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COMBATE À DESINFORMAÇÃO

CATÁSTROFE NO RS: Teve ciclone no Rio Grande do Sul neste início de setembro? A resposta é não; entenda

Marcelo Schneider, do 8º Distrito de Meteorologia do Inmet, chama atenção para falha na comunicação: "Quando falamos em ciclone a população fica mais preocupada com vento e não tanto com a chuva"

Igor Henrique Muller
Publicado em: 06/09/2023 às 22h:21 Última atualização: 06/09/2023 às 22h:21
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O Rio Grande do Sul vive neste início de setembro sua maior tragédia climática desde 1959, quando 94 pessoas morreram nas cidades de Candelária e Sobradinho, no Vale do Rio Pardo. Esta é a terceira vez desde 12 de junho que o mau tempo causa destruição e mortes no Estado. E diante de um cenário de El Niño, a meteorologia alerta para uma primavera de risco elevado.

Enchente destruiu boa parte da cidade de Roca Sales, no Vale do Taquari | Jornal NH



Enchente destruiu boa parte da cidade de Roca Sales, no Vale do Taquari

Foto: Mauricio Tonetto/P. Piratini

Até o início da noite desta quarta-feira (6) a Defesa Civil do Estado confirmava 36 mortes em decorrência das chuvas que causaram enchentes avassaladoras especialmente no Vale do Taquari. O governador Eduardo Leite (PSDB) decretou estado de calamidade e admite que o número de óbitos pode subir. Muçum, Roca Sales, Encantado, Lajeado e Estrela são as cidades mais atingidas.

Mas afinal, o que causou volume de chuva superior a 300 milímetros – mais que o dobro da média do mês – em pouco mais de 48 horas? Ao contrário do que informam parte da imprensa nacional e até mesmo órgãos públicos, desta vez o Rio Grande do Sul não foi atingido por um ciclone extratropical. E classificar como ciclone o que não é um ciclone pode, inclusive, ter atrapalhado o alerta à população.

“Parece um detalhe, mas não é”

O coordenador do 8º Distrito de Meteorologia do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Marcelo Schneider, foi claro ao chamar atenção para o problema nesta quarta-feira. “É uma questão técnica, mas que precisa ser esclarecida. O que tivemos neste evento de chuva intensa não foi associado a um ciclone ou ciclone extratropical”, frisou, dizendo que “quando falamos em ciclone a população fica mais preocupada com vento e não tanto com a chuva”.

Isso porque, segundo o especialista, “ciclone é todo o fenômeno associado a vento mais intenso quando tem queda abrupta na temperatura e não foi isso que aconteceu agora”. “Sexta, sábado e domingo tivemos chuva em função de uma massa de ar quente e úmido associada a pressão atmosférica muito baixa, aliada ao que chamamos de rios voadores, que é uma corrente de ar quente e úmido que vem da Amazônia”, resumiu. “Pode parecer um detalhe, mas não é. Precisamos nos comunicar corretamente com as pessoas”, defende.

“Rio atmosférico intenso”

Após sucessivos alertas emitidos na sexta-feira (1º) e no sábado (2), domingo à noite a meteorologista Estael Sias, da MetSul Meteorologia, publicou que “um rio atmosférico intenso trará chuva volumosa neste começo de semana”. “Uma área de baixa pressão com uma frente fria vai organizar um rio atmosférico que trará um enorme aporte de umidade para o RS. Os índices nos modelos de água precipitável são muito altos, sugerindo condição favorável à chuva muito volumosa”.

No mesmo texto a meteorologista explicou que “os rios atmosféricos são regiões longas e concentradas na atmosfera que transportam ar úmido dos trópicos para latitudes mais altas. O ar úmido, combinado com ventos de alta velocidade, produz chuva pesada e neve, conforme a região no mundo. Esses eventos extremos de precipitação podem levar a inundações repentinas, deslizamentos de terra e danos catastróficos à vida e à propriedade”.

Mapa mostra centro de baixa pressão sobre o RS no domingo | Jornal NH



Mapa mostra centro de baixa pressão sobre o RS no domingo

Foto: Reprodução/MetSul

Sem ciclone

Na mesma noite de domingo (3) Estael Sias alertou, em outro texto, para “intensa instabilidade”. Disse que “vai chover muito na madrugada com acumulados até localmente extremos na metade norte do Estado, em especial no noroeste gaúcho”. E explicou as três causas para tanta chuva:

1) Um centro de baixa pressão vai estar sobre o Rio Grande do Sul nesta segunda e o fenômeno reforça a instabilidade. Toda a área de baixa pressão é ciclone (giro horário) assim como toda o centro de alta pressão é anticiclônico (giro no sentido anti-horário), mas nem toda a baixa pressão é um ciclone extratropical. Não haverá um ciclone extratropical no Rio Grande do Sul nesta segunda.

2) Uma frente fria vai avançar pelo Estado no decorrer do dia. O sistema frontal com uma massa de ar frio em sua retaguarda vai encontrar a massa de ar quente e úmido sobre o Estado e favorecerá a formação de nuvens carregadas sob a presença da área de baixa pressão presente no território gaúcho. O ar frio ingressará no Estado com vento moderado e rajadas fortes de Sul. Em ciclones, o vento vem de Oeste a Noroeste.

3) Uma forte a intensa corrente de jato em baixos níveis estará atuando sobre o Sul do Brasil. Este corredor de vento forte a cerca de 1.500 metros de altitude traz ar quente diante da frente fria e garante energia para a formação de nuvens de tempestades com chuva intensa, raios e temporais.

Empresa que presta serviço ao Estado se contradiz

Empresa contratada pelo governo do Rio Grande do Sul para atender demandas meteorológicas, a Climatempo classificou o mau tempo no Estado como um ciclone, mas depois voltou atrás. No domingo (3) publicou em seu site uma notícia dando conta que “ciclone se forma e atua no Rio Grande do Sul”. Na segunda-feira (4) noticiou que “ciclone vai se afastar do Rio Grande do Sul” e, na terça-feira (5), que “nenhum ciclone atuou no Sul do Brasil”.

“Este ciclone extratropical não passou sobre o Rio Grande do Sul e nem sobre Santa Catarina e nem sobre o Paraná. Também não avançou para o Sudeste e não vai passar sobre nenhum Estado desta região”, publicou a Climatempo nesta terça-feira.

“Quando se fala em ciclone a população se preocupa mais com vento do que com chuva. Isso tira o foco e não chama atenção para o risco real que estava por vir. Este “caos” na informação pode ter contribuído para os resultados que tivemos”, analisa um coronel aposentado do Corpo de Bombeiros que pediu para não ser identificado.

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