A Polícia Civil concluiu o inquérito sobre a morte da menina encontrada dentro de um contêiner de lixo em Guaíba. A mãe e o pai de Kerollyn Souza Ferreira, de 9 anos, foram indiciados. A criança foi encontrada sem vida dentro da lixeira por reciclador na manhã de 9 de agosto.
Carla Carolina Abreu de Souza foi indiciada por maus-tratos com resultado morte e violência psicológica. Já Matheus Lacerda Ferreira, por abandono material e também violência psicológica.
“Se comprovou que a conduta da mãe em relação à filha era de omissões ou até ações que privava a menina de todos os cuidados indispensáveis que ela deveria ter. Havia também abusos de meios de correção e disciplina. Havia excesso de trabalho, a menina com 9 anos cuidava de outros [irmãos] menores. A menina ficava solta na rua até horas altas da noite”, detalha o delegado regional Nedson Ramos de Oliveira.
“Ela [Carla] atormentava psicologicamente a menina, provocando para que tivesse reações agressivas por conta de provocação dela. Quase como uma tortura psicológica. Quando a menina tinha as reações, ela filmava e dizia que não conseguia cuidar da menina”, completa.
Conforme o delegado, entre as violências psicológicas estava a provocação de explosão emocional da vítima seguido do tratamento de silêncio. Quando a criança falava ou questionava, a mãe não a respondia, provocando aumento do estresse de Kerolly.
Segundo a investigação, a mãe enviava os vídeos que gravava para a avó e uma tia da criança, com o objetivo de que uma delas assumisse a criação. Carla se queixava que era difícil criar a filha.
Já no caso do pai, a falta de envolvimento na vida da filha fez com que a Polícia o indiciasse pela morte de Kerollyn. “Abandono material, porque ele deixou de prover. Ele tinha condições de prover verba para alimentação e roupa. Ele nunca pagou pensão para a criança. E também pela violência psicológica, mas no sentido da falta de afeto. Fazia muito tempo que ele não falava com a filha, não procurava, não mandava presente. Nada nesse sentido”, explica Oliveira.
Conforme a investigação, a menina chegou a morar com o genitor, mas ele perdeu a guarda e ela voltou a ficar sob tutela da genitora. Por volta de 2018, ele teria procurado a Defensoria Pública para obter novamente a guarda de Kerollyn. O órgão solicitou algumas documentações, porém Matheus não prosseguiu com o processo. Atualmente, ele reside em Santa Catarina.
Causa da morte indefinida
Para a conclusão do inquérito, 34 pessoas foram ouvidas e 12 perícias foram realizadas pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP), que resultaram em 21 laudos. Porém, a causa da morte não foi determinada.
“Não temos um achado pericial categórico que nos diga que ‘foi esta causa’ [da morte]. O corpo da menina não tinha marca de violência”, esclarece o delegado, enfatizando que Kerollyn também não apresentava sinais de asfixia ou overdose, por exemplo.
No organismo da vítima foi constatada a presença de clonazepam, que, segundo a investigação, Carla admitiu dar à menina, mesmo sem prescrição médica, “para acalmá-la”. Nem mesmo hipotermia, considerando a noite fria, foi conclusiva como o motivo do óbito.
Para a Polícia, neste contexto, o que indicia os pais é o abandono, que possibilitou a morte da criança, e não o dolo, como homicídio, por exemplo. Conforme o delegado, não há prova de que a menina tenha sido depositada no contêiner. Testemunhas inclusive relataram que já haviam visto a menina dentro do contêiner.
“[Ela] teria entrado espontaneamente outras vezes para procurar brinquedos e outras coisas dentro daquele contêiner. Então, até o momento, a hipótese mais provável é que a menina tenha entrado espontaneamente. Tenha desmaiado e ficado de cabeça para baixo, o que dificultou a respiração, mais o clonazepam e a noite fria, [o conjunto] pode ter levado à morte”, pontua o delegado.
Última noite da menina
Conforme a investigação, a versão de Carla é contraditória em relação a outros elementos da apuração policial. A genitora teria dito em depoimento que Kerollyn teria dormido com ela e os irmãos entre as 20 e 21 horas de 8 de agosto, quinta-feira.
“Há provas, várias, de que não é verdade. A própria mãe tomava clonazepam com doses muito maiores. Ela diz que dormiu e acordou no outro dia e não viu mais a menina. Não sabe se a menina acordou na madrugada e saiu ou se a menina não dormiu em casa, se saiu logo depois que ela dormiu”, afirma Oliveira. De acordo com ele, a perícia aponta que a criança morreu entre 22h30 e meia-noite.
“Nesse horário, a mãe estava dormindo. Há essa contradição, a mãe afirma que a menina dormiu em casa, mas, às 21h30, por exemplo, foi vista na rua”, acrescenta. Segundo o delegado, a vítima teria ido até a casa de um vizinho e pedido uma lanterna ou um isqueiro porque estaria procurando algo, e era escuro. “[Por isso] a convicção da Polícia [é de] que ela pode ter entrado espontaneamente dentro do contêiner”, enfatiza.
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O inquérito foi encaminhado ao Ministério Público no último sábado (7), mesmo dia em que Carla deixou o Hospital de Charqueadas, onde estava interna sob custódia. Ela havia sido presa no dia 10 de agosto, mas, na última sexta-feira (6), a Justiça decidiu não prorrogar o pedido de prisão provisória da genitora de Kerollyn.
O que dizem as defesas dos indiciados
A defesa de Carla nega a participação dela na morte da filha. A advogada Thais Constantin afirma que a cliente admite o uso de medicação na criança e a possível falta de cuidado como mãe. No entanto, diz que não há provas da participação na morte da menina. “Queremos saber quem matou essa criança.”
Além disso, a quantidade de medicação encontrada nos exames realizados pelo IGP também é questionada pela defesa da genitora, que contesta a apuração da Polícia Civil, já que não há evidências da participação de Carla na morte da filha.
Por fim, a advogada reitera que sua cliente estava em casa e foi acordada com a Polícia em sua porta no dia do encontro do corpo de Kerollyn, e que Carla e o genitor “estão separados há tempos”.
A reportagem não localizou a defesa de Matheus Lacerda Ferreira. O espaço está aberto para manifestação.