A operação que investiga o caso do bolo envenenado recebeu o nome Aqua Tofana por um motivo muito específico. Deise Moura dos Anjos, de 42 anos, suspeita de colocar arsênico no saco de farinha que a sogra, Zeli Teresinha dos Anjos, 61, usou para fazer um Bolo de Reis servido à família no dia 23 de dezembro do ano passado, o que levou três pessoas à morte na véspera do Natal, queria reproduzir a fórmula que dá nome à operação. Mas, afinal, o que é Aqua Tofana?
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Foto: Reprodução/Redes sociais
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Conforme a Polícia Civil, o objetivo de Deise era reproduzir a Aqua Tofana, um produto usado no século 17, na Itália, para de envenenar pessoas, especificamente maridos abusivos. Em coletiva de imprensa na última sexta-feira (10), a delegada Sabrina Deffente esclareceu que a pesquisa da mulher teve uma sequência de “veneno” para “veneno para matar humano”, até encontrar uma reportagem sobre a fórmula, que não teria cheiro, gosto ou deixaria vestígios.
Deise teria tentado a reproduzir a fórmula. “A gente percebeu isso através das compras que ela efetuou em sites.”
Lady killer
O professor de História Paulo Daniel Spolier, da rede municipal de Novo Hamburgo e do Instituto Ivoti, explica que, ao que tudo indica, a criadora do veneno, Giulia Tofana, uma cosmetologista da Sicília – a quem acrescenta o título de lady killer –, teria fornecido o veneno para que centenas de mulheres usassem contra seus companheiros violentos.
“Importante lembrar que essa demanda por veneno se explicava pelo contexto dos casamentos da época: casar por amor era algo fora do padrão. Meninas de 12, 13 anos, eram entregues a homens bem mais velhos a partir de acordos entre as famílias que eram selados pelo casamento. Mesmo filhas de famílias ricas enfrentavam essa situação e eram ‘moeda de troca’ em acordos que envolviam comércio, heranças e as próprias núpcias”, salienta ele.
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Professor do mestrado de Toxicologia da Universidade Feevale, Rafael Linden expõe que, naquela época, o veneno era vendido como Manado de São Nicolau, principalmente no Sul da Itália e em Roma, como forma de despistar o real objetivo das compradoras.
No entanto, o plano acabou revelado por uma delas. “Fraquejou em envenenar a sopa do marido e, arrependida, terminou por confessar todo o esquema”, esclarece o professor de História.
Segundo Spolier, a criadora teria sido condenada à morte e foi executada. “Mas nem isso é consenso entre os historiadores, já que há fontes que citam a internação da mesma em um convento, onde teria morrido de causas naturais.”
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Fórmula
Não há registros históricos ou sobras de amostras de Aqua Tofana para serem analisadas, mas ambos os especialistas acreditam que a fórmula continha pelo menos trióxido de arsênio, extrato de belladonna, uma flor italiana venenosa, e chumbo. O professor da Feevale também acredita que o veneno foi reproduzido por várias pessoas ao longo dos anos.
“O que se sabe deste veneno é que era inodoro e sem sabor, administrado em pequenas doses sequenciais que traziam mal-estar às vítimas e, em dois ou três dias, terminavam por matá-las. Conta-se, inclusive, que o próprio Mozart teria morrido convencido de que havia sido envenenado por ‘acqua Tofana'”, detalha Spolier. “Mais ou menos o que aconteceu em Torres”, complementa Linden.
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Primeiros sintomas do envenenamento
Os primeiros sintomas eram gástricos e envolvem náusea, vômito e diarreia. Linden explica que o arsênio causa a morte de células e, consequentemente, dos órgãos. A vítima tinha arritmia seguida de parada cardíaca “porque as células morriam por falta de energia”.
“Um dos motivos históricos que o arsênio foi usado como veneno é porque os sintomas se confundiam com doenças muito comuns na Idade Média e na Era Renascentista, visto que a qualidade dos alimentos não era muito boa na época.”
O professor da Feevale expõe ainda que há alimentos que possuem arsênio, como arroz e a própria água, mas que os níveis são tão baixos que não causam sequer reações – milhares de vezes menores do que as ingeridas por Tatiana Denize dos Anjos, 48, por exemplo. Ela foi a vítima com a maior quantidade de arsênio no corpo, 385 mg. Linden explica que, para matar alguém, a quantidade parte de 100mg, o que varia de pessoa para pessoa.
A diretora Instituto-Geral de Perícias (IGP), Marguet Mittmann, informou na última coletiva que o arsênio pode perdurar no ambiente ou no organismo por vários anos, o que garantiu o resultado positivo do laudo pericial das vítimas.
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Compra pela internet
Para Linden, a compra de arsênio pela internet é considerada uma “falta de controle”, visto que, além de ser difícil de achar para o consumidor comum, é voltado majoritariamente para componentes químicos. Este tópico também foi pauta das revelações da última sexta-feira.
“Nós vamos provar que é muito fácil comprar veneno. E muitas vezes as pessoas procuram veneno incolor, insípido e inodoro [para matar alguém]”, disse o delegado Marcos Veloso, que conduz a investigação. Segundo ele, a suspeita fez quatro compras em um período de cinco meses, sendo uma antes da morte do sogro, Paulo Luiz dos Anjos, em setembro do ano passado, e três antes das vítimas do bolo envenenado. A Polícia Civil encontrou uma nota fiscal e o código de rastreio de uma das últimas transações.
Secretário de Segurança Pública do Estado (SSP), Sandro Caron manifestou o encaminhamento para autoridades federais. “Vamos manter um diálogo muito rápido com as autoridades em nível federal, porque obviamente essa venda se dá via internet em todo o Brasil, e terá que ser adotada medida para que as pessoas não tenham acesso a veneno da forma como hoje ocorre.”
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