EFEITOS DO EL NIÑO

CATÁSTROFE NO RS: "Não há evidência de que barragens tenham influenciado", diz secretária de Meio Ambiente sobre enchente no Vale do Taquari

Usinas hidrelétricas instaladas no Rio das Antas tiveram vazão acima do calculado pela engenharia

Publicado em: 10/09/2023 23:27
Última atualização: 10/09/2023 23:27

Com quase 400 quilômetros de extensão, o Rio das Antas nasce em São José dos Ausentes, nos Campos de Cima da Serra, e se estende até o interior de Cotiporã, onde vira o Rio Taquari por mais 140 quilômetros até desaguar no Rio Jacuí, entre Triunfo e São Jerônimo.

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Na região de serra, o sistema Antas/Taquari abriga diversas centrais hidrelétricas de pequeno porte. Três delas, administradas pela Companhia Energética Rio das Antas (Ceran), viraram alvo de discussão depois da enchente que devastou cidades do Vale do Taquari no início da semana.


Vista aérea do município de Muçum após enchente de 4 de setembro Foto: Mauricio Tonetto/Secom

Teriam as usinas hidrelétricas de energia (UHEs) Castro Alves e Monte Claro, em Veranópolis, e 14 de Julho, em Cotiporã, de alguma forma contribuído para a tragédia em Muçum, Roca Sales, Encantado, Lajeado e Estrela? Esta é uma das tantas perguntas que um inquérito civil aberto pelo Ministério Público Federal (MPF) tentará responder. Três procuradores da República já estão trabalhando na investigação.

VOLUNTÁRIOS DA REGIÃO LEVAM ESPERANÇA AO VALE DO TAQUARI

Prefeituras da região da Serra e o governo do Estado já pediram uma série de documentos para a Ceran, mas até o momento não há evidência técnica de que a tragédia no Vale do Taquari tenha qualquer relação com as UHEs.

"A operação das barragens não influenciou no que a gente viu a partir de Santa Tereza", afirmou neste domingo (10) a secretária estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura, Marjorie Kauffmann, que é engenheira florestal e doutora em Geociências pela Unicamp.


Ponte destruída no Rio das Antas Foto: Reprodução/Instagram

"A água passava por cima da barragem"

"Desde sexta (1º) estávamos trabalhando com as três barragens, visando muito a questão da segurança. Em casos de muita chuva, o primeiro ponto é verificar o plano de segurança das barragens, se há algum risco ou probabilidade de se romper", assegurou a secretária, dizendo que quem controla o setor é a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). "O fato é que tivemos muita chuva. A água passava por cima da barragem", destacou.

Segundo Marjorie Kauffmann, das três barragens administradas pela Ceran, duas têm pequenas comportas e outra não, é do tipo chamado de "barragem de soleira". "As comportas das duas que contam com o dispositivo são pequenas, incapazes de controlar o fluxo da água naquela quantidade", assegurou.

Segundo a secretária, a barragem de Castro Alves tem vazão média entre 160 e 200 metros cúbicos por segundo, mas na tarde de segunda-feira (4) o volume chegou a quase 10 mil metros cúbicos por segundo. "Isso demonstra que fenômeno foi excepcional", destaca.

"Barragens não potencializaram a enchente"

Em postagem no Instagram – @ssengenhariaestrutural –, onde analisou os impactos da chuvarada, o engenheiro Samuel Schneider frisou que "as barragens não potencializaram a enchente e não abriram as comportas".

Isso porque, segundo ele, "são barragens a fio d'agua, que apenas deixam o excesso de água passar, diferente de barragens com grande potencial de armazenamento e que conseguem controlar, até certo porto, a vazão de um rio". Para o especialista, "é possível que a as barragens atenuem, mesmo que pouco, a velocidade das águas numa situação igual essa".

Vazão acima do máximo projetado pela engenharia

Números levantados pela MetSul Meteorologia ajudam a demonstrar o quão extremo foi o episódio de chuva que deu origem à tragédia no Vale do Taquari. A UHE Castro Alves conta com vazão média de 162 metros cúbicos por segundo. Já a chamada vazão decamilenar (10 mil anos) estimada pela engenharia é de 9.011 metros cúbicos por segundo. Este seria o volume máximo calculado para a estrutura, algo que pode acontecer a cada 10 mil anos.

Mas, na segunda-feira (4), a vazão na UHE Castro Alves chegou a incríveis 9.783 metros cúbicos por segundo às 18 horas. A MetSul explica que "não significa que choveu o equivalente a 10 mil anos ou que há 10 mil anos já havia registro de chuva, mas que a vazão alcançada atingiu o que a engenharia estimava poderia ocorrer com um período de retorno de cada 10 mil anos".

O que causou esse volume absurdo de chuva?

Segundo a MetSul, acumulados de chuva de 200 a 400 milímetros atingiram grande parte da Metade Norte gaúcha no começo deste mês. Estação meteorológica particular chegou a anotar 390 milímetros na região de Passo Fundo. A estação do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) em Passo Fundo anotou o maior volume em 24 horas para o mês de setembro desde o começo das medições, em 1913, com 164,4 milímetros até 9 horas do dia 4.

A chuvarada foi consequência da influência de uma área de baixa pressão com rio atmosférico que trouxe grande quantidade de umidade. Esse cenário, reforçado pelo avanço de uma frente fria pelo território gaúcho, favoreceu intensa instabilidade com muitas descargas e chuva com volumes excessivos a extremos.

"Os acumulados extraordinários de chuva em curto período nas nascentes do sistema Taquari-Antas somados aos volumes enormes de chuva ao longo de toda a bacia com córregos e pequenos rios que desembocam no rio, e ainda as características de calha do Antas e do Taquari entre morros na Serra, acelerou enormemente as águas até desembocar nos vales, levando às enchentes repentinas e catastróficas por onde passava o rio", analisa a MetSul.

O que diz a Ceran, responsável pelas usinas hidrelétricas

"A Ceran se solidariza com toda a tragédia ocorrida no Rio Grande do Sul. Desde o início do evento vem tomando as ações cabíveis junto ao poder público e cumprindo todos os protocolos para garantir a integridade das barragens e, por consequência, a segurança da população.

Na última segunda-feira (4), o Rio das Antas atingiu a vazão mais alta desde a construção das usinas e uma das maiores vazões que se tem registro, tratando-se de um desastre natural de grandes proporções.

Infelizmente, as barragens não conseguem reduzir altas afluências e mitigar os impactos no entorno do rio, pois as barragens da Ceran possuem vertedouro do tipo soleira livre e tem a característica “a fio d’água”, ou seja, não tem capacidade de armazenamento e nem de regular o fluxo do rio, pois todo o excedente de água passa por cima da barragem.

Durante as cheias monitoramos em tempo real todas as estruturas, que em nenhum momento apresentaram anomalias que indicassem risco de rompimento, o que não levou ao acionamento das sirenes de emergência.

Reforçamos que todos os protocolos de segurança de barragem foram cumpridos durante o evento, incluindo as comunicações com as Defesas Civis dos municípios, que atuaram junto à população. A Ceran segue trabalhando para fornecer todas os esclarecimentos ao poder público, de forma a dar a transparência e tranquilidade de que todas as obrigações e responsabilidades foram cumpridas”.

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