Opinião

CALAMIDADE NO RS: Todos precisam de ajuda

Jornalista que também está fora de casa por causa da enchente narra percepção das pessoas nesse momento de dor e perdas

Publicado em: 17/05/2024 11:50
Última atualização: 17/05/2024 11:50

Em meio a conversas com pessoas atingidas pelas enchentes, uma das frases mais corriqueiras que escuto é de que “tem gente pior”. Mecanismo de defesa ou de alento, essa perspectiva de que há outros que precisam de mais atenção pode mascarar o problema: todos estamos abalados com o cenário vivido pelos gaúchos.
Numa das entrevistas que fiz, questionei meu interlocutor sobre a busca por atendimento psicológico. O homem, de 35 anos, reconheceu a necessidade de atender as pessoas atingidas, mas se considerava bem – mesmo tendo visto sua casa ser tomada pelas águas e de precisar buscar, junto com a família, um novo abrigo. Fora de casa há dias, ele e outros parecem se recusar a aceitar as dificuldades e a necessidade de ajuda, não importando que tenha buscado uma cesta básica doada pela primeira vez na vida.
Confesso que eu mesmo, fora de casa há mais de uma semana e sem qualquer perspectiva de retorno rápido, busco me segurar no fato de não me achar tão prejudicado. Parece que encontramos no sofrimento alheio um motivo para não aceitar o nosso próprio, repetindo, quase como um mantra, a frase “estou bem”.
Acredito que nós, homens, tornamos essa confissão de não estar bem ainda mais difícil. Nos blindamos por crer ser impossível mostrar força em meio ao caos e, ao mesmo tempo, fragilidade pelo que houve. Mas a verdade é que ninguém está bem ao contar, mais uma vez em menos de um ano, corpos perdidos para as enchentes. Não estamos bem vendo pessoas perderem tudo o que demoraram anos para construir, tão pouco quando nós mesmos perdemos bens materiais. Também não estamos bem por termos de sair de nossas casas e buscar abrigos, seja na casa de amigos e familiares, seja um espaço comunitário organizado pelo poder público.


Enchente começa a baixar e DMLU começa a limpeza das ruas do bairro Menino Deus, em Porto Alegre Foto: Cesar Lopes/PMPA


Todos aqueles e aquelas que ainda preservam o mínimo de humanidade e não querem utilizar da tragédia para atacar ou se promover estão abalados de alguma forma. Admitir isso e aceitar as ajudas oferecidas não nos fará mais fracos, muito pelo contrário. Vai nos dar força como sociedade para, juntos, podermos ficar bem novamente.
Os meses que vierem após as águas finalmente baixarem serão árduos. Por isso mesmo, é fundamental nos permitirmos sentir as dores deste momento. Só assim será possível nos reconstruirmos como indivíduos, como cidades, Estado e sociedade. Vamos superar. Mas, para isso, será preciso aceitar cuidados nestes momentos. Por mais difícil que isso seja para nosso ego e para nossas certezas pessoais.

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