TECNOLOGIA
Entenda por que o ChatGPT inaugura uma nova fase da inteligência artificial
Especialistas acreditam que ferramenta criada por startup americana trará implicações econômicas e sociais nos próximos anos
Última atualização: 24/01/2024 13:39
Até para a inteligência artificial (IA), segmento no qual as descobertas avançaram velozmente na última década, os últimos dois meses foram intensos. Em 30 de novembro, a OpenAI, uma startup americana fundada em 2015, tornou público o ChatGPT, ferramenta que inaugura uma nova fase na relação da humanidade com as máquinas, e que trará implicações econômicas e sociais para os próximos anos.
Nas últimas semanas, a novidade transformou o tema da inteligência artificial em conversa de mesa de bar. A ferramenta da OpenAI, que é um robô de bate-papo (chatbot), rompeu a bolha tecnológica ao conseguir produzir textos bem organizados e trazer informações sobre assuntos diversos. A complexidade das respostas e a sofisticação da organização do texto chamam a atenção, apesar de diferentes testes terem mostrado equívocos de informação. Ainda assim, ele é capaz de produzir discursos de casamento, e-mails corporativos, textos em formato jornalístico, listas de organização e código de computação - precisa saber pedir do jeito certo, inclusive em português.
A capacidade deu notoriedade ao sistema, que passou a ser testado por milhões de pessoas. O ChatGPT alcançou 100 milhões de usuários ativos em janeiro, o que faz dele o serviço na Internet com o crescimento de usuários mais veloz da história - atualmente é comum ele travar devido ao alto tráfego. Os casos de uso passaram a ser diversos.
Nos EUA por exemplo, professor de uma universidade de Pensilvânia aplicou o exame final do MBA da instituição, além do Exame de Ordem (uma espécie de “prova da OAB” nos EUA) e também do Exame de Licenciamento Médico dos Estados Unidos (Usmle). Em todos os casos, a máquina passou e reforçou os temores do mundo acadêmico sobre a necessidade de revisar os métodos de avaliação.Já o site de tecnologia Cnet colocou o ChatGPT para escrever textos - e foi criticado por não avisar os leitores nem remover erros factuais. O BuzzFeed foi além: anunciou que vai usar os algoritmos da OpenAI para produzir parte de seus conteúdos um mês depois que demitiu 180 pessoas. Enquanto isso, a revista Nature publicou um editorial no qual considera o ChatGPT uma ameaça para a ciência transparente.
Conheça a inteligência artificial gerativa
O ChatGPT não é o primeiro chatbot “esperto” de que se tem notícia. No ano passado, o LaMDA, do Google, fez barulho quando um engenheiro da companhia afirmou que o sistema tinha desenvolvido consciência, algo refutado tanto pela empresa quanto por especialistas. O LaMDA, porém, nunca foi disponibilizado para uma grande audiência.
Graças à popularidade alcançada nas redes sociais, o ChatGPT surge como o maior exemplo de um novo capítulo na inteligência artificial. “O ChatGPT abre uma nova era. Até aqui, os sistemas otimizavam a rotulação de dados. Agora, a IA é capaz de gerar conteúdo inédito, o que amplia as possibilidades criativas da máquina”, explica Anderson Soares, coordenador do Centro de Excelência em Inteligência Artificial da Universidade Federal de Goiás (UFG).Isso significa que os algoritmos que estão presentes na vida da maioria das pessoas, como o sistema do YouTube que sugere vídeos, era capaz de capturar tendências e fazer correlações a partir de dados já existentes. A nova geração de IA dá um passo além, criando novas informações - essa nova classe é conhecida como “inteligência artificial gerativa”.
Durante todo o ano passado, IAs gerativas ganharam espaço não apenas com a produção de texto. A OpenAI lançou o DALL-E 2, que gera imagens a partir de comandos de texto. Surgiram sistemas capazes de gerar vídeo e até de clonar a voz humana. O ChatGPT serviu como o empurrão para essa nova classe de sistemas.
Qual a importância do ChatGPT?
Não é só na produção de conteúdo que o ChatGPT representa avanço. A interface simples da ferramenta, no formato de um chatbot, possibilita a massificação de uma ferramenta poderosa. “Esses novos sistemas possibilitam o acesso precoce à tecnologia, dispensando habilidades de programação”, argumenta Soares.
