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Opinião

Um divertido teste comparativo entre as inteligências artificiais

Veja o que três diferentes mecanismos de IA responderam quando desafiados a criar um diálogo inusitado

André Moraes
Publicado em: 09/09/2023 às 03h:00 Última atualização: 25/10/2023 às 15h:54
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Professores, redatores, juristas, jornalistas e programadores estão entre as categorias preocupadas com o avanço das ferramentas de inteligência artificial. Só lembrando, os roteiristas norte-americanos entraram em greve pedindo garantias de que não vão ser substituídos por softwares autônomos. Porém, vale adotar uma das lições pragmáticas da Arte da Guerra do chinês Sun Tzu: é preciso conhecer bem o terreno antes de se posicionar para a batalha. Testar o que a IA pode ou não pode fazer, a essas alturas, é básico.

Ilustração criada pelo bot de inteligência artificial Dall.E, dentro da temática "Batman vs Marx" | Jornal NH



Ilustração criada pelo bot de inteligência artificial Dall.E, dentro da temática “Batman vs Marx”

Foto: Reprodução

Então, para um exercício, fiz um teste. Pedi, a três mecanismos diferentes de inteligência artificial, uma tarefa de texto criativo. Só para ver como se saíam, e também para conhecer as peculiaridades de cada software. Os resultados foram, em certa medida, surpreendentes. E ajudam a compreender alguns pontos importantes.

Para deixar as coisas interessantes, o desafio era divertido: “Invente um diálogo entre Batman e Karl Marx.” A pergunta, exatamente assim, foi lançada para três mecanismos da chamada inteligência artificial gerativa: O ChatGPT da OpenAI, versão 3,5; o Bard, versão experimental da IA do Google; e a versão 1.0 da LuzIA, bot de IA da Meta, que foi desenvolvido com base no ChatGPT mas é mais sintético, funcionando direto do WhatsApp.

Para não ficar de fora, fiz um texto previamente também. Não para medir forças contra os robôs, mas para comparar as diferentes estratégias de composição.

Uma coisa interessante é que os três textos das IAs foram interessantes e, sim, criativos. A LuzIA, curiosamente, entregou o primeiro texto em inglês e foi preciso pedir que traduzisse. É de se pensar se isso significa que o texto integrava a biblioteca de referência do software. Sabe-se que durante os anos de treinamento o ChatGPT recebeu todo tipo de texto digitado pelos operadores, desde coisas mais sérias até algumas irreverentes.

O texto da LuzIA é bem curto, trazendo uma frase de cada um dos personagens. Porém, curiosamente, inclui um toque de humor, que não costuma ser a especialidade das IAs. Neste texto, Marx, divertidamente, comenta: “Ah, Batman, o símbolo do super-herói burguês.”

O diálogo do ChatGPT não tem humor ou ironia, mas, para compensar, faz um paralelo interessante entre as duas figuras. Neste texto, com marcações semelhantes às de uma peça teatral, Marx e Batman refletem sobre como buscam a justiça social de maneiras diferentes. Nada mal para um robô.

O Bard, igualmente, criou um diálogo à moda teatral, com os dois personagens conversando em um sofá. O texto é o mais longo dos três. Marx tenta convencer Batman que “O crime é um produto do capitalismo. Ele é alimentado pela desigualdade e pela pobreza”, embasando sua sugestão de que o homem-morcego combata o capitalismo. Apesar de existir uma linha narrativa, a estruturação do diálogo é levemente desconexa. Por exemplo, Batman pergunta a Marx se ele acha que Gotham é uma sociedade capitalista.

O mais curioso é que o texto do Bard é acompanhado de uma análise do próprio diálogo. A inteligência artificial aponta que, embora um seja um personagem fictício e o outro uma figura histórica, o diálogo “mostra como duas figuras de diferentes épocas e contextos podem se encontrar e discutir questões importantes”.

