. O homem estava há dois anos na clínica.
Questionado sobre como é feita a higiene pessoal, o paciente explicou que uma das funcionárias, que seria mais uma das vítima do proprietário, usava um balde, sabão e água para dar banho nos pacientes. É ela que acompanhou as equipes da Polícia e da Vigilância em Saúde pelos vários cômodos da moradia. Em uma das áreas, a mulher mostrou que os responsáveis pela propriedade criavam porcos junto com pacientes. “Tinha uns sete, oito [pacientes] aqui dentro”, contou ela.
Com a falta de água, que não era abastecida há dois dias, as necessidades básicas se acumulavam no vaso do banheiro. Em determinado momento, a mulher vai até a piscina, aponta para a água suja – já esverdeada pela falta de cuidado – e diz que a orientação era usá-la para dar banho nos idosos, lavar as roupas e até cozinhar. “Limpar a casa, lavar roupa, encher o tanque, lavar roupa à mão”, citou.
Cachorros, também em situação delicada, extremamente magros, em “pele e osso”, foram flagrados bebendo da mesma água.
Entre os relatos gravados em vídeo pela Polícia, a vítima diz que era obrigada a cuidar dos idosos, fazer a limpeza dos espaços e preparar as refeições e os remédios, armazenados de forma precária. À Polícia, ela afirmou que era abusada sexualmente pelo proprietário e pelo enteado dele. Nos últimos dois anos, dos seis que foi mantida em cárcere privado, foi obrigada a manter relações sexuais duas vezes por semana com os abusadores.
Além disso o dono da propriedade a levava até o banco e pegava o dinheiro dela. “Me levou para sacar e ficou com o dinheiro [da conta]”, expôs, acrescentando que ele teria ficado também com o cartão bancário e a senha.
Ainda segundo ela, o suspeito não deixava que a saísse da propriedade e fazia visitas tanto sozinho quanto com a família. A vítima também teria recebido uma injeção no braço, feita pelo suspeito. No entanto, não soube explicar o motivo da aplicação. Nesta manhã, prestava esclarecimentos na Delegacia.
Criminosos identificados
Dois homens são alvos da Polícia Civil. Ambos já foram identificados. A prisão preventiva da dupla deve ser pedida para a Justiça ainda nesta terça. Os dois são da capital gaúcha. A reportagem apurou que era cobrado R$ 1,3 mil das famílias para que os pacientes ficassem na clínica em Taquara.
Desnutridos
Nas imagens, os pacientes aparecem com dificuldades de locomoção e muito magros, vestindo roupas sujas. Uma das idosas chorava e pedia por água. “Estou louca de sede”, dizia. Em outro vídeo, ela apareceu sentada em um beliche, enrolada em um cobertor. Ela olhou para o delegado e chorou novamente, desta vez de fome. “É fome o que eu tenho!”
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Enquanto conversa com a Polícia, a funcionária trocou a blusa da idosa. Neste momento, as autoridades conseguem ver a condição física da vítima, que, muito magra, se acalmou enquanto o delegado repetia que todos seriam retirados do local.
De acordo com o secretário de Desenvolvimento Social, Trabalho e Cidadania, Maurício Souza Rosa, a pasta conseguiu guarida emergencial para esses idosos em um lar particular. “Eles ficarão lá provisoriamente até que consigamos contato com os familiares e/ou os aparelhos de saúde e assistência social dos municípios de origens desses internos”, informa. O endereço não foi divulgado “para não desestabilizar quem já estava lá acolhido”.
Além de idosos, outros adultos também estavam na clínica clandestina e, até o momento, estão acolhidos no mesmo lar. Nesta tarde, alguns pacientes devem ser encaminhados para familiares. “A equipe do CREAS está trabalhando em formato de mutirão para garantir todas as informações necessárias e contatar os familiares destas pessoas que estavam internadas clandestinamente.”
Falecidos
Enquanto acompanhava as autoridades, a funcionária explicou que não sabe o que o proprietário fez com idosos que faleceram no local. Foram três óbitos em 2022 e um na semana passada. “Ele mandou dar banho de leito, mandou ajudar a atender, fez lavar a água, mandou vestir, ajudar ele a vestir, passou uns cremes no idoso, colocou dentro do carro e levou [sentado no banco]”, conta ela, sentada em uma das cadeiras da cozinha.
Há fortes indícios de que as vítimas estejam enterradas na propriedade.