Até aqui, sistemas de IA e grandes bancos de dados trabalhavam sob a tutela de programadores, cientistas da computação, engenheiros de dados e designers. As IAs gerativas conseguem trabalhar para qualquer pessoa, independentemente dos seus conhecimentos técnicos em computação.
O ChatGPT expõe a importância de grandes modelos de linguagem natural (LLM), bancos de dados gigantes usados para o processamento de texto escrito. Há alguns anos, o Google abriu a era dos LLM com o Bert, um sistema de compreensão de texto usado em produtos como a busca e o tradutor.
Em 2020, a OpenAI chamou a atenção por tornar público o GPT-3 (abreviação de Generative Pre-trained Transformer), um modelo com 175 bilhões de parâmetros (representações matemáticas de padrões e tipos de texto) - o Bert tinha 110 milhões de parâmetros.
Assim, o ChatGPT usa como “cérebro” o GPT-3 (e a OpenAI já está trabalhando no sucessor, o GPT-4) e coloca nas mãos de usuários comuns um banco de dados poderoso, que só pode ser desenvolvido com mão de obra cara e infraestrutura computacional restrita.
Como usar?
O ChatGPT (chat.openai.com) é acessado de graça pelo navegador do computador ou celular. É necessário criar uma conta e no primeiro acesso fornecer nome, sobrenome e número de celular. Não existe aplicativo.
Como muitos usuários têm acessado o site, pode haver dificuldade de conexão. Além disso, o idioma padrão do ChatGPT é o inglês, mas a inteligência artificial consegue reconhecer e reproduzir textos em português. Confira o passo a passo abaixo:
1. Acesse o site do ChatGPT (chat.openai.com);
2. Clique em “Sign up”;
3. Insira seu e-mail ou escolha entre login via Google e Microsoft;
4. Se escolheu acessar por e-mail, precisa criar uma senha;
5. Em seguida, você receberá um e-mail de verificação;
6. Abra sua caixa de entrada e procure por um e-mail com o título “OpenAI - Verify your email”;
7. Conclua a criação da conta clicando em “Verify email adress”.
Rotina de trabalho e até empregos podem estar ameaçados
Em 2013, os pesquisadores Carl Benedikt Frey e Michael Osborne, da Universidade Oxford, publicaram um estudo no qual estimavam que 47% das profissões nos EUA seriam afetadas por tecnologias de automação, como IA e robótica. Agora, a profecia pode não apenas se realizar, como abranger um número ainda maior de profissionais.
“Todas as profissões que trabalham com texto serão afetadas pelo ChatGPT”, acredita Edney Souza, professor de inovação, tecnologia e negócios digitais na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).No mundo corporativo, cargos executivos e administrativos serão afetados. Áreas como educação, publicidade, jornalismo e direito também estão entre os alvos mais óbvios. Não é só isso. Como o ChatGPT consegue escrever código e fazer contas, áreas como computação, engenharia, arquitetura e design também podem sentir os efeitos.
Com o avanço das IAs gerativas de forma geral, qualquer profissão que também trabalha com imagem e vídeo poderá ser impactada - alguns especialistas falam que essa nova era pode ter impacto inédito em profissões do ensino superior.
Um relatório de 2021 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) afirma que a adoção de IA pode aumentar as disparidades do mercado de trabalho entre aqueles que têm habilidade para usar IA e os que não têm. “Garantir que os trabalhadores tenham as habilidades certas para trabalhar com novas tecnologia é, portanto, um desafio para a política (dos países)”, diz o documento.
Isso tornou o ChatGPT e as IAs gerativas em um dos principais assuntos discutidos no último Fórum Econômico Mundial, em Davos. Além do impacto econômico, a corrida da IA pode alterar as forças geopolíticas globais. “(IAs gerativas) serão extraordinariamente importantes para a competitividade global e para a segurança das nações”, afirmou durante o evento Brad Smith, presidente da Microsoft e líder da companhia em IA.
Regulação
Os países estão buscando formas de regular e absorver a tecnologia - a Europa é a região mais avançada nas discussões de legislações específicas. Há outras questões no processo que são muito importantes, incluindo regulação, ética, viés, transparência, direito autoral e bem-estar social. O principal desafio é lidar com a velocidade sobre como as coisas se desenrolam.
“Esses sistemas ficarão ainda mais sofisticados, então é difícil dizer o que nos aguarda. Por enquanto, não é possível nem mesmo falar em estabilização das descobertas. Enquanto os LLM continuarem crescendo, teremos avanços ainda não imaginados”, afirma Soares.
