APAGÃO NA EDUCAÇÃO BÁSICA
Ainda teremos professores no futuro? Estudo projeta que faltarão 235 mil docentes em 2040 no Brasil
Para o Rio Grande do Sul, o Observatório Sesi da Educação projeta a falta de 10 mil professores de educação básica em 17 anos
Última atualização: 18/10/2023 00:09
Houve um tempo em que as crianças sonhavam em exercer o ofício de ensinar. A diversão favorita era brincar de escola. Os anos passaram, mas muitas não seguiram a brincadeira de infância e o risco de se ter um apagão da carreira de professor é real.
Líderes da Unesco, Organização Internacional do Trabalho, Fundo das Nações Unidas para a Infância, alertaram, no início do mês, que serão necessários mais 24,4 milhões de professores no ensino primário e cerca de 44,4 milhões de docentes no nível secundário para alcançar a educação básica universal até 2030 no mundo.
No Brasil, um estudo do Instituto do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo projeta déficit de 235 mil docentes na educação básica em 2040.
Para o Rio Grande do Sul, o Observatório Sesi da Educação projeta a falta de 10 mil professores de educação básica em 17 anos. Fatores como a falta de interesse pela profissão, baixa remuneração e número de docentes que deverão se aposentar pesam na balança.
A Licenciatura registrou queda de alunos de 12,8% entre 2020 e 2021 segundo o Censo da Educação Superior de 2021 do Ministério da Educação. Áreas como ciências sociais, música e filosofia têm pouco mais de 1% dos professores em formação. Física, letras inglês e artes visuais não chegam a 2%.
Os cursos de nível médio para magistério também têm tido poucos interessados. O Colégio Estadual 25 de Julho, de Novo Hamburgo, tinha 187 alunos cursando o ensino médio e 66 nas turmas de aproveitamento de estudos do curso Normal em 2013. Neste ano, são 118 no ensino médio e 30 no aproveitamento de estudos.
Quando se fala da valorização, embora exista a lei do piso do magistério, o salário pesa. Pesquisa do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas mostrou que dentre os profissionais com ensino superior com salários mais baixos e que trabalham no setor privado estão os docentes.
Professores do pré-escolar, artes, música e do ensino fundamental têm as menores remunerações. Ainda há outros fatores que contam nesta equação. Entre eles, a dificuldade de conquistar a atenção dos alunos em razão dos celulares e a falta de estrutura familiar, onde a responsabilidade de educar é transferida para a escola.
Investir em formação
Para tentar virar este jogo, algumas iniciativas públicas têm sido lançadas. No Rio Grande do Sul, na semana passada, o governador Eduardo Leite sancionou a lei que cria o programa Professor do Amanhã. Serão concedidas bolsas para formação de docentes em cursos de licenciatura, com oferta inicial de mil vagas.
A iniciativa, segundo o Piratini, é inédita no Brasil, com bolsas mensais de permanência de R$ 800 para os alunos. Também haverá contrapartida de R$ 800 para a instituição comunitária de ensino superior como forma de custeio da vaga. A previsão é de que o programa receba R$ 57,6 milhões em investimentos até 2026. Os cursos serão oferecidos em áreas estratégicas.
Para o reitor da Universidade Feevale, Cleber Prodanov, também vice-presidente do Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung) a iniciativa ainda não resolve o problema, embora seja o primeiro passo. Conforme Prodanov, em 2019 o assunto já havia sido levado para o governo do Estado. “Não apenas a formação de professores, mas a quantidade de pessoas dos 18 aos 24 anos que estavam ficando fora da faculdade por questões de acesso, dificuldades de conclusão e de chegar, e a permanência, porque não consegue se manter”, diz.
De acordo com ele, o Executivo elaborou um projeto de lei distante daquilo que o Comung imaginava. “Isso é pouco e não causa o impacto que a gente precisa fazer para a formação”, avalia. No entanto, ele destaca que ficou satisfeito porque o Piratini deu “a partida” para uma proposta voltada à formação. Prodanov comenta que a expectativa é que a Assembleia Legislativa “vitamine” o programa com mais recursos e que se mantenha a iniciativa, com ampliação gradativa para outras áreas, não somente para professores.
