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Níquel e autodeterminação: a luta que incendeia a Nova Caledônia

Arquipélago francês no Pacífico é palco de tumultos nos últimos dias

Publicado em: 24/05/2024 10:45
Última atualização: 24/05/2024 11:01

Na última semana, a Nova Caledônia, um arquipélago francês no Pacífico, foi palco de violentos tumultos, resultando em cinco mortes e dezenas de feridos.


Nova Caledônia enfrenta violentos tumultos nos últimos dias Foto: Reprodução de TV

Essa onda de violência começou com anúncio de mudanças eleitorais implementadas pelo governo francês em Paris, que reacenderam tensões históricas e questões não resolvidas sobre a autodeterminação e a gestão do principal recurso do território: o níquel.

A Nova Caledônia tem uma longa história de lutas políticas e sociais. Desde os acordos de Matignon e de Nouméa, assinados em 1988 e 1998, respectivamente, a organização política do território foi regida por um delicado equilíbrio entre as forças independentistas e os lealistas.

Os referendos de autodeterminação realizados em 1987, 2018, 2020 e 2021 resultaram em vitórias consecutivas para a permanência do território na República Francesa, embora com participação e resultados controversos.

Veja quem são os principais envolvidos no conflito:

- Frente de Libertação Nacional Kanak e Socialista (FLNKS): coalizão de partidos independentistas lutando por maior autonomia e preservação dos direitos políticos dos Kanaks, a população indígena que compõe cerca de 40% dos 270 mil habitantes do arquipélago.

- Célula de Coordenação das Ações de Terreno (CCAT): próxima ao FLNKS, esta organização tem sido acusada de incitar a violência, embora reivindique lutar pelos direitos dos "invisíveis" da sociedade.

- Lealistas: partido de direita que se opõe aos independentistas e quer manter o território na república francesa, apoiando a reforma eleitoral proposta pelo governo francês para incluir moradores, mais recentes na política local.

Por que o nível é tão importante para a região?

O níquel é vital para a economia da Nova Caledônia, representando entre 20% e 25% dos empregos privados e 90% das exportações do território. Conhecido como "ouro verde", este mineral é essencial para a produção de aço inoxidável e baterias automotivas.

Contudo, a queda de 45% no preço do níquel em 2023, somada à previsão de triplicação da demanda nos próximos 20 anos, intensificou as tensões. A gestão desse recurso tem sido fonte de discórdia, especialmente entre aqueles que veem a intervenção francesa na indústria como uma forma de neocolonialismo.

O que diz o presidente francês Emmanuel Macron?

Diante da escalada de violência, o presidente Emmanuel Macron e vários ministros franceses têm tentado mediar a situação. O ministro do Interior visitou a Nova Caledônia para tentar reatar o diálogo entre as partes.

Em novembro de 2023 o ministro da Economia Bruno Le Maire apresentou o "Pacto Níquel", destinado a salvar da falência as três usinas metalúrgicas do território.

Este pacto foi mal-recebido pelos independentistas, que preferem a estratégia da “Doutrina do Níquel”: tratar o recurso como pertencendo a coletividade e compartir os seus benefícios localmente.


Presidente francês Emmanuel Macron Foto: Reprodução/Twitter/Emmanuel Macron

O ciberataque que deixou tudo ainda mais complicado

A situação ficou ainda mais complexa com uma ciberataque que paralisou servidores informáticos e redes locais, atribuído a interferências estrangeiras, possivelmente de origem russa. Macron, acompanhado de especialistas do conflito, está a caminho da Nova Caledônia para instalar uma "missão" com a intenção de apaziguar a situação.

Os desafios permanecem numerosos. A reforma eleitoral proposta, que permitiria a participação de eleitores que residem no território há pelo menos dez anos nas eleições provinciais, é vista como uma medida necessária por alguns, mas como uma ameaça do poder político dos moradores mais antigos do arquipélago pelos independentistas.

Além disso, a crise econômica e a dependência excessiva do níquel continuam a ser problemas críticos com a falta de diversificação das atividades econômicas.

A Nova Caledônia enfrenta um dilema: equilibrar a aspiração por maior autonomia e justiça social com a necessidade de estabilidade econômica e política. Enquanto isso, a comunidade internacional observa atentamente, esperando que um consenso possa ser alcançado antes que mais vidas sejam perdidas e a situação se deteriore ainda mais.

Arthur Barrier é francês, nascido em Paris, e está fazendo estágio acadêmico na redação do Grupo Sinos em Novo Hamburgo

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