Nova ferramenta força busca de "antídoto" contra inteligência artificial
Da mesma maneira que impressionou, o ChatGPT levantou preocupações sobre como a máquina pode nos enganar com facilidade. Isso gerou corrida por um “antídoto”, algo que possa detectar quando um texto foi escrito por uma IA. As possibilidades de mau uso são variadas. O sistema pode escrever trabalhos acadêmicos, artigos científicos, projetos de pesquisa, currículos falsos e mensagens que emulam o estilo de escrita de pessoas notáveis.
Uma das primeiras iniciativas para tentar detectar se um texto foi gerado pelo ChatGPT surgiu já em dezembro pelas mãos de um estudante da Universidade Princeton. Ele desenvolveu o GPTZero, que analisa textos e aponta suas chances de terem sido escritos por uma IA. O serviço gratuito usa o próprio ChatGPT para fazer a detecção e mede a “aleatoriedade de sentenças” (ou seja, a escolha pouco comum de palavras em uma frase) e o “agrupamento dessas aleatoriedades” (volume de frases escritas com palavras pouco comuns). O texto fica próximo de ser classificado como “escrito por humano” quando reúne um grande volume de frases escritas com palavras pouco óbvias.
Pressionada, a OpenAI lançou no final de janeiro o seu próprio detector - também classifica os resultados entre “muito pouco provável” e “provável” que o material tenha sido gerado pela máquina. A companhia ressalva: o sistema funciona com textos a partir de mil caracteres, não enxerga diferenças em códigos de computação e tem maior eficiência em inglês. Mas segundo os próprios criadores, a ferramenta foi capaz de identificar só 26% dos textos criados por máquinas nos primeiros testes.
Marca d’água
Outra alternativa estudada por pesquisadores é uma espécie de “marca d’água”: uma anotação digital, invisível aos olhos das pessoas, a ser aplicada em todos os textos gerados pelos sistemas. Criado por pesquisadores da Universidade de Maryland (EUA), o algoritmo de marca d’água tem funcionamento simples. Ele divide aleatoriamente em dois grupos as palavras dentro de um modelo de linguagem: um com palavras “permitidas” e outro com “bloqueadas”.
A partir disso, o modelo de linguagem seria direcionado a compor frases com mais palavras “permitidas”. Então, os detectores passam a olhar para a quantidade da presença de palavras permitidas em um texto. “O problema desse processo é que ele pode engessar a sofisticação na produção de texto”, alerta Diogo Cortiz, professor da PUC-SP.
Há outra limitação importante. Para funcionar, a OpenAI teria de inserir o algoritmo de marca d’água dentro do GPT-3, o cérebro do ChatGPT. É uma possibilidade que parece pequena no momento.
Google corre atrás, mas enfrenta mesmo problema
Pressionado pelo sucesso do ChatGPT, o Google lançou no último dia 8, em Paris, o seu chatbot inteligente, batizado de Bard. No entanto, no evento de lançamento, o jornal The Telegraph relatou que a ferramenta respondeu incorretamente a uma pergunta de demonstração realizada no momento da apresentação. Situações do tipo também aconteceram em testes semelhantes feitos com o ChatGPT nas últimas semanas.
Em um post no blog da companhia, Sundar Pichai, CEO do Google, disse: “O Bard busca combinar a amplitude do conhecimento mundial com o poder, a inteligência e a criatividade de nossos grandes modelos de linguagem. É baseado em informações da web para fornecer respostas novas e de alta qualidade.”
Seria indicação de que o serviço terá informações atualizadas - o ChatGPT foi treinado com dados até 2021, o que atrapalha na qualidade de suas respostas, principalmente em relação a temas atuais. O recurso será lançado quando o Google estiver confiante na qualidade das respostas fornecidas pela IA. As medidas foram reveladas um dia depois da Microsoft informar que pretende incorporar a tecnologia por trás do ChatGPT em seu mecanismo de busca Bing.
Durante o lançamento do Bard, o Google disse ainda que lançará novos recursos de busca e mapas alimentados por inteligência artificial, incluindo maneiras de fazer perguntas com imagens.
