ARTISTA, PAYASA E VIAJANTE

Assassinato da venezuelana Julieta Inés Hernández Martínez; roubada, abusada e queimada

Quem era a artista Julieta Hernández, o que se sabe sobre o caso até então e a repercussão dos fatos no País e fora

Publicado em: 09/01/2024 18:07
Última atualização: 09/01/2024 18:24

Julieta Inés Hernández Martínez tinha 38 anos e se declarava nômade, bonequeira, cicloviajante e payasa. Nascida na Venezuela, ela pedalava pelo interior do Amazonas quando desapareceu. Era 23 de dezembro. Duas semanas depois, a Polícia Civil amazonense confirmou que um corpo encontrado enterrado na mata era da artista circense. O que foi descoberto depois, deixou a população, o Brasil e fora em choque.

Julieta Inés Hernández MartínezRedes Sociais/Reprodução
Julieta Inés Hernández MartínezRedes Sociais/Reprodução

Desaparecimento

Julieta Inés Hernández Martínez estava desaparecida desde 23 de dezembro, após não contatar mais seus amigos. Ela viajava de bicicleta do Rio de Janeiro até a Venezuela e estava hospedada em um refúgio de Presidente Figueiredo. Para a família, a artista teria dito que dormiria aquela noite no local e então seguiria para Roraima. Depois disso, não houve mais contato.

Em busca de Julieta

No dia 4 de janeiro, a polícia começou a investigar o caso após um boletim de ocorrência ter sido registrado pelos amigos. De acordo com o delegado da 37º Delegacia Interativa de Polícia Valdinei Silva, a polícia começou a investigação indo ao refúgio. Lá, conversaram com Thiago Angles da Silva, de 32 anos, que afirmou que "a mulher havia pernoitado no local e seguido para a rodovia".

Um morador localizou uma bicicleta quebrada perto de onde ela estava hospedada. Ele chamou a polícia, que começou as buscas por ela com ajuda dos cães farejadores do Corpo de Bombeiros Militar do Amazonas (CBMAM). No quintal do refúgio, em uma cova, foi encontrado o corpo da artista.

Corpo encontrado

No primeiro sábado de 2024, dia 6 de janeiro, a força policial amazonense afirmou que um corpo havia sido encontrado na mata da cidade de Presidente Figueiredo um dia antes e que se tratava de Julieta Inés Hernández Martínez. A identificação foi feita por necropapiloscopia, segundo o portal CNN Brasil.

O delegado da 37º Delegacia Interativa de Polícia Valdinei Silva afirmou que o corpo estava em estado avançado de decomposição. 

Suspeitos presos

Ainda no dia 5, foram presos em flagrante dois suspeitos de cometer o crime. Se tratava de um casal, Thiago Angles, que havia falado com a polícia anteriormente, e Deliomara dos Anjos Santos, de 29 anos.

Quando a equipe policial foi ao refúgio por conta da bicicleta quebrada encontrada, Thiago tentou fugir, mas não conseguiu. Ambos foram levados à delegacia para prestar depoimento. Eles contaram duas versões que não se encaixavam, até confirmarem a autoria do crime. 

O casal teve a prisão em flagrante convertida para preventiva pela Justiça do Amazonas no sábado (6).

Depoimentos confusos

Existem algumas diferenças nas versões do que teria acontecido, dadas pelo casal preso, mas apenas uma terceira foi confirmada pelo delegado do caso, durante uma coletiva de imprensa nesta segunda-feira (8).

Julieta estava dormindo em uma rede, na varanda do refúgio. Foi quando Thiago chegou com uma faca para roubar o celular da vítima. "Eles entraram em luta corporal e ele a enforcou, a jogou no chão e pediu que Deliomara amarrasse os pés dela. Em seguida, ele a arrastou para dentro da casa, pediu que a esposa apagasse as luzes e passou a abusar sexualmente da vítima", disse Valdinei Silva.

Deliomara acabou vendo a cena e jogou álcool nos dois, ateando fogo. O homem teria conseguido apagar as chamas com um pano molhado e foi até uma unidade hospitalar para receber atendimento médico. Enquanto ele procurava ajuda hospitalar, a mulher enforcou Julieta com uma corda e a enterrou no quintal, em uma cova rasa.

