A cada dia que passa aumenta a angustia da família de Maria de Fátima Silva Ávila, 64 anos. Nesta quinta-feira (7), completam 8 meses que ninguém tem contato nem notícias do paradeiro. Conforme a investigação da Polícia Civil, a idosa teria deixado o Lar Jardim de Deus, no bairro Quatro Colônias, no limite de Campo Bom com Dois Irmãos, após uma pessoa deixar o portão aberto no fim da tarde do dia 7 de março.
“Hoje não sei mais o que fazer. Só peço a Deus que, se alguém tiver qualquer notícia, entre em contato com a polícia. A cada dia que passa fica mais difícil”, desabafa a enfermeira Luciana Medeiros, filha da desaparecida.
Luciana frisa que é desesperador todo esse tempo sem notícias da mãe e sem saber o que aconteceu de fato. “Dói perder alguém por motivos de doença ou acidente, mas a pessoa está ali. Desaparecimento tu nunca descansa, tu vai levando a vida, mas a cabeça não para de pensar no que aconteceu, aonde está, se tem alguém cuidando”, lamenta.
“É impossível que a mãe tenha saído de lá e nenhuma câmera tenha registrado na rua, ainda mais com todas as dificuldades de saúde e locomoção que ela tem. Também acho muito difícil que ninguém tenha visto ela, seja para oferecer ajuda ou informar a Polícia”, opina Luciana, que suplica para que quem tiver qualquer informação procure as autoridades. “Essa história [do desaparecimento] não está bem contada”, completa.
Contradição e investigação
O caso segue sendo um mistério até para a Polícia Civil, que segue com a investigação. Para a família, as contradições nos relatos dos proprietários do lar de idosos podem ser peças fundamentais para solucionar o caso. “O que mais intriga é o comportamento deles [donos da clínica]. O jeito deles não sei se era de se culpar ou de se esquivar da gente”, observa Luciana.
A filha de Maria de Fátima lembra que foi com o irmão pela manhã visitar a mãe no dia em que ela sumiu. “Ela tinha um hematoma no olho e outro na boca. Questionamos os proprietários e primeiro falaram que ela caiu e depois disseram que ela teria sido agredida por outra idosa”, conta a enfermeira. Ela conta que, enquanto estava no lar, uma das proprietárias estava na volta o tempo todo. “Na hora não nos demos conta, mas depois de tudo e todo esse tempo, talvez tenha sido uma forma de coagir ela a não falar algo.”
A suposta queda teria sido na terça-feira, 5 de março, dois dias antes do desaparecimento. Com a mudança de versão dos donos, ainda durante a visita dos filhos, Luciana conta que chegou a conversar com a idosa que teria agredido a sua mãe, segundo os donos do estabelecimento. “A senhorinha disse que não tinha brigado com a mãe.” De acordo com Luciana, a mãe estava calma enquanto ela e o irmão estavam lá. A família conversou assuntos rotineiros e tomou chimarrão. A filha da idosa relata que apesar da situação dos hematomas, naquela momento não imaginou que algo de ruim poderia acontecer, pois até então o atendimento do lar era considerado bom.
Veja também: “Ele perdeu os movimentos”: Menino de 2 anos ferido em acidente na RS-239 segue em hospital e família faz campanha
No mesmo dia, a irmã de Luciana e um sobrinho também foram ao lar visitar a idosa, porém na parte da tarde. “Eles disseram que estava tudo bem. Conversaram com ela e foram embora por volta das 16h50 horas.” Poucas horas a esse último contato, a família foi informada pelos responsáveis do lar que Maria de Fátima desapareceu.
“As 19 horas eles me ligaram, disseram que tentaram falar com meu irmão mas ele não atendeu. Falaram que a mãe desapareceu desde as 18 horas”, conta Luciana. De acordo com ela, a informação era de que a idosa teria sumido quando uma das proprietárias do lar teria ido ao médico. Segundo a filha da desaparecida, o destino da mulher também mudou na versão dos proprietários, que depois passaram a firmar que gestora teria deixado o estabelecimento para fazer um procedimento estético.
Confira: PREVISÃO DO TEMPO: Inmet emite alertas para chuvas e ventos intensos no RS
O delegado Rodrigo Câmara, titular da Delegacia de Polícia de Campo Bom, confirma as contradições. Porém, salienta que no caso sobre a suposta queda ou briga com outra idosa interna, não há conclusão tendo em vista que não nenhuma materialidade, como imagens de câmera de segurança ou pessoas que viram, por exemplo.
“Pelos depoimentos dos outros internos e das próprias pessoas que estavam envolvidas, a gente imagina que ela caiu e não que a outra interna tenha agredido ela. Até porque essa outra interna já tem vários problemas, dificuldades motoras. Dificilmente ela conseguiria fazer isso”, afirma o delegado.