Até para a inteligência artificial (IA), segmento no qual as descobertas avançaram velozmente na última década, os últimos dois meses foram intensos. Em 30 de novembro, a OpenAI, uma startup americana fundada em 2015, tornou público o ChatGPT, ferramenta que inaugura uma nova fase na relação da humanidade com as máquinas, e que trará implicações econômicas e sociais para os próximos anos.
Nas últimas semanas, a novidade transformou o tema da inteligência artificial em conversa de mesa de bar. A ferramenta da OpenAI, que é um robô de bate-papo (chatbot), rompeu a bolha tecnológica ao conseguir produzir textos bem organizados e trazer informações sobre assuntos diversos. A complexidade das respostas e a sofisticação da organização do texto chamam a atenção, apesar de diferentes testes terem mostrado equívocos de informação. Ainda assim, ele é capaz de produzir discursos de casamento, e-mails corporativos, textos em formato jornalístico, listas de organização e código de computação - precisa saber pedir do jeito certo, inclusive em português.
A capacidade deu notoriedade ao sistema, que passou a ser testado por milhões de pessoas. O ChatGPT alcançou 100 milhões de usuários ativos em janeiro, o que faz dele o serviço na Internet com o crescimento de usuários mais veloz da história - atualmente é comum ele travar devido ao alto tráfego. Os casos de uso passaram a ser diversos.
Nos EUA por exemplo, professor de uma universidade de Pensilvânia aplicou o exame final do MBA da instituição, além do Exame de Ordem (uma espécie de “prova da OAB” nos EUA) e também do Exame de Licenciamento Médico dos Estados Unidos (Usmle). Em todos os casos, a máquina passou e reforçou os temores do mundo acadêmico sobre a necessidade de revisar os métodos de avaliação.Já o site de tecnologia Cnet colocou o ChatGPT para escrever textos - e foi criticado por não avisar os leitores nem remover erros factuais. O BuzzFeed foi além: anunciou que vai usar os algoritmos da OpenAI para produzir parte de seus conteúdos um mês depois que demitiu 180 pessoas. Enquanto isso, a revista Nature publicou um editorial no qual considera o ChatGPT uma ameaça para a ciência transparente.
Conheça a inteligência artificial gerativa
O ChatGPT não é o primeiro chatbot “esperto” de que se tem notícia. No ano passado, o LaMDA, do Google, fez barulho quando um engenheiro da companhia afirmou que o sistema tinha desenvolvido consciência, algo refutado tanto pela empresa quanto por especialistas. O LaMDA, porém, nunca foi disponibilizado para uma grande audiência.
Graças à popularidade alcançada nas redes sociais, o ChatGPT surge como o maior exemplo de um novo capítulo na inteligência artificial. “O ChatGPT abre uma nova era. Até aqui, os sistemas otimizavam a rotulação de dados. Agora, a IA é capaz de gerar conteúdo inédito, o que amplia as possibilidades criativas da máquina”, explica Anderson Soares, coordenador do Centro de Excelência em Inteligência Artificial da Universidade Federal de Goiás (UFG).Isso significa que os algoritmos que estão presentes na vida da maioria das pessoas, como o sistema do YouTube que sugere vídeos, era capaz de capturar tendências e fazer correlações a partir de dados já existentes. A nova geração de IA dá um passo além, criando novas informações - essa nova classe é conhecida como “inteligência artificial gerativa”.
Durante todo o ano passado, IAs gerativas ganharam espaço não apenas com a produção de texto. A OpenAI lançou o DALL-E 2, que gera imagens a partir de comandos de texto. Surgiram sistemas capazes de gerar vídeo e até de clonar a voz humana. O ChatGPT serviu como o empurrão para essa nova classe de sistemas.
Qual a importância do ChatGPT?
Não é só na produção de conteúdo que o ChatGPT representa avanço. A interface simples da ferramenta, no formato de um chatbot, possibilita a massificação de uma ferramenta poderosa. “Esses novos sistemas possibilitam o acesso precoce à tecnologia, dispensando habilidades de programação”, argumenta Soares.
Até aqui, sistemas de IA e grandes bancos de dados trabalhavam sob a tutela de programadores, cientistas da computação, engenheiros de dados e designers. As IAs gerativas conseguem trabalhar para qualquer pessoa, independentemente dos seus conhecimentos técnicos em computação.
O ChatGPT expõe a importância de grandes modelos de linguagem natural (LLM), bancos de dados gigantes usados para o processamento de texto escrito. Há alguns anos, o Google abriu a era dos LLM com o Bert, um sistema de compreensão de texto usado em produtos como a busca e o tradutor.