Na versão de Deliomara, ela teria matado a venezuelana por uma crise de ciúmes, ao ver seu marido estuprando a artista. Já Thiago conta que ele estava usando drogas com a vítima e isso teria despertado o ciúmes da companheira, que colocou fogo nos dois.

Despedidas nas redes sociais

Após a descoberta, diversas entidades artísticas e movimentos sociais manifestaram pesar pela morte da artista venezuelana. Ela estava no Brasil desde 2015 e se apresentava como palhaça Jujuba em diversas partes do país e integrava o grupo de mulheres Pé Vermei que viajam de bicicleta.

Nas redes sociais, criou-se a hashtag #JulietaPresente, onde personalidades, amigos, familiares, grupos de pedal e tantos outros estão postando homenagens à eterna palhaça Miss Jujuba e protestos pela forma cruel com que a vida da artista foi tirada.

Uma amiga de Julieta escreveu que o Rio teve sorte de conhecer a palhaça Jujuba, "no meu coração, você era tudo". "Eu queria ser dona da Supervia para te presentear com um vagão bem colorido, para você levar sua turma de palhaços de trem", escreveu.

Em uma publicação de abril de 2023, Julieta declara seu amor pela amiga, descrevendo como passou pelo Rio de Janeiro e não poderia deixar de vê-la. No final, ela escreve: "que bom que dessa vez a gente teve nossa despedida! Por mais despedidas e reencontros".

Viviane, a quem Julieta chamava de "Vivi" em fotos e comentários anteriores, lembrou de quando fizeram um projeto com pessoas em situação de rua. E agradeceu pela payasa ter colocado ela em contato com o grupo Mulheres Cicloviajantes. O coletivo, por sua vez, publicou:

"Sobre Julieta. Falar de Julieta requer cuidado. Assim como ela delicadamente, bravamente teve com todos por onde passou. Requer respeito, como sempre respeitou toda forma de vida que encontrou. Requer beleza. Pois sua vida reflete suas belas ações. Requer a decisão pelo certo. Pelo bem. Pelo amor.

Falar de Julieta, é falar de sua VIDA. Não mais da forma abrupta como a perdeu."

Funarte lamenta 

A Fundação Nacional de Artes (Funarte) lamentou profundamente a morte da artista venezuelana. "Julieta cultivava a liberdade e estava sempre em movimento, pedalando por diversos estados do país compartilhando a sua arte, levando a alegria da palhaça Jujuba para toda gente."

A fundação afirmou estar acompanhando o caso e dando apoio à "família, colegas, companheiras de ofício e amigos" de Julieta. Na nota, eles afirmam que aguardam a chegada da família e amigos da artista em Manaus e que irão informar sobre homenagens e translado do corpo "assim que possível".

A presidente Maria Marighella afirmou: "É com tristeza e indignação que recebemos a notícia da morte da bonequeira, palhaça, artista e cicloviajante, Julieta Hernández. Com toda alegria e irreverência, Julieta viajava com sua arte conduzindo crianças e adultos ao mundo circense e por isso, sempre será lembrada. Inquieta em relação à desigualdade de gênero, sua busca por equidade é uma inspiração pra todas nós”.

Bicicletada em memória de Julieta

Diversos grupos de ciclismo e circenses do País todo estão divulgando uma bicicletada em homenagem à artista, no dia 12 de janeiro, sexta-feira desta semana. No perfil @bicicletadajulieta, no Instagram, há posts para campanhas com informações de algumas cidades e estados do País e fora, como em Montevideo, no Uruguai.

No Rio Grande do Sul, o "pedal manifesto" sairá do Largo do Zumbi, em Porto Alegre, às 19 horas. "Vamos pedalar e gritar por um mundo onde possamos pedalar livres e seguras. Realizaremos um pedal-manifesto em homenagem à Jujuba e haverá palco aberto para intervenções artísticas. Traga sua arte e faça sua homenagem à grande memória de Julieta!", diz a publicação do Pedal das Gurias em conjunto com o Circo di SóLadies.

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