Ladrões invadiram uma obra, furtaram um caminhão munck, transitaram com o veículo pesado por movimentada rodovia e até pagaram pedágio antes de negociar o dinheiro do resgate, que a vítima aceitou dar para diminuir o prejuízo.
Tudo sem participação da Polícia. É o desfecho de mais um caso de lucro para uma quadrilha do Vale do Sinos especializada no ramo. “Está fora de controle”, desabafa um construtor lesado.
Mesmo com o pagamento de R$ 40 mil para reaver um Volkswagen 26-220 Worker, no último fim de semana, o dono da empreiteira ainda não conseguiu recolocar o veículo na construção para a qual foi contratado, em Bom Princípio, no Vale do Caí.
“Prometeram devolver como levaram, mas estava com o painel arrancado e a lataria pintada de outra cor. Também tiraram as placas. Estamos correndo para fazer outras placas e atrás de toda burocracia, que envolve o registro da recuperação do veículo e mais coisas.”
O principal, conforme frisa, é que o munck – guindaste hidráulico para mover cargas em obras de grande porte – foi reavido em condições de operar. “Só mudaram a cor.” O equipamento é avaliado em R$ 280 mil, enquanto o preço de mercado do caminhão fica na faixa de R$ 120 mil.
Ação com a ousadia e experiência do bando
O furto foi praticado com a marca da ousadia e experiência da quadrilha, à margem da RS-122, na obra de um pavilhão de 33 mil quadrados de uma fábrica de móveis, na madrugada do último dia 9.
“Pularam o tapume, quebraram as lâmpadas, arrombaram o caminhão e desmontaram o painel, procurando o rastreador, e viram que estava desativado. Estouraram o cadeado do portão e levaram”, relata a vítima.
Câmera flagrou ataque no pátio de obra na RS-122
Uma câmera de segurança flagrou de longe a invasão à obra, que é toda cercada, e o furto do caminhão, na madrugada de 9 de janeiro. O horário do crime não está esclarecido.
Avisado que o caminhão já está pronto para sair, um bandido quebra o cadeado do portão de acesso ao pátio. O veículo sai pela entrada principal e toma o rumo da RS-122 em direção ao Vale do Sinos.
Negociação com desconto e devolução na madrugada
A fuga intriga as vítimas. “É um veículo que não chega a 80 quilômetros por hora”, comenta um funcionário. Os ladrões passaram pelo pedágio da RS-240, em Portão, pagaram a tarifa, e seguiram até um galpão em bairro não identificado de Sapucaia do Sul. Três dias depois, entraram em contato com o construtor, por telefone, para negociar a devolução.
A pedida inicial foi de R$ 70 mil. A vítima conseguiu desconto de R$ 30 mil. Ao fechar o negócio, os criminosos mandaram o empreiteiro deixar o pacote com o dinheiro em ponto não revelado para depois entregar o caminhão, na madrugada de domingo. O construtor confiou. Era a única chance.
Deixou os R$ 40 mil, recebeu a confirmação do pagamento e depois a indicação do local para a retirada do veículo. O Volkswagen com o munck estava lá, perto da RS-452, em Feliz. “Foi o único jeito, porque a polícia não fez nada. Nem foi ao local. Não teve perícia e ninguém foi ouvido, apesar das suspeitas de informações privilegiadas. Estamos largados”, frisa um funcionário.
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Grupo garima oportunidades pelo Estado
A organização criminosa conta com olheiros encarregados de encontrar oportunidades em obras, oficinas mecânicas e estacionamentos. O principal alvo são caminhões com o equipamento munck na carroceria. Retroescavadeiras de prefeituras também estão na mira da quadrilha, que leva os veículos a pavilhões em Novo Hamburgo, São Leopoldo e Sapucaia do Sul.
O maior faturamento está na extorsão às vítimas, mas a venda de peças no mercado paralelo também rende ganhos expressivos. Mesmo com pelo menos três prisões e recuperação de sete veículos desde o fim de 2022, o bando não para de agir.
Outros casos e prejuízos incalculáveis
Os prejuízos são incalculáveis, pois a maioria dos casos não vêm à tona porque muitas vítimas negociam direto com a quadrilha. Os crimes costumam ser divulgados pela segurança pública somente quando há prisão ou localização de veículos, o que corresponde a uma pequena parcela do total de furtos de caminhões.
Ivoti e São Leopoldo
Há quatro meses, a quadrilha concentrou atenções em Ivoti. Na noite de 17 de setembro, furtou um caminhão munck nas proximidades da Colônia Japonesa e, dois dias depois, outro da mesma empresa na Avenida Presidente Lucena, a principal da cidade.
O bando exigiu R$ 100 mil de resgate, mas a Polícia acabou localizando os dois veículos em galpão no bairro Campina, em São Leopoldo. Ninguém foi preso.
Na Serra em Caxias do Sul
Na madrugada de 14 de setembro, os ladrões agiram na Serra. Furtaram um caminhão munck, com um trator na carroceria, na RS-122, em Caxias do Sul. A vítima também teria sido contatada para negociação da devolução.
Exceção na região
Na manhã de 2 de outubro, uma exceção. Ao invés de furto, os ladrões praticaram roubo. Armados, renderam o motorista de uma retroescavadeira no bairro Neópolis, em Gravataí, e o fizeram refém até o bairro Lomba Grande, em Novo Hamburgo.
O equipamento foi localizado uma semana depois, enquanto era negociado com a vítima, escondido em uma pedreira abandonada em São Leopoldo. Ninguém foi preso.
Gramado e Parobé
Um caminhão munck foi furtado na madrugada de 21 de abril do ano passado na frente de uma empresa na Rua Cerro Largo, bairro Carniel, em Gramado, e interceptado pela Brigada Militar na RS-239, em Parobé.
O motorista, de 28 anos, confessou o crime e disse que estava levando o caminhão para São Leopoldo. Outros dois ladrões, de 26 e 27 anos, foram presos em Chevrolet Classic preto, com placas de Igrejinha, que servia de batedor e já tinha sido usado pela quadrilha em outros dois furtos de caminhões também em Gramado, no bairro Várzea Grande, nos dias 10 e 17, e um em Igrejinha, no dia 11, no bairro Vila Nova. O trio foi solto no dia seguinte.
Santo Antônio e Taquara
Na madrugada de 7 de março, foi furtada uma retroescavadeira em um posto de combustíveis em Santo Antônio da Patrulha. Pouco depois, um motorista de caminhão foi preso na Estrada Entrepelados, em Taquara, com a máquina na carroceria. Ele contou que levava o veículo para São Leopoldo.
Nem a CEEE escapa
Quatro caminhões munck da CEEE foram furtados no bairro São Geraldo, em Porto Alegre, na madrugada de 29 de dezembro de 2022. No dia seguinte, os veículos usados em reparos da rede elétrica foram encontrados em um pavilhão na Rua São Domingos, no bairro São Miguel, em São Leopoldo.
No prédio, a Brigada Militar apreendeu ainda um motorhome furtado em Novo Hamburgo. O responsável pelo pavilhão foi preso e liberado.
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