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Barbárie nas águas

CATÁSTROFE NO RS: Crimes desesperam desalojados e desafiam a segurança pública

Moradores ilhados imploram por socorro no Vale do Sinos

Publicado em: 13/05/2024 às 06h:00 Última atualização: 15/05/2024 às 21h:40
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A corrente de solidariedade e a consternação pela maior tragédia climática do Rio Grande do Sul, em meio à contagem de mortos que não para de subir, contrastam com a barbárie dos estupros, saques e golpes.

O reforço do policiamento em áreas alagadas, nos últimos dias, tenta desbaratar quadrilhas que agem como piratas da enchente. Mas a segurança pública não está dando conta, conforme relatos de moradores de diferentes cidades, que se organizam em patrulhas a barco.

Voluntários fazem rondas no bairro Rio dos Sinos | abc+



Voluntários fazem rondas no bairro Rio dos Sinos

Foto: Arquivo

“Não era para ser uma preocupação nesse momento de tanta desolação. Queríamos estar concentrados nos resgates e ajuda humanitária, mas tivemos que nos organizar também em rondas para evitar que mais casas sejam saqueadas”, relata um voluntário do bairro Rio dos Sinos, em São Leopoldo, que pede para não ser identificado.

“Estamos desamparados pelo poder público”, acrescenta o agente funerário de 40 anos. Ele é vizinho do comerciante Alexsander Anselma, 44, que conseguiu retornar à casa inundada, na manhã de quinta-feira (9), e constatou que havia sido invadida por ladrões.

Com água pela cintura na maior parte da propriedade, fez um vídeo que comoveu o País, conforme revelado pela reportagem no mesmo dia. “O pior não é a perda para a natureza. O pior é chegar e ver a porta arrombada”, diz, durante a gravação, enquanto tenta contabilizar o que foi furtado.

“Povo pelo povo”

“Além das nossas patrulhas, há moradores que ficaram, porque têm segundo piso para proteção. Fazem a vigilância e nos avisam sobre qualquer movimentação suspeita. A gente leva água e comida para eles. É o povo pelo povo”, comenta o voluntário. Os moradores pedem policiamento.

“O trabalho é diário. Esses dias saí de barco com um policial de folga, armado, para nossa segurança também. Tem muito barco pequeno de assaltantes rondando a área. Está perigoso. Na minha casa, ainda não consegui entrar e estou preocupado com o que vou encontrar”, comenta ele, abrigado com a esposa e filhos na casa de parentes em Novo Hamburgo.

Moradores ilhados imploram por socorro

Na noite de sábado (11), pedidos desesperados de socorro de moradores ilhados em um condomínio no bairro São Miguel, em São Leopoldo, assustaram vizinhos. “Estão quebrando lá atrás, nos blocos”, diz um homem, ofegante, no grupo de WhatsApp do residencial. Na sequência, uma mulher implora. “Pessoal, chama a polícia, alguém com barco, por favor. Entraram no apartamento do casal do quarto andar.”

Um morador, resgatado no início da enchente, desabafa à reportagem. “Conforme relatos em um grupo de WhatsApp desses moradores, os ataques acontecem de forma sistemática ao longo de toda a noite, com arrombamentos acontecendo em vários apartamentos de cada prédio. O medo e a revolta se dão por conta de a polícia não fazer o combate ostensivo, alegando que não possui barcos. Os moradores chegam a cogitar a contratação clandestina de pessoas armadas que prometem fazer a segurança até as últimas consequências.”

Outra moradora salienta a dificuldade de contato com a Brigada Militar. “O 190 não funciona. Pelo Whats da Brigada é muito difícil. Os bombeiros foram lá e não encontraram nada. Sabemos da insegurança e estamos preocupados com os que ficaram, mas eles estão com o psicológico afetado, há mais de uma semana ilhados sem luz e água”, declara a estudante de 39 anos. “Saí no primeiro dia. Moro no térreo e perdi tudo.”

Desde o início dos alagamentos, segundo a BM, foram feitas três prisões por saques e duas por tentativa de roubo de um barco no Centro de São Leopoldo. “Estamos com policiamento embarcado que faz as rondas nos locais alagados. Nas áreas onde a água baixou, já estamos com policiamento motorizado que faz rondas e pontos de parada. Toda pessoa suspeita é abordada”, diz a corporação, por meio de nota. E acrescenta: “Quanto ao acionamento, nosso 190 está oscilando, podendo também ser acionado o telefone (51) 98514-0105.”

Assaltantes tinham base em pavilhão abandonado

Um grupo de assaltantes praticava saques de barco, em casas e empresas alagadas, e guardava tudo em um pavilhão abandonado no bairro Humaitá, em Porto Alegre. Os criminosos tinham o imóvel como base. Dormiam e se alimentavam no local. O esconderijo foi descoberto na tarde de sexta-feira (10) pelo Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc).

Foram apreendidos produtos eletrônicos, utensílios domésticos, perfumes, roupas e itens pessoais”, declara o delegado Gabriel Borges. A delegada Ana Flávia Leite frisa que a investigação prossegue no sentido de identificar os criminosos.

A mesma equipe apreendeu 11 quilos de maconha em uma caixa térmica escondida em matagal no bairro Mato Grande, em Canoas, na madrugada de quinta. Os agentes apuraram que havia sido deixada no local de barco, para não molhar.

Na tarde de sábado, o Denarc prendeu um traficante com um barco furtado de voluntários. O criminoso usava tornozeleira eletrônica.

Homem é preso por estupro de adolescente em abrigo

Na noite de sexta-feira, um homem de 46 anos foi preso pelo estupro de uma adolescente de 14 anos em abrigo no bairro Morro do Espelho, em São Leopoldo. Conforme a titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) de São Leopoldo, Michele Arigony, o acusado foi capturado na casa de parentes, no bairro Campestre.

O mandado de prisão preventiva foi expedido pela 3ª Vara Criminal. É a oitava prisão por abuso sexual em locais de acolhimento de desalojados. Os outros casos aconteceram em Novo Hamburgo, Canoas, Porto Alegre e Viamão.

Força-tarefa já evita golpes de R$ 3 milhões

A Força-Tarefa da Polícia Civil destacada para o combate a fraudes, golpes e difusão de notícias falsas analisa 45 casos desde o início do quadro de calamidade pública. Um grupo do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) foi designado para reprimir estelionatários virtuais que se utilizam da tragédia para obter vantagens.

Segundo o Deic, foi possível a retirada do ar de 15 páginas criminosas, criadas com o fim exclusivo de induzir a erro a população em geral, fazendo crer que estariam doando valores às vítimas da tragédia que atinge o Estado quando, em verdade, se tratavam de estelionatos virtuais. Foi também possível o bloqueio de ao menos cinco contas bancárias, o que impediu um enriquecimento ilícito de cerca de R$ 3 milhões por parte dos investigados.

Foram ainda identificadas 35 postagens em redes sociais, como “Instagram” e “X”, que disseminavam conteúdo absolutamente falso, fantasioso e ofensivo, causando desinformação na população e desencorajando que os cidadãos contribuíssem para campanhas de arrecadação de mantimentos e valores. As postagens, que somavam cerca de 80 milhões de visualizações, foram excluídas por ordem judicial.

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