Ele também confirma as versões contraditórias. “Tem uma divergência em relação ao proprietários da clínica. Os próprios donos reconhecem que eles podem ter falado alguma coisa ou outra ali, mas segundo eles não foi pré-ordenado. Sobre essa mudança de versão, eles falaram que se confundiram”, diz Camara.
A reportagem entrou em contato com o dono do Lar Jardim de Deus, que disse que não irá se manifestar.
Buscas na área do lar
Ao saber do sumiço da idosa, a família foi logo em seguida para o lar que fica na zona rural entre Dois Irmãos e Campo Bom. A região é cercada de matas. “No outro dia na sexta-feira, porque a mãe desapareceu na quinta, era nós catando a mãe debaixo de chuva”, relata Luciana, que afirma que os proprietários não teriam se mobilizado em ajudá-los.
“Como ele [o dono] falou que ela saiu pelo portão, pensei que ela poderia ter saído pela estrada, talvez algum carro batido e jogado ela pela beira da estrada. Esse sítio [lar de idosos] não era no fim do mundo, ficava a poucos metros de uma faixa que é muito movimentada”, lembra. “Se ela saísse dali, alguém iria encontrar ela”, complementa.
LEIA TAMBÉM
Fique por dentro: EMPREGO: Sine Novo Hamburgo participa do EmpregarRS com 150 vagas; saiba como participar
De acordo com Luciana, no sábado, 9 de março, logo cedo a família e amigos se mobilizaram novamente nas buscas por Maria de Fátima. A enfermeira conta que nesse dia outra ação do proprietário do lar chamou atenção. “Ele veio de carro, subiu. ‘Aí, eu vou ali – não lembro o nome da mulher – ver se a tua mãe ainda está lá’. No dia, a gente não levantou nada de suspeita, mas depois pensando: ‘quem é essa mulher? como é que a mãe iria sair dali e ir lá naquela mulher? A mãe não conhece ninguém, só conhecia o lar'”, relata. Questionado, o delegado disse que o homem relatou apenas que teria ido procurar na casa de uma pessoa que é ligada a igreja. “Era mais por descargo de consciência. Eles não tinham nenhuma informação de que ela [idosa desaparecida] teria ido para lá”, afirma.
Sobre as buscas, o delegado afirma que ações foram realizadas na primeira semana do desaparecimento em toda a área em torno do lar de idosos. A procura por Maria de Fátima contou com dois cães farejadores, um especializado em localizar pessoas vivas e outro em pessoas mortas. Nenhum vestígio da idosa foi encontrado. Até mesmo drones foram utilizados, mas sem respostas do paradeiro da idosa.
Por enquanto, não há previsão de novas buscas. “A busca aberta, que é o que a gente chama, está descartada neste momento. Podem ser feitas novas buscas se vier algum elemento novo. Se tiver algum indicativo que ela possa estar em algum lugar, daí faremos novas buscas abertas, procurando em todos os lugares”, explica o delegado.
Camara reforça que a investigação trabalha no caso e que nos últimos meses receberam informações, mas que nenhuma delas se concretizou para elucidar o desaparecimento da idosa. “Qualquer denúncia anônima a gente apura, a gente trata com prioridade”, destaca. Quem tiver informações pode repassar à Polícia Civil pelo WhatsApp (51) 98401-3237.
Família quer resposta e responsabilização
Em meio ao mistério, a família busca por respostas. “Eu tinha muita, de verdade, mas a cada dia que passa eu perco mais a esperança. Eu fui catar minha mãe pela rua. Acreditei em cada palavra que eles disseram. Ela podia ter saído, ela caminhava, mas ela não iria desaparecer. Alguém iria ver ela. Ela iria pedir para ir pela delegacia”, desabafa a filha. Ela ainda cobra uma responsabilização pelo desaparecimento.
No entanto, desaparecimento não é crime no Brasil. “No caso de pessoas vulneráveis, o responsável responde pela omissão, ou seja, ele deve agir para evitar o resultado. Sendo assim, a clínica seria responsável pelo desaparecimento, o que, repito, não é crime no Brasil”, pontua Camara. “O cenário pode mudar se descobrirmos que ela morreu mesmo que por acidente, por exemplo. Nesse caso eles poderiam responder pelo homicídio culposo”, destaca o delegado.
O que aconteceu com o lar após o desaparecimento
O estabelecimento foi interditado uma semana após o sumiço da idosa. No dia 14 de março, a Vigilância Sanitária de Dois Irmãos, com apoio da Secretaria de Saúde, Assistência Social, Brigada Militar e Policia Civil, realizou uma fiscalização no lar geriátrico e diversas irregularidades foram encontradas, além de ausência de registros e inadequações estruturais. Os 12 idosos que residiam no local foram entregues aos cuidados dos familiares. Os internos eram de Campo Bom e Novo Hamburgo.
“O lar segue fechado, mas os donos estão buscando a regularização tanto no alvará de funcionamento, quanto no alvará da vigilância sanitária”, disse em nota a prefeitura de Dois Irmãos.
- Categorias
- Tags