Opinião

Quando a política é de preconceito e ignorância

Tramitação na Câmara dos Deputados de um projeto de lei que propõe a proibição de casamento/união de pessoas do mesmo sexo demonstra o lado de um Brasil que insiste em retroceder em meio à urgência de avançar

Publicado em: 20/10/2023 19:13
Última atualização: 25/10/2023 16:16

Um país com tantas desigualdades, dividido, com problemas de injustiça, fome, miséria e saúde, e cheio de preconceitos descabidos e desinformação por parte de pessoas inescrupulosas que semeiam discórdia para ter ganhos desonestos... Tanta coisa importante para discutir e buscar soluções.

Mas é em meio a este cenário preocupante que vemos deputados federais retrógrados defendendo um projeto de lei que levanta uma discussão inconstitucional contra a união homoafetiva em nome de suas religiões que pregam, em sua essência, o "amor ao próximo". Só que desde que, claro, o próximo seja da sua crença e digam amém às suas "regras".

Aliás, são deputados que fizeram o seguinte juramento em sua posse: "Prometo manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro e sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil". Será que cruzaram os dedos ou não entenderam o que estavam jurando? Ou juramentos de nada valem para estes senhores? 

Inconstitucional

Discutir a legalidade da união entre pessoas do mesmo sexo, 12 anos após o parecer favorável do Supremo ao reconhecimento da união homoafetiva como um núcleo familiar, é algo, além de inconstitucional, tão execrável quanto negar racismo e a violência de gênero no País.

É um ato odioso, baseado em intolerância e irracionalidade, sem falar da demagogia e, infelizmente, da representação do pensamento de uma parcela da população que concorda com este cerceamento da liberdade das pessoas.

E o mais incrível é basear esta ilegalidade ao fato de pessoas de mesmo sexo não poderem procriar, ter filhos. Ora, então um casal formado por homem e mulher que tem problemas de fertilidade também deve ser cerceado de ser considerado uma união? Claro que não, senhores deputados.   

Ministério Público 

Para a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal (MPF), que já se posicionou contra o absurdo projeto de lei, "negar a possibilidade de união civil homoafetiva significa dizer que os homossexuais teriam menos direitos que os heterossexuais, criando uma hierarquia de seres humanos com base na orientação sexual. Esse entendimento contraria preceitos constitucionais, como o da dignidade da pessoal humana e a proibição de qualquer forma de discriminação".

O órgão ainda afirma outro fato importante: "o direito à união civil homoafetiva não afeta o direito de pessoas heterossexuais, visto que não obriga qualquer pessoa a se casar com outra do mesmo gênero". Simples assim. 

O fato de pessoas do mesmo sexo se unirem não interfere na vida dos que pensam diferente. Que cada um, dentro do que é permitido, viva sua vida com os direitos e deveres que lhe cabem. E que respeitem os direitos dos outros.   

Defesa da igualdade

Assegurar o direito civil à união homoafetiva não deveria ser alvo de discussão, mas sim de defesa da igualdade de tratamento a todos seres humanos.

O Brasil foi um dos primeiros países no mundo a levantar esta bandeira que agora é ameaçada de forma enfadonha por preconceitos religiosos que hoje nos levam até a guerras mundo afora e à insensibilidade, envolvendo, inclusive, crianças indefesas.  

Em pleno século 21, representantes de uma política retrógrada querem acender fogueiras medievais de inquisição. E, mais uma vez, acusar o Supremo Tribunal Federal de herege, de autoritário, quando, na realidade, ele busca dar luz a lacunas legislativas devido à falta de capacidade de quem deveria legislar correta e constitucionalmente.

Este é um grave problema do Brasil (e também de muitos outros países, na verdade): muitos daqueles que são eleitos para legislar sequer sabem o que é uma lei e seus limites constitucionais.

E, em tempos de irracionalidade, é algo preocupante quando se pensa em um futuro melhor, mais harmonioso e de paz para todos. 

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