Ele cita como exemplo a proposta que é desenvolvida pelo estado vizinho. Santa Catarina tem o programa Universidade Gratuita que, segundo o governo do estado vizinho, é a maior iniciativa estadual de formação superior do Brasil. Até 2026 deve ser investido R$ 1,2 bilhão, gerando até 70 mil vagas, sendo até 28 mil delas ainda em 2023. A proposta contempla várias universidades e centros universitários de todas as regiões catarinenses e, em contrapartida, os alunos cumprem 20 horas de trabalho na sua área de formação, para cada mês que estudarem de graça.
Iniciando o magistério
Vinda do comércio, aos 41 anos Gislaine Fernandes da Silva (no canto esquerdo da foto) abraçou de vez o sonho de ser professora. Em 2012, concluiu Pedagogia na Ulbra, mas não se sentiu preparada para encarar a sala de aula. Em agosto deste ano, ingressou no curso de aproveitamento do Normal no Colégio 25 de Julho e há 20 dias estagia na Escola Municipal Nilo Peçanha.
A turma dela começou com sete alunos e hoje tem quatro, para um curso que tem duração de um ano e meio. Ela acompanha uma turma de 7.º ano no turno da manhã e de 6.º ano, à tarde. "Estou amando. Vim atrás da didática que é a base do currículo", comenta. Gislaine tem planos de se especializar no atendimento aos alunos de inclusão. Apesar de estar feliz com a escolha, diz que as pessoas estranharam. "Alguns me questionaram se não tinha outra profissão para escolher, mas eu acredito na educação."
Há quase seis décadas ensinando
Foi com 19 anos que Juracy Ignez Assmann Saraiva, hoje com 72 anos, deu início à carreira no magistério. Com 58 anos de sala de aula, a professora não tem planos de se aposentar. De uma família de nove irmãos, sendo oito deles professores, saiu de Feliz, no Vale do Caí, para estudar no internato do Colégio Santa Catarina.
Com o curso concluído, passou a lecionar no Grupo Escolar Oldegard de Sapucaia, na cidade de Feliz. "A minha missão era ensinar a falar português", explica. Na época, o dialeto alemão era a principal língua falada em casa pelas famílias. Em 1967, casou e se mudou para Novo Hamburgo, onde vive até hoje. Passou pelas escolas Otávio Rosa, 25 de Julho e Liberato, no Município, e também pelo Colégio 8 de Setembro, em Estância Velha.
Formou-se em Letras/Inglês em 1970 e em 1982 concluiu o mestrado. Em 1985, passou a dar aulas na Unisinos, atuando na formação de novos professores, tarefa que exerce desde então. Em 1990, terminou o doutorado, em 2000, o pós-doutorado e, a partir de 2006, mudou para a Feevale, onde continua lecionando e trabalhando como pesquisadora na área de linguagem e literatura.
Ela se define como uma apaixonada por ensinar e também por Machado de Assis, seu autor preferido. Juracy conta que deu aula para todos os anos da educação básica, com exceção do 1.º ano do fundamental. Então, desenvolveu um projeto para ser aplicado com os pequenos em fase de alfabetização, por meio de textos literários. "É o melhor instrumento para alfabetizar."
Segundo Juracy, seus alunos, que estudam para fazer carreira no magistério, se queixam muito de que os estudantes se dispersam facilmente com o celular e há pouco envolvimento dos pais com a escola.
"O mais difícil é a imagem negativa criada a respeito da profissão. O salário não é menor do que aqueles que começam em outras profissões. É claro que os salários deveriam ser melhores, mas a imagem transmitida é algo ruim", pondera.
Sobre o futuro da profissão, Juracy tem uma opinião. "Acho que vamos chegar ao fundo do poço e terá uma virada. Porque o professor é fundamental para toas as outras profissões", acredita.
Ela defende que a formação dos docentes precisa melhorar, principalmente, na qualidade da leitura, capaz de exigir reflexão, pensamento próprio e argumentos.
Conforme a professora, causava incômodo quando ouvia o discurso de colegas dizendo que não viam a hora de se aposentar. "Isso me dava uma tristeza, pois a pessoa não gostava do que fazia. Imagina investir uma vida naquilo que não gosta", conta. "Eu sou uma entusiasta. Não tem melhor profissão. É o desafio que me move", finaliza.