Um dos pontos importantes, que é uma característica dos textos de IA, é que nenhum deles chega a ser inesperado. O registro linguístico e referencial é feito para não causar estranhamento. É algo típico dos textos de inteligência artificial, que buscam evitar a rejeição por parte do leitor. Não há palavras incomuns e não existem referências obscuras ou difíceis de entender. Os textos são bons, mas ficam dentro do previsível.

É necessário admitir que o desempenho criativo das IAs chega a surpreender. São textos razoavelmente estruturados, que para um leitor desavisado aparentariam ter sido inventados por um ser humano exercendo sua criatividade e não por um robô.

A ilustração do post também é de inteligência artificial, uma charge criada pelo programa Dall.E, da Open Ai, que cria artes a partir de uma descrição de texto. Neste caso, a descrição, feita em inglês como o programa exige, foi “Karl Marx frente a frente com Batman na noite de Gotham”.

Confira os textos abaixo.

O texto da LuzIA (Meta):

Batman: “A justiça deve prevalecer para a classe trabalhadora, Karl Marx. Juntos, podemos trazer igualdade para Gotham City.”
Karl Marx: “Ah, Batman, o símbolo do super-herói burguês. Vamos desmantelar o sistema capitalista e estabelecer uma sociedade onde a riqueza seja compartilhada por todos.”

  

O texto do ChatGPT (Open AI):

Batman: Karl Marx, parece que nossos caminhos se cruzaram nesta noite sombria.
Karl Marx: De fato, Batman. A opressão e a desigualdade que assolam esta cidade são como correntes que aprisionam os menos afortunados.
Batman: Eu luto contra criminosos que exploram os mais fracos. Você também busca justiça, mas de uma forma diferente. Como você vê a solução para esses problemas?
Karl Marx: Batman, acredito que a raiz do mal reside no sistema econômico que perpetua essa desigualdade. Precisamos abolir o capitalismo e estabelecer um sistema em que todos tenham acesso igual aos recursos.
Batman: Eu vejo seu ponto de vista, Karl, mas acredito que a justiça também pode ser alcançada dentro do sistema atual, através da reforma e da responsabilidade individual. No entanto, estamos ambos comprometidos com a causa da justiça.
Karl Marx: Concordo, Batman. Embora nossos métodos difiram, nossa missão é a mesma: criar um mundo mais justo. Talvez um dia nossos caminhos se cruzem novamente em prol desse objetivo.
Batman: Quem sabe, Karl. Até lá, continuaremos a lutar por um mundo melhor, cada um à sua maneira.
[Os dois heróis se afastam, cada um voltando à sua própria missão de combater a injustiça.]

  

O texto do Bard (Google):

Cena:
Uma sala de estar em Gotham City. Batman e Karl Marx estão sentados em um sofá, conversando.
Batman: Então, Karl, você acha que Gotham City é uma sociedade capitalista?
Marx: Claro que é. A riqueza e o poder estão concentrados nas mãos de uma pequena minoria, enquanto a maioria da população vive na pobreza.
Batman: Mas eu estou lutando contra o crime, não contra o capitalismo.
Marx: O crime é um produto do capitalismo. Ele é alimentado pela desigualdade e pela pobreza.
Batman: Então, o que você acha que eu deveria fazer?
Marx: Você deveria lutar contra o capitalismo.
Batman: Mas eu sou um homem de ação. Eu não sou um político.
Marx: Você não precisa ser um político para lutar contra o capitalismo. Você pode começar lutando contra o crime e a pobreza em Gotham City.
Batman: Eu vou pensar sobre isso.
Marx: Pense bem. O futuro de Gotham City depende disso.

(Fim de cena)

