abc+

CUIDADOS

Crimes recentes acendem alerta sobre a saúde mental

Tratamento adequado pode prevenir comportamentos agressivos

Laura Rolim
Publicado em: 30/10/2024 às 08h:21 Última atualização: 30/10/2024 às 09h:09
Publicidade

O mês de outubro foi marcado por crimes em Novo Hamburgo que deixaram a região assustada. Um ataque a tiros que deixou cinco mortos na semana passada. No sábado (26), um homem morreu após ter esfaqueado a mãe e o sobrinho. Nos dois casos, os envolvidos tinham histórico de esquizofrenia, o que acende um alerta sobre os cuidados com a saúde mental e a importância de buscar apoio psicológico.

No caso do atirador, Edson Fernando Crippa, 45 anos, que matou o pai, o irmão, dois policiais militares, e ainda feriu outras nove pessoas, o médico psiquiatra do Hospital São Lucas da PUCRS, Ruben de Souza Menezes, destaca o agravante do homem ter tido acesso a armas.

LEIA TAMBÉM: Motorista flagrado embriagado tenta fugir nadando pelo Rio dos Sinos

Cerco policial no bairro Ouro Branco, em Novo Hamburgo  | abc+



Cerco policial no bairro Ouro Branco, em Novo Hamburgo

Foto: Igor Müller/GES-Especial

“Nos chocou bastante o caso e nos fez pensar: como a sociedade falhou e deixou na mão de uma pessoa muito doente quatro armas e um monte de munição?”, questiona Menezes. “Isso é uma falha grave, pois a arma é uma coisa muito séria e a doença mental também”, completa. 

O psiquiatra, que também é médico perito há 30 anos e ex-diretor do Instituto Psiquiátrico Forense (IPF), explica que a chance de ocorrer uma tragédia quando um esquizofrênico em crise tem acesso a armas é muito grande.

“O tipo de coisa que um esquizofrênico pensa é muito estranho para quem não é. Eles são vítimas, na realidade, pois eles acabam vitimizando as pessoas que eles mais gostam”, pontua.

Em um levantamento feito dentro do IPF com 600 internos, o psiquiatra relata que a doença mental que está mais associada a casos de violência é a esquizofrenia, sendo o subtipo mais envolvido, a esquizofrenia paranoide.

“Eles têm uma desconfiança delirante. Se ele [o esquizofrênico] desconfiar que vai ser agredido, ele vai agredir antes”, afirma.

Tratamento constante

De acordo com o diretor da Associação de Psiquiatria do RS e também perito do IPF, o psiquiatra Pedro Henrique Zoratto, as pessoas com doença mental não costumam ser violentas. “Quando se fala em doença mental, no aspecto legal, como doenças de cunho psicótico e retardo mental, os pacientes que acabam cometendo crimes são pessoas que não estavam em tratamento ou não tiveram acesso ao melhor tratamento”, reforça.

Zoratto ressalta que, em muitos casos, os pacientes acabam desistindo dos medicamentos, o que pode ocasionar em crises agudas.

“O acesso ao tratamento psiquiátrico previne comportamentos agressivos. Mas, se a pessoa está numa crise aguda psicótica, ela não vai reconhecer a necessidade de um tratamento, então, ela vai precisar de uma internação”, garante Zoratto.

O médico defende que a internação psiquiátrica, muitas vezes, acaba sendo uma necessidade em casos específicos, especialmente se o paciente demonstrar risco para si ou para os outros.

CONFIRA: Ex-CC da Secretaria de Segurança Pública do RS tem prisão decretada por estupro

“Em toda a medicina, as pessoas procuram ajuda para os problemas delas e querem ficar boas, mas é porque elas conseguem enxergar o que está acontecendo. No caso da doença mental, a pessoa não enxerga que está doente, e ela acha que o problema são os outros”, complementa Menezes.

Sinais e necessidade de ajuda

Em relação à prevenção de casos como o da última semana, Menezes destaca que combater o preconceito é muito importante. “Os pacientes demoram a procurar ajuda por medo do preconceito e discriminação. Uma evolução do pensamento da sociedade seria fundamental”, considera.

Menezes defende também que é necessário um sistema mais abrangente e inclusivo, em que as pessoas não tenham que esperar por vagas em função de superlotação.

Casa onde aconteceu ataque no sábado (26)  | abc+



Casa onde aconteceu ataque no sábado (26)

Foto: Juliana Nunes/GES-Especial

“É preciso haver vaga de internação imediata, sem fila. Infelizmente, hoje em dia, as vagas hospitalares, em geral, são raras, mas as vagas psiquiátricas são ainda mais difíceis”, relata.

O psiquiatra orienta ainda que as famílias procurem se informar e que prestem atenção nos sintomas.

“A primeira coisa a se observar é se existe doença mental na família. Se existe, todas as pessoas daquela família poderão ter algum tipo de problema. No caso da esquizofrenia, observem se aquela pessoa se sente ameaçada, vive num mundo imaginário, com medo, se conversa sozinha ou ouve vozes.”

BR-116: Policiais militares que morreram em acidente com viatura serão velados nesta quarta-feira na Serra gaúcha

O médico explica que a esquizofrenia tende a começar em torno da segunda década de vida. “Entre os 15 e os 23 anos é quando começam a aparecer os sinais da doença. Havendo indicativos, a família precisar levar a pessoa a fazer uma avaliação.”

Ampliação dos serviços

O psiquiatra destaca também que o que reduz objetivamente os crimes de pacientes é o fato de terem uma rede de proteção. No entanto, falta estrutura no sistema público de saúde. “A rede ambulatorial não dá conta de atender nem as crianças com deficit de atenção, as pessoas com transtorno de depressão, quanto mais casos graves”, afirma Menezes.

O médico defende que é preciso ampliar os Centro de Atenção Psicossocial (Caps). “Teria que haver uma reestruturação do sistema para aumentar o acesso ao tratamento. Pois não adianta o familiar levar para o atendimento e só haver consulta para daqui quatro meses”, completa.

Publicidade

Matérias Relacionadas

Publicidade
Publicidade