Aos cuidados de parentes em Porto Alegre desde que a casa dela em São Leopoldo foi tomada pela água, no início do mês passado, a aposentada Circe Moreira, 83 anos, vai se deparar com ambiente desolador no retorno ao lar. Na madrugada desta segunda-feira (3), criminosos saquearam o que restou de valor na propriedade da família no bairro Rio dos Sinos. Arrancaram toda a fiação elétrica. Até tomadas.
“Quando cheguei para continuar a limpeza da casa da minha mãe, pensei que tinha esquecido a porta aberta, mas estava arrombada. Levaram toda a fiação. Até interruptores. A instalação elétrica já era”, lamenta o empreiteiro André Moreira da Silva, 53. Ele fez um vídeo em tom de desabafo, por volta das 8 horas, quando constatou a invasão.
Vizinho da mãe, André se abrigou com a esposa e a filha em um apartamento emprestado em São Leopoldo desde a enchente. “Na residência dela, a água chegou a 2,3 metros. Na minha, ao lado, atingiu 1,70. Perdemos tudo na inundação.” Ele conta que objetos de menor valor, como botijão de gás e outros utensílios domésticos deixados para trás na hora de escapar da enchente, já tinham sido furtados por saqueadores.
“Lugar definitivo”
O empreiteiro não quer voltar para casa. “Isso que fizeram com a parte elétrica na casa da minha mãe foi a gota d’água para a gente procurar outro lugar definitivo. A segurança, que já era frágil, piorou. Os bandidos passam o dia caminhando por aí, no meio dos entulhos, observando o interior das casas.”
A idosa, porém, vai retornar. “É a propriedade da família. Minha mãe tem apego pelo lugar. Vou reforçar a segurança e trazer cachorros grandes e ferozes quando for possível a volta dela. Estamos desamparados, desprotegidos.” André está há dez dias limpando a moradia da mãe. Começou quando ainda estava alagada.
“Cuidado para não entrarem sozinhos”
No vídeo postado em grupo de moradores no aplicativo WhatsApp, o empreiteiro faz um alerta sobre o trânsito de criminosos nas ruas: “Cuidado para não entrarem sozinhos em casa”. E aconselha: “Temos que nos cuidar e vigiar. A gente vai ser a polícia agora.”
Outro morador reforça: “Aqui na minha rua estava um inferno pra dormir. Lá pelas 2 da manhã, andavam pra lá e pra cá.” Um terceiro, revoltado, fala em reagir com tiros. O empreiteiro lembra quando as propriedades estavam submersas: “O povo fazia ronda de barcos, mesmo com todo risco.”
O bairro Rio dos Sinos é o mesmo onde um morador, com a água ainda pela cintura, fez um vídeo no dia 9 de maio ao constatar que a casa da família tinha sido saqueada. “O pior não é a perda para a natureza. O pior é chegar e ver a porta arrombada”, narrou o comerciante Alexsander Anselma, 44.
Mesmo com reforço de policiais de outros estados, a segurança pública não está conseguindo conter o avanço da criminalidade na região metropolitana em um cenário pós-apocalíptico da tragédia climática.
Veja como ficou a casa da idosa
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