Enquanto o Rio Grande do Sul está às voltas com enchentes sem fim em 2023, o mesmo fenômeno climático responsável pelas chuvas está causando temperaturas recordes no centro do País e, até, baixando o nível de rios na Região Norte. Curiosamente, a seca no Estado do Amazonas, considerada histórica, acabou tendo uma consequência inesperada.
A seca expôs quatro sítios arqueológicos em diferentes pontos do AM, sendo três deles totalmente desconhecidos. Até na capital Manaus a recessão das águas do Rio Negro expôs desenhos milenares nas pedras que costumeiramente ficam submersas.
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) teve que correr e instituiu um plano emergencial, com vistorias e ações educativas em parceria com diferentes órgãos públicos e organizações sociais. Tudo para preservar um patrimônio que, paradoxalmente, acabou sendo descoberto graças a uma calamidade ambiental.
A estiagem na Amazônia é considerada a pior dos últimos 121 anos. Houve municípios isolados, já que o acesso a eles é exclusivamente via fluvial. O rio Negro, por exemplo, à altura da capital Manaus, chegou ao seu menor nível, abaixo dos 13 metros. E é neste rio que ficam os sítios arqueológicos.
O que são
O sítio já conhecido é o da Ponta das Lajes, na capital Manaus, que aflorou pela segunda vez – a primeira havia sido durante a seca de 2010. Com cronologia estimada entre mil e dois mil anos atrás, o local possui petróglifos, isto é, blocos rochosos nos quais há registros rupestres que representam figuras humanas.
Em sua maior parte, as representações são de rostos, que a comunidade local chama popularmente de “caretas”, mas há também gravuras e uma área de oficina lítica com marcas de amoladores. O sítio das Lajes ainda possui bacias de polimento locais em que, há milhares de anos, povos originários confeccionavam suas ferramentas, como machadinhas.
Ruínas de forte português do século 18 entre as descobertas
Dentre os três sítios até então desconhecidos, estão as ruínas do Forte São Francisco Xavier, no município de Tabatinga (AM), construído durante o século 18, às margens do rio Solimões, tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru.
A edificação era a última parada para quem navegava o Solimões rumo aos Andes durante o período colonial, especialmente as embarcações que iam em direção à povoação espanhola de San Pablo de Loreto, no Peru, marcando os domínios da Coroa Portuguesa.
Construída em madeira grossa, a fortificação tinha formato de hexágono irregular e comportava nove peças de artilharia, das quais restam cinco – duas estão expostas no Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro (RJ) e três no Quartel do Comando de Fronteira do Solimões, do Exército Brasileiro.
A edificação é considerada marco da consolidação da fronteira brasileira na região Norte. Técnicos vistoriaram as ruínas expostas do forte para registrar o local no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos. (Com informações do Iphan)
Outra cidade também tem gravuras em pedra
Outro tesouro arqueológico exposto, e até então desconhecido, é o sítio Costa do Goiabeira, no município de Anamã, a 160 km de Manaus. Com a seca, foram reveladas urnas funerárias em material cerâmico.
O terceiro sítio está em Urucará, a 260 km da capital do Amazonas, às margens do rio Uatumã. Ele é composto de petróglifos, semelhantes àqueles descobertos na Ponta das Lajes, em que podem ser vistas gravuras feitas em pedras. Classificados como pré-coloniais, os sítios representam o modo de vida de povos que habitaram aquela região no passado.
Tanto o sítio de Anamã quanto o de Urucará ainda não estão registrados. O Iphan só teve conhecimento da existência desses vestígios durante a estiagem de 2023, demandando visitas que devem ser feitas em parceria com outras instituições de pesquisa do Estado do Amazonas nas próximas semanas.
“Neste momento em que as gravuras rupestres e artefatos cerâmicos afloram por todo o Amazonas, não podemos deixar de reconhecer as oportunidades para pesquisa e valorização da nossa história, mas também a dura realidade da maior seca dos últimos 121 anos que atinge nossa população. Expressamos nossa solidariedade às comunidades afetadas e reafirmamos nosso compromisso em preservar e cuidar desse legado”, avaliou a superintendente do Iphan no Amazonas, Beatriz Evanovick.
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(Com informações do Iphan)