NA UCRÂNIA
"Nunca vou esquecer a poça de sangue": Mulher descobre que marido foi morto após reconhecer corpo em foto
Mulher que descobriu que marido estava morto ao se deparar com a foto de 8 homens executados e reconhecê-lo afirma que anos depois "nada mudou"
Última atualização: 20/04/2024 16:04
Dias após a retirada das forças russas dos arredores de Kiev, nas dramáticas semanas iniciais da invasão em grande escala, dois anos atrás, uma foto revelou o que tinha acontecido com o marido desaparecido de Nataliia Verbova. "Nunca vou esquecer a poça de sangue debaixo dele", afirmou.
Examinando a imagem de oito homens executados, deitados sobre o concreto frio no subúrbio de Bucha, capturada por Vadim Ghirda, fotógrafo da AP, ela se deteve sobre um homem de bruços com as mãos amarradas.
Não queria acreditar que fosse Andrii, que havia ingressado na defesa territorial dias após a invasão, mas fora detido pelos russos. Um mês depois, ela visitou o necrotério e reconheceu as meias que dera a ele de presente. Era Andrii.
"Nunca vou esquecer a poça de sangue debaixo dele. Quando vi essas fotos pelo mundo todo, senti dor", disse, de pé sobre o túmulo do marido. "Dois anos se passaram, mas para mim é como se tivesse acontecido ontem. Nada mudou."
As tropas russas rapidamente ocuparam Bucha após invadir a Ucrânia, e permaneceram por cerca de um mês. Quando as tropas ucranianas retomaram a cidade, encontraram o que veio a ser conhecido como o epicentro das atrocidades da guerra.
Dezenas de corpos de homens, mulheres e crianças estavam espalhados por ruas, quintais e casas, e amontoados em valas comuns. Alguns apresentavam sinais de tortura.
Dia após dia, os responsáveis por recolher os corpos encontravam mortos em porões, atravessados sob os batentes de portas, ou no meio da floresta. O subúrbio, antes confortável, estava silencioso e em choque.
Foram encontrados mais de 400 corpos. As autoridades ucranianas afirmam que o número total de mortos não foi concluído, e muitas pessoas ainda estão desaparecidas.
Atualmente, dois anos depois, Bucha está evoluindo. No horizonte se veem guindastes e, ao longo da via principal, as estruturas esqueléticas de futuros complexos residenciais. Cafés e restaurantes estão abertos. Há sinais de esperança e renovação onde antes havia apenas trauma e desespero.
Onde antes havia túmulos improvisados marcados com cruzes de madeira, agora estão lápides de mármore com retratos dos heróis de guerra.
No subúrbio vizinho de Irpin, onde ruas inteiras foram arrasadas e carbonizadas durante a ocupação russa, o que havia sido destruído está sendo reconstruído.
Para assinalar o segundo aniversário da libertação desses e de outros distritos de Kiev, o presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy agradeceu a todos os envolvidos em sua renovação. "Isto é mais do que apenas reconstruir a partir das ruínas; é preservar a ideia de um mundo livre e da nossa Europa unida", disse.
Mas para aqueles que sofreram o pior das atrocidades russas, essas mudanças são apenas superficiais. Para esses moradores de Bucha, o tempo não abrandou a dor da perda. Muitos sentem dificuldade em aceitar o que aconteceu com eles e com as pessoas à sua volta.
Verbova se sente grata porque seu marido recebeu um local de descanso mais permanente. Ele e os outros homens haviam montado um bloqueio na estrada para tentar evitar o avanço das tropas russas que seguiam em direção a Kiev.
Eles foram posteriormente descobertos por Ghirda, o fotógrafo da AP, caídos ao lado de um prédio na rua Yablunska. Já fazia um mês que estavam ali, os corpos espalhados preservados pelo frio do inverno. Seus entes queridos só puderam recolhê-los depois que os russos se retiraram de Bucha.
Verbova diz que eles deveriam ser considerados heróis nacionais. Ela guarda os pertences do marido - uma agenda telefônica e uma carteira - como se fossem joias. Mas não consegue seguir em frente. Ela conta que o governo não deu a ele o status oficial de militar, uma classificação que permitiria que a família recebesse indenização financeira.
É um problema compartilhado pela maioria das famílias desses homens. Oleksandr Turovskyi, cujo filho de 35 anos, Sviatoslav, estava entre eles, está lutando para conseguir o mesmo status.
Em sua casa, onde estão expostas fotos de Sviatoslav quando criança e como integrante da defesa territorial, ele mostra as medalhas de guerra do filho. "Pais não deveriam enterrar seus filhos. Não é justo", diz.
Ao contrário de boa parte de Bucha, já em reconstrução, o lugar onde os oito homens foram descobertos permanece praticamente intocado. Seus retratos estão pendurados na parede do prédio, onde também há flores.
Turovskyi ainda visita o local para se sentir mais próximo do filho. "Às 5 da tarde (depois do trabalho), ainda sinto que ele vai entrar e dizer: ?Olá, como você está??", conta.
"Esses dois anos inteiros, mais de dois anos, eu fico esperando por ele. Mesmo sabendo que já o enterrei, ainda continuo esperando."
"O mundo não deveria esquecer que há uma guerra na Ucrânia", diz. "É por isso que precisamos falar sobre ela, para interrompê-la e evitar que se espalhe", defende. "Para que outros não precisem sentir o que nós sentimos."