Em 2020, a OpenAI chamou a atenção por tornar público o GPT-3 (abreviação de Generative Pre-trained Transformer), um modelo com 175 bilhões de parâmetros (representações matemáticas de padrões e tipos de texto) - o Bert tinha 110 milhões de parâmetros.
Assim, o ChatGPT usa como “cérebro” o GPT-3 (e a OpenAI já está trabalhando no sucessor, o GPT-4) e coloca nas mãos de usuários comuns um banco de dados poderoso, que só pode ser desenvolvido com mão de obra cara e infraestrutura computacional restrita.
Como usar?
O ChatGPT (chat.openai.com) é acessado de graça pelo navegador do computador ou celular. É necessário criar uma conta e no primeiro acesso fornecer nome, sobrenome e número de celular. Não existe aplicativo.
Como muitos usuários têm acessado o site, pode haver dificuldade de conexão. Além disso, o idioma padrão do ChatGPT é o inglês, mas a inteligência artificial consegue reconhecer e reproduzir textos em português. Confira o passo a passo abaixo:
1. Acesse o site do ChatGPT (chat.openai.com);
2. Clique em “Sign up”;
3. Insira seu e-mail ou escolha entre login via Google e Microsoft;
4. Se escolheu acessar por e-mail, precisa criar uma senha;
5. Em seguida, você receberá um e-mail de verificação;
6. Abra sua caixa de entrada e procure por um e-mail com o título “OpenAI - Verify your email”;
7. Conclua a criação da conta clicando em “Verify email adress”.
Rotina de trabalho e até empregos podem estar ameaçados
Em 2013, os pesquisadores Carl Benedikt Frey e Michael Osborne, da Universidade Oxford, publicaram um estudo no qual estimavam que 47% das profissões nos EUA seriam afetadas por tecnologias de automação, como IA e robótica. Agora, a profecia pode não apenas se realizar, como abranger um número ainda maior de profissionais.
“Todas as profissões que trabalham com texto serão afetadas pelo ChatGPT”, acredita Edney Souza, professor de inovação, tecnologia e negócios digitais na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).No mundo corporativo, cargos executivos e administrativos serão afetados. Áreas como educação, publicidade, jornalismo e direito também estão entre os alvos mais óbvios. Não é só isso. Como o ChatGPT consegue escrever código e fazer contas, áreas como computação, engenharia, arquitetura e design também podem sentir os efeitos.
Com o avanço das IAs gerativas de forma geral, qualquer profissão que também trabalha com imagem e vídeo poderá ser impactada - alguns especialistas falam que essa nova era pode ter impacto inédito em profissões do ensino superior.
Um relatório de 2021 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) afirma que a adoção de IA pode aumentar as disparidades do mercado de trabalho entre aqueles que têm habilidade para usar IA e os que não têm. “Garantir que os trabalhadores tenham as habilidades certas para trabalhar com novas tecnologia é, portanto, um desafio para a política (dos países)”, diz o documento.
Isso tornou o ChatGPT e as IAs gerativas em um dos principais assuntos discutidos no último Fórum Econômico Mundial, em Davos. Além do impacto econômico, a corrida da IA pode alterar as forças geopolíticas globais. “(IAs gerativas) serão extraordinariamente importantes para a competitividade global e para a segurança das nações”, afirmou durante o evento Brad Smith, presidente da Microsoft e líder da companhia em IA.
Regulação
Os países estão buscando formas de regular e absorver a tecnologia - a Europa é a região mais avançada nas discussões de legislações específicas. Há outras questões no processo que são muito importantes, incluindo regulação, ética, viés, transparência, direito autoral e bem-estar social. O principal desafio é lidar com a velocidade sobre como as coisas se desenrolam.
“Esses sistemas ficarão ainda mais sofisticados, então é difícil dizer o que nos aguarda. Por enquanto, não é possível nem mesmo falar em estabilização das descobertas. Enquanto os LLM continuarem crescendo, teremos avanços ainda não imaginados”, afirma Soares.
Nova ferramenta força busca de "antídoto" contra inteligência artificial
Da mesma maneira que impressionou, o ChatGPT levantou preocupações sobre como a máquina pode nos enganar com facilidade. Isso gerou corrida por um “antídoto”, algo que possa detectar quando um texto foi escrito por uma IA. As possibilidades de mau uso são variadas. O sistema pode escrever trabalhos acadêmicos, artigos científicos, projetos de pesquisa, currículos falsos e mensagens que emulam o estilo de escrita de pessoas notáveis.
