Opinião
Tempo de mudar
Não mais como negar as mudanças climáticas que nos cobram mudanças de atitudes em relação a como encaramos os problemas estruturais de nossas cidades
Última atualização: 07/06/2024 21:45
No próximo dia 16 de junho se completa um ano da primeira tempestade grave vivida no Rio Grande do Sul. Um ano de tragédias climáticas. Em um ano a vida de milhares, de milhões de pessoas no Estado mudou.
Muitos acham que a questão das mudanças climáticas são balela de "ecochatos" que insistem em culpar o "progresso" pelos desastres naturais que crescem e se acumulam nos últimos anos.
Pois, cada vez mais, se vê que não se trata de discurso furado, nem questão de opinião de pesquisadores ligados a tendências políticas. Trata-se de fato comprovado cientificamente e que desde o século 18 teve o componente da industrialização como propulsor do chamado aquecimento global.
Então, é preciso mudar de atitude em relação a este modo de pensar que não estão ocorrendo mudanças gradativas e, em muitos momentos (como este vivido pelo Rio Grande do Sul) drásticas, que afetam diretamente a vida de milhares de pessoas.
E se temos mudanças climáticas causadas principalmente pela ação humana é preciso repensar o nosso mundo. E isso engloba diversas frentes de mudanças. Ambiental, econômica, política, social.
E a principal mudança é a maneira de encarar e executar efetivamente ações preventivas que podem evitar o pior. Achar que isso não vai acontecer aqui já não é mais admissível. Lembra quando se via um furacão lá nos Estados Unidos e se dizia: "que bom que a gente mora em um lugar onde não tem isso..."
Os ciclones têm sido cíclicos por aqui e com intensidades que vêm se agravando. Ou seja, não faltam avisos de que o pior sempre pode vir ali na frente. Então, prevenção máxima é necessária.
Hoje, a adoção destas medidas de prevenção só ganham destaque quando se vive um drama, uma catástrofe como a que encaramos neste trágico mês de maio no RS.
Desde junho do ano passado o Estado viveu, sob a influência do fenômeno El Niño, as graves consequências de tempestades que causaram destruição e mortes. A natureza é implacável. Assim como as águas que causaram tanta destruição desde o final de abril e entraram maio causando terror.
Mas, a bem da verdade, a gravidade era previsível. No feriado do dia primeiro de maio o próprio governador Eduardo Leite foi anunciar que seria "o maior desastre do RS". Nos dias 3, 4 e 5, aqui na região metropolitana, o terror se iniciava e tomava conta de milhares de casas em forma de água. E isso se seguiria nos dias seguintes.
Ninguém esperava tanta destruição, é verdade, mas não faltaram sinais. Meses antes, o Vale do Taquari teve uma cheia catastrófica. E meses antes disso até a região metropolitana já havia vivido uma enxurrada assustadora.
E o pior: já tínhamos estudos nos últimos anos alertando para a necessidade de medidas preventivas à possibilidade de desastres climáticos, como elevação de diques e planejamento e investimentos mais robustos contra grandes cheias.
Mas, não acreditando no pior, foram deixados de lado as medidas necessárias para este momento dramático em que a natureza deu seu recado de que vivemos tempos de mudança.
É preciso mudar. E não apenas mudar de casa como muitos estão fazendo, traumatizados por esta catástrofe que transformou o barulho da chuva em um pesadelo para muitas pessoas.
Em alguns casos será, sim, preciso sair de seu lar erguido em uma zona inundável que foi tomada pelo crescimento urbano de forma desordenada. Mas nem todos terão que fazer isso. Já existe conhecimento suficiente para conviver harmoniosamente com a natureza.
Mas para isso é preciso mudar as atitudes e os processos.
Não dá mais para ver o crescimento de uma frota de veículos com combustíveis não renováveis e poluentes e não buscar soluções sustentáveis que já estão disponíveis; não dá mais para deixar que pessoas ocupem áreas inundáveis porque é o que lhes resta como um lar; não dá mais para desmatar áreas imensas - principalmente próximas a cursos de água - porque é preciso expandir as cidades e investir no "progresso" econômico.
Os governos de todas a esferas têm a obrigação de possibilitar as mudanças. Subsidiar transporte e veículos (e não apenas para os mais ricos) com combustíveis não poluentes; dar habitação em locais fora de áreas de risco para população mais pobre, evitando que estes ocupem áreas alagáveis que, se ocupadas por moradias e ruas, se tornam um risco em tempos de catástrofes climáticas como vivemos; regrar a indústria no rumo de uma produção não poluente.
E, claro, é preciso rever sistemas contra cheias, sempre respeitando o meio ambiente e sabendo como planejar seu uso de forma não agressiva, mas respeitando suas características e força.
É fácil? Não é. Mas é preciso mudar. Chega só de remediar. Após esta reconstrução e recuperação do desastre é preciso investir na prevenção. Se não fizermos isso, mais tragédias evitáveis virão pela frente.
Ou alguém, depois de tudo que vivemos e vimos, ainda tem dúvida disso?