Opinião
Espaço para os rios
Projeto holandês se baseia na mais simples regra para as águas: o respeito a seu espaço natural
Última atualização: 21/06/2024 19:26
A histórica enchente abriu uma grande discussão sobre o que deveria ter sido feito e o que deve ser feito urgentemente para evitar uma nova tragédia gaúcha.
A vinda de um grupo de pesquisadores holandeses - especialistas do programa de Redução de Risco de Desastres (Disaster Risk Reduction - DRRS) dos Países Baixos, vinculado à Agência Empresarial Holandesa (Netherlands Enterprise Agency - RVO) - ao Rio Grande do Sul para avaliar as causas das enchentes e oferecer soluções para amenizar os danos com as inundações, levantou a possibilidade de implantar aqui as ações que foram adotadas lá na Europa para conter as cheias.
A expertise holandesa se baseia principalmente em relação ao mar, já que o nome Países Baixos (Netherlands) não é por um acaso. O nome (que é o preferido, ao invés de Holanda) foi dado devido à característica de quase metade do país estar abaixo do nível do mar. São barragens e diques que protegem o território, além de outros sistemas de controle.
Aliás, a ideia aqui no Sul de alargar o canal da Lagoa dos Patos para o mar, que vem sendo criticada por ambientalistas devido a possíveis desequilíbrios na lagoa (que pode acabar salinizada pela água do mar) pode ser transformada na ideia adotada lá. A de uma barragem que só é aberta em tempos de grandes volumes de água que precisam escoar para o mar. É um controle inteligente que evitaria danos ao meio ambiente, sendo acionado só em momentos de crise.
E poderia até, talvez, ser adotado em um local diferente de onde hoje a lagoa naturalmente se liga ao mar, lá no extremo sul, evitando a possibilidade de cheias catastróficas nesta região. Enfim, estudos - urgentes - são necessários.
Room for the River
Mas não é só o controle do mar que faz da Holanda um exemplo ao mundo. O sistema também contempla rios (seus afluentes) e lagos. E aí chama a atenção, entre tantas outras ações, o programa Room For the River, que, traduzido, simplesmente quer dizer espaço para o rio. Ou seja, dar ao curso d'água o seu necessário lugar.
Isso quer dizer respeito ao fato de que os rios, em tempos chuvosos, saem de seu leito e precisam de espaço para se expandir (confira o vídeo abaixo que resume algumas ações do projeto).
Este conceito, na realidade, já estaria previsto no projeto original de contenção das cheias feito aqui para nossa região, meio século atrás. Mas os governantes da época foram contra estas áreas de inundação sugeridas, reclamando que a reservação deste espaço poderia frear a expansão e o progresso da cidade.
Pois, sem querer eleger culpados, grande parte das moradias inundadas no Vale do Sinos ficam em regiões que deveriam ser alagadiças e que nos últimos 50 anos foram sendo ocupadas sem o devido estudo dos impactos.
Os diques e as casas de bombas impedem que estas regiões vivam sendo alagadas a cada enchente. Mas isso acabou ruindo no caso extremo como vivemos em maio. Um caso extremo que pode se repetir em meio às mudanças climáticas que vivemos com nossos projetos de urbanização (catapultados pelo crescimento populacional desenfreado e socialmente desajustado) e expansão agrícola sem a dimensão dos impactos.
Sem um manejo dos impactos ambientais do progresso, a natureza se revela em avisos da pior forma.
Foi o que aconteceu com os holandeses. Após enchentes históricas e catastróficas nos anos 1990, a Holanda se mobilizou para garantir projetos que evitariam novamente estas perdas. E os especialistas concluíram que não bastava aumentar a altura dos diques.
Vale dizer que lá são milhares de quilômetros de diques e que existem os diques de verão, e, depois deles, mais altos e construídos um pouco mais longe do leito do rio e dos diques de verão, com uma área de inundação entre eles, os de inverno.
Além disso, canais de água alternativos foram criados, similares à nossa conhecida várzea do Sinos, que corre paralela ao curso natural do rio em São Leopoldo, formando uma espécie de braço alagável para as águas das cheias do Sinos tenham seu... espaço.
Espaço para o rio. Criar áreas inundáveis foi a ideia mais natural para evitar que as cheias do rios provocassem estragos incalculáveis na Holanda. Afinal, as áreas dos rios foram sendo "invadidas" pela ação humana com expansão das cidades, tanto na área urbana como rural.
Abrindo espaços
O projeto Room for the River trabalhou na desapropriação de áreas ocupadas por habitações (poucas no caso holandês, é verdade, até porque não há lá como no Brasil uma ocupação irregular para moradias e submoradias) e também grandes áreas agrícolas utilizadas para, principalmente, criação de gado.
Um projeto com investimento de mais de 2,3 bilhões de euros (seriam mais de 13 bilhões de reais). Nossa, mas é muito dinheiro! Acredite: as estimativas iniciais das perdas do RS com as cheias já ultrapassaram os dez bilhões de reais.
E este investimento bilionário tem retorno na qualidade de vida das pessoas. Principalmente na segurança.
Aplicar essa lógica aqui não é fácil. Seriam necessárias milhares de desocupações habitacionais em áreas de inundação dos rios e lagos. E seria necessário buscar novas áreas para estas pessoas morarem ou estabelecerem seus negócios.
E aí vai uma questão: as milhares de pessoas hoje atingidas tragicamente pelas cheias não estariam dispostas em viver longe do risco? Certamente não são poucos os que hoje trocariam a possibilidade de viver em um local seguro ao invés de viverem o medo de uma nova catástrofe.
Sim, os diques vão ser elevados, deverá haver investimento em casas de bombas e na limpeza dos rios (desassoreamento). Mas as alterações climáticas que vivemos exigirão mais e mais. Como ocorreu agora no passar deste anos. As soluções que tínhamos datavam para segurar o rio quase meio século atrás. Se achou que era o suficiente. Não foi.
E aí é que o espaço para os rios se torna uma solução natural, e, claro, sempre necessária de reavaliação conforme o clima se comporte.
Um solução nada fácil, mas necessária para que as águas das chuvas não se tornem um medo constante às populações que vivem próximas aos grandes rios e lagos.
A vinda de um grupo de pesquisadores holandeses - especialistas do programa de Redução de Risco de Desastres (Disaster Risk Reduction - DRRS) dos Países Baixos, vinculado à Agência Empresarial Holandesa (Netherlands Enterprise Agency - RVO) - ao Rio Grande do Sul para avaliar as causas das enchentes e oferecer soluções para amenizar os danos com as inundações, levantou a possibilidade de implantar aqui as ações que foram adotadas lá na Europa para conter as cheias.
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A vinda de um grupo de pesquisadores holandeses - especialistas do programa de Redução de Risco de Desastres (Disaster Risk Reduction - DRRS) dos Países Baixos, vinculado à Agência Empresarial Holandesa (Netherlands Enterprise Agency - RVO) - ao Rio Grande do Sul para avaliar as causas das enchentes e oferecer soluções para amenizar os danos com as inundações, levantou a possibilidade de implantar aqui as ações que foram adotadas lá na Europa para conter as cheias.