Análise:
Neste diálogo, Marx e Batman discutem a natureza do capitalismo e o papel do Batman em Gotham City. Marx argumenta que o crime é um produto do capitalismo e que o Batman deveria lutar contra o capitalismo em vez de apenas contra o crime. Batman, por sua vez, afirma que ele é um homem de ação, não um político, e que não sabe como lutar contra o capitalismo.
O diálogo sugere que o Batman pode estar sendo limitado por sua própria ideologia. Ele acredita que pode resolver os problemas de Gotham City trabalhando dentro do sistema capitalista, mas Marx sugere que o sistema em si é o problema.
No final do diálogo, Batman concorda em pensar sobre o que Marx disse. Isso sugere que ele pode estar aberto a novas ideias e que pode estar disposto a questionar suas próprias crenças.
O diálogo também é interessante porque mostra como duas figuras de diferentes épocas e contextos podem se encontrar e discutir questões importantes. Batman é um personagem fictício, mas ele representa um ideal de justiça e igualdade. Marx é um filósofo e economista real, mas suas ideias ainda são relevantes hoje.
O diálogo entre Batman e Marx é uma oportunidade de explorar as semelhanças e as diferenças entre esses dois personagens, bem como suas perspectivas sobre o mundo.

   

Se alguém veio lendo até aqui e se interessar, meu texto humano:

O bat-sinal. Batman aparece no topo da delegacia e se surpreende ao encontrar Karl Marx.
– Karl Marx! Onde está o Comissário Gordon? Ele está bem?
– Gordon está em uma reunião com o prefeito e o promotor. Eu diria que não está nada bem, porque continua atuando no aparato repressor do Estado, alienado de sua condição proletária. Mas, infelizmente, acho que é o normal para ele.
– Diga logo o que quer, Marx.
– Tudo bem, Wayne. Vou chamá-lo pelo nome, não pela reificação fetichista de inspiração darwiniana. Sugiro que tire a máscara, redistribua sua riqueza oriunda de mais-valia e acolha em sua mansão os excluídos de Gotham City. Vá ao Asilo Arkham, liberte os presos políticos e diga-lhes que nada têm a perder a não ser as correntes que os prendem.
Batman sorriu, uma visão assustadora no meio da noite, embora graficamente um efeito ótimo de claro-escuro.
– Vou chamá-lo de Karl para não confundi-lo com Groucho. Você pensa que eu poderia articular um discurso comunista deste tipo tendo tido que enfrentar o Código Hays e o auge do macartismo?
Karl Marx hesitou. O homem-morcego prosseguiu:
– Quanto a redistribuir minha fortuna, terei que esperar para ver quanto dinheiro sobra, depois que nós dois tivermos que pagar o copyright para as partes de direito. E nem se fala na greve de roteiristas, que estamos furando neste momento.
Marx, lívido, balbuciou:
– Acho que as coisas são um pouco mais complicadas em Gotham do que imaginei.
– Em toda a parte as coisas são bem mais complicadas do que você imaginou. Agora com licença, porque tenho que me dedicar ao que você, sem dúvida, chamará de luta de classes.
Batman lança um cabo e salta do prédio. Enquanto Marx olha, acabrunhado, o herói ainda dispara:
– E nem pense em encher a cabeça de Alfred com as suas ideias.
E os dois desaparecem, um nas trevas de Gotham City, o outro nas brumas da História.

  

E o que isso tudo quer dizer?

Lendo os textos acima, é possível notar as diferenças bem nítidas entre os algoritmos. Não custa lembrar, a propósito, que um texto humano também é produto de um algoritmo, embora de natureza diferente. Nós, humanos, somos resultado de uma formação sociocultural, de um contexto histórico e de um conjunto de fatores que incluem desde a concepção de mundo pessoal até a vaidade. Tudo isso vai influenciar nosso texto, assim como os dados e parâmetros de programação influenciam os textos de inteligência artificial.

Tudo isso é um aprendizado em andamento. Outra pergunta, igualmente sem resposta, é o que é de quem. Quem é o autor desta crônica? O articulista que propôs o tema e escreveu uma das narrativas? Os algoritmos que escreveram os diferentes trechos? As empresas que desenvolveram os algoritmos? No nosso caso, não há grandes repercussões a não ser ter testado a paciência do leitor. Mas em outras situações em que existirem eventuais responsabilidades, a quem caberá responder?

Assim como passaremos a conviver com as IAs, também passaremos a conviver, pelo menos por uns tempos, com estas perguntas. Provavelmente há mais chances de Batman e Karl Marx virarem uma nova dupla dinâmica do que nós encontrarmos respostas simples.

  

 

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