Uma das primeiras iniciativas para tentar detectar se um texto foi gerado pelo ChatGPT surgiu já em dezembro pelas mãos de um estudante da Universidade Princeton. Ele desenvolveu o GPTZero, que analisa textos e aponta suas chances de terem sido escritos por uma IA. O serviço gratuito usa o próprio ChatGPT para fazer a detecção e mede a “aleatoriedade de sentenças” (ou seja, a escolha pouco comum de palavras em uma frase) e o “agrupamento dessas aleatoriedades” (volume de frases escritas com palavras pouco comuns). O texto fica próximo de ser classificado como “escrito por humano” quando reúne um grande volume de frases escritas com palavras pouco óbvias.
Pressionada, a OpenAI lançou no final de janeiro o seu próprio detector - também classifica os resultados entre “muito pouco provável” e “provável” que o material tenha sido gerado pela máquina. A companhia ressalva: o sistema funciona com textos a partir de mil caracteres, não enxerga diferenças em códigos de computação e tem maior eficiência em inglês. Mas segundo os próprios criadores, a ferramenta foi capaz de identificar só 26% dos textos criados por máquinas nos primeiros testes.
Marca d’água
Outra alternativa estudada por pesquisadores é uma espécie de “marca d’água”: uma anotação digital, invisível aos olhos das pessoas, a ser aplicada em todos os textos gerados pelos sistemas. Criado por pesquisadores da Universidade de Maryland (EUA), o algoritmo de marca d’água tem funcionamento simples. Ele divide aleatoriamente em dois grupos as palavras dentro de um modelo de linguagem: um com palavras “permitidas” e outro com “bloqueadas”.
A partir disso, o modelo de linguagem seria direcionado a compor frases com mais palavras “permitidas”. Então, os detectores passam a olhar para a quantidade da presença de palavras permitidas em um texto. “O problema desse processo é que ele pode engessar a sofisticação na produção de texto”, alerta Diogo Cortiz, professor da PUC-SP.
Há outra limitação importante. Para funcionar, a OpenAI teria de inserir o algoritmo de marca d’água dentro do GPT-3, o cérebro do ChatGPT. É uma possibilidade que parece pequena no momento.
Google corre atrás, mas enfrenta mesmo problema
Pressionado pelo sucesso do ChatGPT, o Google lançou no último dia 8, em Paris, o seu chatbot inteligente, batizado de Bard. No entanto, no evento de lançamento, o jornal The Telegraph relatou que a ferramenta respondeu incorretamente a uma pergunta de demonstração realizada no momento da apresentação. Situações do tipo também aconteceram em testes semelhantes feitos com o ChatGPT nas últimas semanas.
Em um post no blog da companhia, Sundar Pichai, CEO do Google, disse: “O Bard busca combinar a amplitude do conhecimento mundial com o poder, a inteligência e a criatividade de nossos grandes modelos de linguagem. É baseado em informações da web para fornecer respostas novas e de alta qualidade.”
Seria indicação de que o serviço terá informações atualizadas - o ChatGPT foi treinado com dados até 2021, o que atrapalha na qualidade de suas respostas, principalmente em relação a temas atuais. O recurso será lançado quando o Google estiver confiante na qualidade das respostas fornecidas pela IA. As medidas foram reveladas um dia depois da Microsoft informar que pretende incorporar a tecnologia por trás do ChatGPT em seu mecanismo de busca Bing.
Durante o lançamento do Bard, o Google disse ainda que lançará novos recursos de busca e mapas alimentados por inteligência artificial, incluindo maneiras de fazer perguntas com imagens.
Nas últimas semanas, a novidade transformou o tema da inteligência artificial em conversa de mesa de bar. A ferramenta da OpenAI, que é um robô de bate-papo (chatbot), rompeu a bolha tecnológica ao conseguir produzir textos bem organizados e trazer informações sobre assuntos diversos. A complexidade das respostas e a sofisticação da organização do texto chamam a atenção, apesar de diferentes testes terem mostrado equívocos de informação. Ainda assim, ele é capaz de produzir discursos de casamento, e-mails corporativos, textos em formato jornalístico, listas de organização e código de computação - precisa saber pedir do jeito certo, inclusive em português.