QUASE UM ANO DEPOIS
Safrista resgatado de trabalho análogo à escravidão em colheita de uva na Serra gaúcha será indenizado; veja valor que ele receberá
Ele fazia parte do grupo de mais de 200 pessoas resgatadas em Bento Gonçalves no início de 2023
Última atualização: 16/01/2024 16:58
Quase um ano depois, um dos homens que foi resgatado de trabalho análogo à escravidão em colheita de uva na Serra gaúcha ganhou um processo que tramitava no Tribunal do Trabalho e receberá indenização. Essa é a primeira sentença de processo individual ajuizado por trabalhador resgatado no caso que envolve três vinícolas de Bento Gonçalves, no início de 2023.
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A decisão do juiz Silvionei do Carmo, da 2ª Vara do Trabalho de Bento Gonçalves, determina que duas empresas terceirizadas, a Oliveira & Santana e a Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde, e uma vinícola tomadora do serviço, a Aurora, paguem R$ 50 mil ao trabalhador por danos morais.
Além disso, ele deverá receber o pagamento de horas extras excedentes a oito horas diárias e/ou 44 semanais, com incidência de adicional e reflexos em outras verbas trabalhistas. As horas faltantes para completar o intervalo entre jornadas, previsto no artigo 66 da CLT, também deverão ser pagas, com adicional de 50%. O valor de todas essas horas será calculado na fase de liquidação do processo, após o trânsito em julgado sobre o mérito.
Condições de trabalho
O homem trabalhou na colheita entre 2 e 22 de fevereiro de 2023 — data em que mais de 200 safristas foram resgatados em operação policial. Foi reconhecido que, durante este período, ele foi efetivamente submetido a condições degradantes de trabalho.
"Não havia as mínimas condições de conforto e higiene na Pousada do Trabalhador", relatou o juíz na sentença. "Alimentação não era fornecida em condições e ambientes adequados", completou, destacando ainda que a jornada de trabalho era exaustiva. O magistrado ainda ressaltou que "os trabalhadores trazidos da Bahia para laborar na safra da uva eram hipossuficientes, não tendo condições de custear a passagem de retorno, o que 'os prendia' em Bento Gonçalves, obrigando-os a laborar até o final da safra, sob pena de perderem o direito à passagem de retorno".
Condenações
Quanto as empresas terceirizadas, Carmo reconheceu a existência de um grupo econômico envolvendo as duas empresas que contrataram o trabalhador e, dessa forma, havendo responsabilidade solidária de ambas pelos créditos ou indenizações devidos.
Já em relação à vinícola, o magistrado entendeu que ficou comprovado que o safrista trabalhou em benefício da Cooperativa Vinícola Aurora em apenas parte do contrato de trabalho — cinco dias de um total de 21. Por isso, a condenação, de forma subsidiária, ficou no montante de 25% do valor total que o trabalhador terá de receber. Nesta responsabilidade subsidiária, o trabalhador pode cobrar da tomadora de serviço caso não consiga o pagamento junto à empregadora, que é a devedora principal.
“Portanto, se a tomadora dos serviços não cumpriu com seu dever de fiscalização, concorreu para a violação dos direitos trabalhistas e dignidade do trabalhador, respondendo não apenas pela reparação dos danos de cunho eminentemente trabalhista, como também pelos danos decorrentes da violação da dignidade do reclamante, no caso, os danos morais”, decidiu o juiz.
Outras duas vinícolas da Serra gaúcha foram processadas pelo safrista, mas não ficou comprovado que ele teria trabalhado para essas empresas.
O que dizem as empresas
Em nota enviada à reportagem, a Aurora afirma que irá recorrer da sentença ao Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. "A Cooperativa Vinícola Aurora respeita a decisão da Justiça do Trabalho de Bento Gonçalves, mas irá recorrer. Isso porque, nas suas instalações, o trabalhador foi tratado com dignidade e teve todos os seus direitos respeitados, conforme destaca a própria sentença: 'a propósito da responsabilidade subsidiária, cumpre anotar que não se verifica na prova dos autos que a Cooperativa Vinícola Aurora tenha participado diretamente das ações ou condutas que resultaram na redução do autor à condição análoga à de escravo'".
Também foi tentado contato com as empresas Oliveira & Santana e Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde, mas não houve retorno até a publicação desta reportagem.
Relembre o caso
Na noite do dia 22 de fevereiro, uma operação conjunta entre Polícia Rodoviária Federal, Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e MPT-RS resgatou mais de 200 pessoas alojadas em condições impróprias em uma pousada em Bento Gonçalves. Segundo denúncias realizadas por um grupo de seis trabalhadores que havia conseguido fugir e denunciar o caso, o local era alojamento para uma força de trabalho atraída para a colheita da uva.
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No momento da contratação, os trabalhadores recebiam a promessa de que seriam custeados alimentação, hospedagem e transporte, mas, chegando ao Rio Grande do Sul, os trabalhadores tiveram que pagar pelo alojamento, já começando em dívida. O local de alojamento também apresentava péssimas condições e os resgatados, a grande maioria oriunda da Bahia, relataram ameaças e intimidações.