Com a condenação dos 15 réus da InDeal Consultoria em Investimentos, empresa de Novo Hamburgo acusada de lesar 23,2 mil clientes no País, os imóveis ocultados no esquema começam a aparecer. São 241, a maioria no Vale do Sinos. Estão em 27 cidades de cinco estados. “Somente três são vinculados à empresa, 124 aos sócios e 114 a terceiros envolvidos na operação”, detalha a advogada Nathália Costa, sócia da Medeiros Administração Judicial, responsável pela gestão da massa falida da InDeal.
Nathália frisa que os imóveis irão a leilão em lotes. Pelo menos o primeiro, segundo ela, deve sair ainda este ano. A advogada revela que 191 já estão com a documentação completa para a lista que será juntada ao processo na próxima semana. Os outros 50, conforme salienta, estão exigindo pesquisas aprofundadas. “Não têm matrícula, contrato de compra e venda. Também se chega em terreno que não está demarcado ou em apartamento ocupado sem portaria”, exemplifica.
“Multimilionários”
São residências em condomínios de alto padrão, apartamentos para locação, salas comerciais e casas de praia, de acordo com a ação penal, que ajudaram a multiplicar em até 20 vezes o patrimônio dos envolvidos no esquema. “Merece especial destaque a situação dos cinco sócios da empresa, que possuíam, em média R$ 80 mil em patrimônio no ano de 2017 e já no ano de 2018 se tornaram multimilionários, detentores de bens que perfaziam o valor médio de R$ 29 milhões”, destacou o juiz Guilherme Beltrami, da 7ª Vara Federal de Porto Alegre, especializada em lavagem de dinheiro, na sentença condenatória de 19 de janeiro.
Apartamento de R$ 2,6 milhões
Novo Hamburgo lidera em quantidade de imóveis comprados, com 79, mas o mais caro é um apartamento de R$ 6,5 milhões na área central de Florianópolis. Outros negócios não declarados ao fisco que passam dos sete dígitos são um apartamento de R$ 2,6 milhões na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, um terreno de R$ 1,6 milhão no Centro de Campo Bom, cidade do Vale do Sinos onde também foi adquirido, na Rua Senador Alberto Pasqualini, um prédio de R$ 1,2 milhão. Em Porto Alegre, caiu no crivo da investigação um apartamento no bairro Petrópolis comprado por R$ 1,5 milhão.
Esmeraldas estão em cofre no banco
Não é só em imóveis que o esquema teria desviado dinheiro dos investidores para fins próprios. De acordo com a investigação da Polícia Federal, chegaram a ser comprados R$ 416 mil em joias em nome da InDeal. Ainda conforme o processo, a ré Fernanda Cássia Ribeiro adquiriu R$ 565 mil em esmeraldas lapidadas. Na sentença, são mencionados ainda relógios, roupas e vários itens de grife.
A gestora da massa falida declara que as joias e outros objetos de valor apreendidos estão depositados em um cofre na Caixa Econômica Federal. “Pedimos autorização de acesso para nosso leiloeiro ir até lá fazer o recolhimento para poder avaliar..Há quatro pedras de esmeraldas, por exemplo, mas a gente não sabe o tamanho e características.” O material também irá a leilão.
Carros de luxo já foram vendidos
A grande maioria dos 23 carros apreendidos foi vendida durante a fase processual, para evitar a depreciação, antes da decretação da falência e constituição da massa falida. “Só sobraram dois ou três para leilão, os mais populares, de valor irrisório no contexto”, observa a administradora. A quantia arrecadada com os modelos das marcas Porsche, Jaguar, Mercedes-Benz e BMW, entre outros, já foi para a conta judicial. Junto com o dinheiro e outros materiais recolhidos, somaram cerca de R$ 14 milhões.
