A extorsão ao comércio está tão difundida no Vale do Sinos que diferentes quadrilhas vêm disputando as mesmas vítimas. Um bando formado por três detentos e quatro mulheres, acusado de faturar R$ 2,5 milhões nos últimos oito meses, foi desbaratado na manhã desta terça-feira (18) pela 2ª Delegacia de Polícia de São Leopoldo. Especializado em cobrar mensalidades sob ameaça de morte, o grupo é da cidade e tem ramificações em Novo Hamburgo e Campo Bom.
Na galeria do trio investigado, na Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ), em Charqueadas, os agentes apreenderam 41 celulares. Com abundância de telefones, os presos acabam “se pechando”, como eles próprios dizem, em escutas a que a reportagem teve acesso.
Ao saber que apenados desconhecidos também estavam exigindo dinheiro de vítimas da quadrilha no Vale do Sinos, os três presos conseguiram os números e ligaram para os concorrentes, a fim de tirar satisfações. Receberam pedidos de desculpas, com todas as gírias e linguagem do meio.
“O, mano, te liga só na caminhada. Ali é golpe. Nois não sabia que era embolado aí. Tá na mão, fica tranquilo, é os guri”, explica-se o membro da outra quadrilha, salientando que no caso dele é só estelionato. Ou seja, blefe, pois não iria até as vítimas pegar dinheiro. “Golpe taí, mano. Cai quem quer.”
Pazes
O preso prossegue nas justificativas, com o argumento de que estava precisando de dinheiro no presídio. “Diz pro veio fica tranquilo lá… Nois precisemo de dinheiro, temo fechado no sistema, né mano. Temo que corrê atrás da máquina, sabe do jeito, nois vamo pra todo lado. Às veiz dá um baguio assim dos cara se pechá. Daí não tem como o cara sabê, né? É isso aí cupincha, é nois.” E as duas quadrilhas se entendem. Afinal, pertencem à mesma facção do Vale do Sinos.
Condenados também cobravam moradores de condomínios
O delegado da 2ª DP de São Leopoldo, André Serrão, acrescenta que moradores de condomínios, principalmente no bairro Santos Dumont, também eram intimidados a pagar mensalidades em troca de segurança. “É importante que a população esteja atenta e colabore com a Polícia para que consigamos refrear este importante pilar de arrecadação financeira do grupo criminoso”, observa o Serrão.
Os três detentos apontados como chefes do esquema e responsáveis pelas ameaças são de alta periculosidade. Pelo menos um deles, conforme o delegado, participou da invasão ao Hospital Municipal de Novo Hamburgo, em março de 2017, que resultou na execução com mais de 15 tiros de um rival internado. Eles têm 42, 28 e 26 anos. Homicídios, tráficos, roubos e receptações estão no histórico dos três.
O tom intimidador é expresso numa das ameaças recebidas por um comerciante leopoldense: “Se a gente não encostar de um jeito, a gente vai encostar de outro, irmão. Ou resolve na boa com nós, ou vai ser na ruim, mano. Sabe como funciona. Não tem muito papo… Tô tentando levar na boa contigo, na elegância, e se não for na boa, vai ser na dor”.
Companheiras recebiam e transferiam dinheiro
A Operação Fake Security (segurança falsa em inglês) prendeu quatro mulheres, de 22, 26, 27 e 52 anos, nos bairros Santos Dumont, Vicentina e São Miguel, em São Leopoldo, e no bairro Operária, em Campo Bom. Os policiais ainda cumpriram mandado de busca e apreensão no bairro Canudos, em Novo Hamburgo.
Capturadas em casa, elas são companheiras e parentes dos três apenados. “Eram responsáveis por receber e transferir o dinheiro arrecadado com as extorsões”, expõe o delegado.
Com uma delas, no Santos Dumont, foram apreendidos três quilos de crack, um tijolo de cocaína, apetrechos para refino e preparo da droga, dezenas de munições calibre 12 e quatro camisetas da Polícia Civil. “Essa, além do mandado de prisão, foi autuada em flagrante por tráfico de drogas e posse irregular de arma de fogo”, salienta Serrão.
Segundo ele, outros envolvidos podem ser identificados e presos. “As investigações iniciaram há oito meses, quando a Polícia identificou vítimas que eram extorquidas por traficantes. Conforme apurado, elas eram obrigadas a fazer pagamentos mensais para que tivessem a segurança garantida.” A operação empregou 50 policiais civis e contou com apoio da Brigada Militar.
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