Bashar Barhoum acordou em sua cela de prisão subterrânea em Damasco ao amanhecer de domingo (8), pensando que aquele seria o último dia de sua vida. O escritor de 63 anos deveria ser executado após sete meses de prisão. Mas logo percebeu que os homens na porta não eram das notórias forças de segurança do ex-presidente sírio Bashar al-Assad, prontos para levá-lo à morte. Em vez disso, eram rebeldes vindo libertá-lo.
À medida que os insurgentes avançaram pela Síria em apenas 10 dias para encerrar os 50 anos de regime da família Assad, eles invadiram prisões e instalações de segurança para libertar prisioneiros políticos e muitos dos milhares de desaparecidos desde o início do conflito, em 2011. Barhoum foi um dos libertados que comemoravam em Damasco.
“Voltei hoje a ver o sol”, disse Barhoum à Associated Press após caminhar incrédulo pelas ruas de Damasco. “Em vez de estar morto amanhã, graças a Deus, ele me deu uma nova chance de viver.” Sem conseguir encontrar seu celular e pertences na prisão, ele partiu em busca de uma forma de avisar sua mulher e filhas que estava vivo e bem.
Vídeos compartilhados nas redes sociais mostraram dezenas de prisioneiros correndo e celebrando após serem libertados pelos insurgentes, alguns descalços e outros vestindo quase nada. Um deles grita de alegria ao descobrir que o governo caiu.
Tortura sistemática e execuções secretas
As prisões na Síria são conhecidas por suas condições brutais. Segundo grupos de direitos humanos, denunciantes e ex-detentos, a tortura é sistemática. Execuções secretas foram relatadas em mais de duas dúzias de instalações administradas pela inteligência síria, bem como em outros locais.
Em 2013, um desertor militar sírio, conhecido como “César”, contrabandeou mais de 53 mil fotografias que, segundo grupos de direitos humanos, mostram evidências claras de tortura, doenças e fome nas prisões sírias.
O aparato de segurança e as prisões da Síria não apenas isolavam os opositores de Assad, mas também disseminavam medo entre a população, disse Lina Khatib, pesquisadora associada do programa Oriente Médio e Norte da África do think tank britânico Chatham House.
“A ansiedade de ser jogado em uma das notórias prisões de Assad gerou ampla desconfiança entre os sírios”, disse Khatib. “Assad cultivou essa cultura do medo para manter o controle e esmagar a oposição política.”
Ao norte de Damasco, na prisão militar de Saydnaya, conhecida como o “abatedouro humano”, mulheres detidas, algumas com seus filhos, gritavam enquanto homens arrombavam as portas de suas celas. A Anistia Internacional e outros grupos estimam que até 13 mil sírios foram executados secretamente entre 2011 e 2016 em Saydnaya.
“Não tenham medo… Bashar al-Assad caiu! Por que vocês têm medo?”, disse um dos rebeldes enquanto tentava tirar rapidamente as mulheres das celas apertadas.
Segundo Rami Abdurrahman, do Observatório Sírio para os Direitos Humanos, sediado no Reino Unido, dezenas de milhares de detentos já foram libertados. Nos últimos 10 dias, insurgentes libertaram prisioneiros em cidades como Aleppo, Homs, Hama e Damasco.
‘Democracias no mundo não fizeram nada para ajudar’
Omar Alshogre, que foi detido por três anos e sobreviveu a torturas implacáveis, assistiu incrédulo de sua casa, longe da Síria, enquanto vídeos mostravam dezenas de detentos fugindo. “Cem democracias no mundo não fizeram nada para ajudá-los, e agora alguns grupos militares vieram e abriram prisão após prisão”, disse Alshogre, defensor dos direitos humanos que agora reside na Suécia e nos EUA, à Associated Press.
Enquanto isso, famílias de detentos e desaparecidos evitaram as celebrações pela queda da dinastia Assad. Em vez disso, esperavam do lado de fora de prisões e centros de segurança, na esperança de que seus entes queridos estivessem ali.
“Esta felicidade não será completa até que eu possa ver meu filho fora da prisão e saber onde ele está”, disse Bassam Masri. “Eu o procuro há duas horas. Ele está preso há 13 anos”, desde o início da revolta síria em 2011.
Os rebeldes lutavam para controlar o caos enquanto multidões se reuniam perto do Tribunal de Justiça em Damasco. Heba, que forneceu apenas seu primeiro nome, disse que procurava por seu irmão e cunhado, detidos em 2011 enquanto registravam o roubo de um carro e que não foram vistos desde então.
“Eles levaram tantos de nós”, disse Heba, cuja mãe também teve parentes desaparecidos. “Não sabemos nada sobre eles… Eles (o governo de Assad) destruíram nossos corações.”
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