“A massa falida não tinha muito patrimônio. Por conta disso, movemos uma ação e houve decisão favorável do juízo falimentar para a arrecadação de mais 200 imóveis de sócios e terceiros envolvidos”, frisa Nathália. Há ainda 68,5 milhões de dólares em bitcoins apreendidos nos Estados Unidos, em conta do sócio Marcos Antônio Fagundes, que serão repatriados após o trânsito em julgado da ação penal.
Juiz definiu R$ 448 milhões para indenizar clientes
Na sentença que condenou os 15 réus, o juiz definiu R$ 448 milhões para ressarcimento aos investidores. O patrimônio apreendido é estimado pelo Ministério Público Federal em cerca de R$ 1,1 bilhão. Os valores, porém, ainda são incertos, segundo a administração da massa falida, pois é necessária avaliação atualizada para leilão.
Nathália observa que os pagamentos aos credores só se darão ao fim dos recursos da ação penal, com o trânsito em julgado na Justiça Federal, por meio do processo que corre em paralelo na Vara de Falências de Novo Hamburgo. “Até lá vamos agilizando a parte mais trabalhosa, que é a avaliação e venda dos bens.”
A advogada salienta que somente quem se habilitar como credor da massa falida poderá receber os valores. “Criamos um site para facilitar o acesso dessas vítimas.” O endereço é www.falenciaindeal.com.br. “É preciso anexar no site os comprovantes dos investimentos para a habilitação. Para quem possui sentença judicial favorável, basta enviá-la.” segundo ela, apenas em torno de 10 mil clientes se cadastraram.
Sobras irão para sistema penitenciário
A estimativa é que vai ter dinheiro suficiente para pagar os investidores com sobras para os demais débitos, principalmente em multas e impostos do governo federal. Dívidas trabalhistas, que seriam a prioridade conforme a lei de falências, são irrisórias.
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De acordo com o artigo 133 do Código Penal, o dinheiro reclamado pela União deve ir para o Fundo Penitenciário Nacional. A administradora revela que, só da Comissão dos Comissão de Valores Mobiliários (CVM), há uma multa de R$ 55,5 milhões. A autarquia do governo, que regulamenta o mercado de investimentos, também aplicou R$ 122 milhões aos sócios da empresa, dinheiro que deve ser pago pelos condenados e não pela massa falida.
Entenda o caso
A InDeal foi fechada na manhã de 21 de maio de 2019, com a prisão de cinco sócios e cinco colaboradores mais próximos. Todos foram soltos.
No mesmo dia, foram apreendidos mais de R$ 1 milhão em dinheiro e vários bens de luxo, entre carros, joias e roupas. A maior parte dos mandados foi cumprida em cidades como Novo Hamburgo, São Leopoldo, Campo Bom e Estância Velha. Imóveis de alto padrão também foram colocados à disposição da Justiça.
Com a promessa de juros de 15% ao mês, a InDeal atraiu milhares de investidores e arrecadou R$ 1,1 bilhão desde 2017. Os rendimentos, conforme a empresa, eram oriundos de aplicações em bitcoins. O maior prejuízo individual foi de um médico do Vale do Sinos, que aplicou R$ 800 mil.
No entanto, segundo a Receita Federal, a empresa só veio a comprar a moeda virtual depois de 15 de fevereiro de 2019 (três meses antes da Operação Egypto), quando uma reportagem exclusiva do Grupo Sinos revelou que a InDeal estava ilegal no mercado e alertou sobre a possibilidade de golpe.
O nome da operação surgiu a suspeita de a InDeal se trate de uma pirâmide financeira. Os crimes apurados são de operação de instituição sem autorização legal, gestão fraudulenta, apropriação indébita, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
No dia 19 de janeiro deste ano, os dez que tinham sido presos e mais cinco réus foram condenados pelo juiz Guilherme Beltrami, da 7ª Vara Federal de Porto Alegre, especializada em lavagem de dinheiro. Os 15 acusados pegaram penas somadas de mais de 200 anos de prisão, todas em regime fechado. Estão recorrendo em liberdade.