O futuro não é hoje. Obviamente, isso não é novidade pra ninguém. O amanhã, como diz uma antiga canção norte-americana, é só amanhã. Entretanto, a sutileza está em perceber, hoje, aquelas coisas que vão ser importantes de verdade amanhã. Esta futurologia não é apenas restrita à ficção científica ou aos escritores de histórias em quadrinhos, mas é um exercício cada vez mais necessário para quem quer atuar no mercado, escolher uma profissão ou, mesmo, se atualizar com as coisas que serão importantes no seu campo de atuação profissional.
Tudo isto para dizer que, neste momento, provavelmente estamos presenciando o advento de uma nova era. Sim, é terrível concordar com os gurus mercadológicos, mas é preciso admitir que a inteligência artificial (IA) é uma das grandes inovações do século, com potencial para revolucionar vastos setores da sociedade.
Só para estar todo mundo na mesma página, IA não são robôs tornando a raça humana obsoleta. Não é nem mesmo uma coisa só. Trata-se de uma série de ferramentas novas. Se antes as tecnologias eletrônicas ajudaram a eliminar tarefas repetitivas e questões de formatação, agora a inteligência artificial gerativa pode até ajudar em tarefas discursivas e mesmo estéticas. É um mar fascinante de possibilidades.
E aí vem o mais curioso da coisa toda. Os gurus do marketing não cansam de repetir que agora, com IAs ajudando, por exemplo, a elaborar textos e produzir conteúdo, será possível economizar bilhões e produzir muito mais.
Acredite em alguém que passou a vida trabalhando nesta área. Até ontem ninguém no mercado parecia interessado em produzir textos. A demanda era baixa e o marketplace era muitíssimo rarefeito. Aí, quando inventaram um robô para fazer isso, de uma hora para outra o negócio virou essencial e a economia projetada será bilionária. Alguns alarmistas, por outro lado, soaram sirenes dizendo que haverá milhões de desempregados.
Queridão, nós nunca fomos milhões. O número de registro dos jornalistas, aqui no Rio Grande do Sul, mal passou de quatro para cinco algarismos. Ninguém ficou milionário – ou, se ficou, não foi fazendo isso. O mesmo pode ser dito de muitas outras categorias que reúnem profissionais liberais.
Não é miopia tecnológica nem corporativismo. Não existe a menor dúvida de que a IA vai se tornar cada vez mais presente no cotidiano, como já acontece agora em muitas áreas. Mas não é o amanhã que vale discutir. É o hoje.
Tem uma frase atribuída ao francês Regis Debray: “A tecnologia é sempre arcaica.” Com isso, ele queria dizer que a gente inventa as ferramentas do futuro, mas quem vai usá-las não somos nós, que só estamos acostumados com as ferramentas antigas. Nossos filhos, geralmente, aprendem antes a usar as coisas que nossa própria geração inventou.
Está acontecendo algo semelhante com a IA. Tem uma turma que só consegue enxergar, amanhã, uma extensão piorada do hoje. Salários ainda menores, produção ainda mais acelerada, menos seres humanos atrapalhando as folhas de pagamento. Na cabeça destes, será possível ter menos redatores, menos especialistas em redação técnica jurídica, menos programadores, menos professores. Menos profissionais.
E o engraçado é que do outro lado deste conteúdo todo a ser produzido a preço de banana pelas IAs, também tem uma turma preparando ferramentas para otimizar o processamento. Já existem assistentes automatizados para avaliar a estrutura de textos, criações e trabalhos. Eles até fazem pareceres e, em alguns casos, atribuem notas ou dão sugestões.
Ou seja, tem robôs escrevendo e robôs lendo depois.
E aí, sob um jeito mais estreito de pensar, o que provavelmente é um dos grandes saltos da história humana e seria, sim, uma ferramenta com potencial revolucionário, se torna meramente uma oportunidade de baixar custos. A mão invisível do mercado nunca se pareceu tanto com um braço mecânico de esteira automotiva.
Estava parecendo que se ia, finalmente, colocar um pé no futuro. Mas aos poucos vai parecendo que vamos, só, levar um pé em outro lugar.
O problema, se a gente for parar para pensar, não é só que o futuro nunca é hoje. O futuro, amigo, nunca somos nós.
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