DENÚNCIA
Líder de facção avisou que seria morto no presídio com arma vinda de drone
Assassinato na Penitenciária de Canoas traz alerta para conflitos do crime organizado nas ruas de Porto Alegre e do Vale do Sinos
Última atualização: 25/11/2024 06:46
A morte a tiros de um traficante dentro da Penitenciária Estadual de Canoas (Pecan), na tarde de sábado (23), expõe o histórico descontrole da segurança pública sobre o sistema prisional e traz alerta para uma nova onda de conflitos do crime organizado nas ruas da região metropolitana.
Apontado como líder da facção Anti-Bala, da capital, Jackson Peixoto Rodrigues, o Nego Jackson, 41 anos, vinha avisando sobre um plano para matá-lo a tiros na Pecan. Detalhou que a arma chegaria por drone. A denúncia foi formalizada à direção da casa prisional e à Vara de Execuções Criminais (VEC).
Mesmo com o alerta, o plano acabou sendo executado. Uma pistola aterrissou por um dispositivo voador no pátio da penitenciária e foi pega por rivais de Nego Jackson, vinculados a outra facção de Porto Alegre. E, dentro da cela, o ameaçado levou sete tiros. Os disparos foram feitos pela portinhola.
Outro líder
O executor é apontado como um dos líderes do principal grupo adversário, Bala na Cara. Rafael Telles da Silva, o Sapo, 36, foi preso em flagrante junto com um comparsa. Nego Jackson chegou a ser encaminhado para um hospital, onde morreu em seguida.
A quadrilha de um deles tem parceria com a facção Os Manos, do Vale do Sinos, considerada a mais forte do Estado. No submundo do crime, ameaças de morte passaram a ser feitas no eixo Porto Alegre-Novo Hamburgo.
“Muita gente sabia do que estava acontecendo”
“É um descalabro o que aconteceu após todos os alertas”, relatou à reportagem uma pessoa ligada ao executado, que pede para não ser identificada. “Muita gente sabia do que estava acontecendo. Os advogados dele peticionaram, de forma clara, que chegaria drone com arma, e fizeram vários pedidos de transferência.”
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A Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) se manifestou por meio de nota. Afirma que, após o homicídio, a galeria passou por revista geral do Grupo de Ações Especiais. “A unidade prisional encontra-se segura e sem nenhuma outra alteração. Os possíveis autores já foram transferidos para outra unidade prisional.” E observou: “A Corregedoria-Geral do Sistema Penitenciário já está atuando”.
A VEC se posicionou por meio do Tribunal de Justiça. “O Judiciário acompanha a situação, mas o caso está em andamento, a cargo da administração da Pecan.” Os advogados dos envolvidos não foram localizados neste domingo (24).
O delegado Rafael Naves, que responde interinamente pela Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de Canoas, autuou Sapo e o comparsa em flagrante. Também pediu a preventiva dos dois. Outros possíveis envolvidos serão investigados.
Área de baixa segurança virou uma “bomba-relógio”
Rivais de alta periculosidade, acusados de participação em homicídios com sessões de tortura, esquartejamentos e decapitações, Nego Jackson e Sapo eram praticamente vizinhos de cela no módulo 3 da Pecan. A área é reservada para isolamento de lideranças do crime organizado, por contar com bloqueador de celular. O que não impediu a entrada de uma arma pelos ares.
Há cerca de um ano, em torno de 600 apenados de diferentes facções foram sendo transferidos da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) para a Pecan. Nego Jackson e Sapo já tinham sido removidos para diferentes penitenciárias federais.
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“Transformaram inimigos de morte em vizinhos nessa ala da Pecan, que não tem muros nem estrutura de alta segurança. Até demorou para isso ocorrer lá dentro. O problema é que pode descambar para as ruas”, relata um profissional da segurança pública que pede para não ser identificado.
Localizado no bairro Guajuviras, o complexo penitenciário de Canoas foi inaugurado em março de 2016 com o discurso de ser “um presídio concebido com o firme propósito de ter 100% a presença do Estado”. Desde então, vem passando por ampliações da estrutura e da quantidade de detentos. Segundo números do governo do Estado, hoje tem 2,43 mil detentos.
Não é a primeira morte violenta na Pecan
Um crime bárbaro já havia sido cometido na Pecan em setembro de 2020, quando o hamburguense Lucas Iago Rodrigues Fogaça, então com 26 anos, foi esquartejado por colegas de cela. Sacolas plásticas com partes do corpo foram penduradas nas grades. Um detento responsável por pelo menos oito homicídios confessou. Era período de isolamento imposto pela Covid-19. Outros três assassinatos tinham ocorrido antes do esquartejamento, mas não com esse grau de barbárie. Eram sufocamentos.