AÇÃO PENAL
Ex-vice-prefeito da região foi morto por cobrar dívida de R$ 10 milhões, conclui Promotoria
Conhecido empresário catarinense, que comprou frigorífico da vítima na Encosta da Serra gaúcha, vira réu como mandante do homicídio
Última atualização: 21/03/2024 11:22
Quase quatro anos depois do crime, um empresário badalado e dois supostos comparsas viram réus pelo assassinato de Adélcio Haubert, 65, ex-vice-prefeito de Santa Maria do Herval.
O juiz de Dois Irmãos, Miguel Carpi Nejar, aceitou a denúncia contra os três na tarde desta terça-feira (19). Eles devem ir a júri. O crime, conforme o Ministério Público, teve motivação financeira.
Haubert era dono do frigorífico Boa Vista, que já foi o maior empregador e fonte de receita de Santa Maria do Herval. Empresário popular e respeitado, aceitou o convite para concorrer a vice-prefeito e ocupou o cargo de 1993 a 1996.
Em maio de 2018, decidiu vender o frigorífico para o empresário catarinense Cristiano de Bem Cardoso, 44. A tradicional firma estava em recuperação judicial.
O comprador, que ostentava negócios com artistas de renome nacional e prometia reerguer o frigorífico com pesados investimentos, fez uma proposta irrecusável. Ofereceu R$ 10 milhões, parcelados, com o compromisso de sanar todas as dívidas e financiamentos.
Calote
A expectativa do expressivo investimento combinou com as aparências. Cardoso passava a imagem de empreendedor bem-sucedido. Já chegou de helicóptero à empresa, de forma triunfal, impactando positivamente funcionários e a população.
Mas não pagava o antigo dono, nem honrava as dívidas. A produção começou a cair ainda mais. O negócio promissor começava a se revelar um calote milionário.
Haubert passou a cobrar a dívida com frequência, pessoalmente, no frigorífico. Incomodado com as cobranças, conforme o Ministério Público, Cardoso mandou matar o credor.
De acordo com a denúncia do promotor de Justiça Bruno Amorim Carpes, encaminhada nesta segunda ao fórum, o empresário delegou o assassinato ao funcionário de confiança Silvio Soares das Chagas, 48, que recrutou Jôni André Haubert, 34, e outro homem, não identificado, para a excussão.
Jôni era primo de segundo grau da vítima.
Haubert e esposa foram atingidos
O plano foi colocado em prática às 19h52 de 21 de outubro de 2020, uma quarta-feira. Haubert e a esposa Flávia, na época com 64 anos, assistiam televisão na sala de casa, na Rua Beno Zimmer, bairro Boa Vista do Herval. Os tiros passaram pelos vidros.
Um acertou a cabeça de Haubert, que morreu cinco dias depois no Hospital Unimed, em Novo Hamburgo. A esposa, ferida por fragmentos da bala que atingiu o marido, precisou reconstruir o rosto. Eles estavam sozinhos. Os dois filhos e três netos moram em outras cidades da região.
O promotor descreve a ação dos pistoleiros. “Jôni, juntamente com outra pessoa cuja identidade é desconhecida, ficou de tocaia em frente à residência das vítimas, aguardando o momento em que estivessem sentadas no sofá, distraídas, sem qualquer possibilidade de defesa, ocasião em que efetuaram os disparos.”
Conforme apontado pela perícia, a dupla usou uma carabina calibre 38 e um revólver calibre 32. As armas não foram encontradas.
“Os crimes foram cometidos mediante emboscada, já que os atiradores ficaram escondidos em frente a residência, que é toda envidraçada, aguardando o momento em que o casal sentou-se na sala para assistir televisão, passando, então, a disparar as armas de fogo”, acusa Carpes.
“Sou inocente e vou provar”
Os três réus devem ir a júri pelo homicídio de Haubert e pela tentativa de homicídio de Flávia. A reportagem conseguiu contato somente com Silvio Chagas, no fim da tarde desta quarta-feira.
“Sou inocente e vou provar”, manifestou-se, por mensagem de texto. Não quis falar. “Converso só com meus advogados e o juiz.”
Nascido em Nova Santa Rita, Chagas é morador de Herval. Trabalhava no frigorífico já na época de Haubert. Segundo a denúncia, conhecia a área de mata que separa a empresa dos fundos da casa da vítima.
“O veículo Celta branco, com logotipo do Frigorífico Boa Vista, que era utilizado por Silvio, foi flagrado pelas câmeras de segurança do estabelecimento em ao menos duas oportunidades em horário próximo ao dos disparos, mas ele alegou estar em Gramado no momento do fato, isto é, tentou construir um álibi falso”, aponta o promotor.
Já Jôni, que não respondeu à mensagem da reportagem, “estava em local próximo aos crimes no horário em que ocorreram”, complementa Carpes. É nascido em Novo Hamburgo e mora em Herval.
Famoso cantor nega sociedade com o principal acusado
O principal cartão de visita do catarinense era se apresentar como sócio do cantor sertanejo Fernando Fakri de Assis, o Sorocaba, da dupla Fernando e Sorocaba.
Cardoso ostentava empreendimentos com o artista na Grande Florianópolis. Há fotos e declarações dos dois em projetos da construção civil e na criação de cavalos, publicados nas redes sociais e na imprensa, em 2015. Visitas deles a prefeituras da região estão noticiadas.
Em uma postagem, Cardoso e Sorocaba exibem o projeto de condomínio residencial em Governador Celso Ramos, no litoral catarinense. Sorocaba nega investimentos com Cardoso.
“Sorocaba nunca foi sócio! Apenas prestou serviço para ele há mais de cinco anos e não tem nem contato mais”, afirmou, nesta quarta, a assessoria de imprensa do artista.
Catarinense é comprador de empresas em recuperação judicial
Nos últimos anos, o suposto mandante comprou várias empresas, de diferentes ramos, em recuperação judicial. No Rio Grande do Sul, o frigorífico da vítima seria a única.
Parou de funcionar cerca de dois anos após a compra, no auge da pandemia. A extensa estrutura predial está fechada, guarnecida por um segurança, que seria o réu Silvio Chagas.
A maioria das empresas adquiridas está em Santa Catarina, mas há também no Paraná e em São Paulo.
Cardoso é de Criciúma e tem endereço de moradia em área nobre de Florianópolis. O telefone dele estava sem sinal nesta quarta-feira.