MISTÉRIO REVELADO
Cientistas descobrem papel do El Niño na maior extinção em massa do planeta
Pesquisa das universidades de Bristol e da China detalha como aquecimento das águas do Pacífico produziu clima caótico que exterminou grande parte da vida na Terra há 252 milhões de anos
Última atualização: 13/09/2024 18:44
Um aumento nos gases do efeito estufa na atmosfera provoca um aquecimento global. O aquecimento das águas do Oceano Pacífico, o chamado El Niño, acarreta uma piora dramática do cenário, tornando o clima instável e cheio de extremos em terra, com secas de um lado e furacões ou enchentes devastadoras de outro. Muitas e muitas vidas são perdidas.
Esta descrição poderia ter saído direto dos noticiários e se aplica ao planeta em nossos dias. Porém, não se trata disso. É um resumo do que aconteceu há 252 milhões de anos, no Permiano-Triássico, durante a maior extinção em massa de todos os tempos. Cientistas acabam de publicar um estudo que ajuda a compreender este evento dramático, que causou a extinção de grande parte da vida na Terra até então. Durante muitos anos, a catástrofe ambiental foi considerada um mistério.
Os cientistas já sabiam que a catástrofe do Permiano foi provocada pelo rápido aumento de gás carbônico na atmosfera, que aqueceu as temperaturas do planeta. Muitas formas de vida não puderam se adaptar e desapareceram. Enquanto hoje o aumento de gases do efeito estufa é provocado por ação humana, há 252 milhões de anos os gases foram causados por uma série maciça de erupções vulcânicas. O efeito no clima global foi semelhante, o que pode ajudar a compreender os riscos da crise atual.
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O que um grupo de cientistas acaba de descobrir é o mecanismo de interações complexas que provocou as extinções em terra. O mecanismo do El Niño teria sido uma parte fundamental, porque provocou oscilações violentas no clima que extrapolaram a capacidade de adaptação de muitos animais e plantas. Um artigo científico descrevendo os achados foi publicado na revista Science e coliderado pela Universidade de Bristol e pela Universidade de Geociências da China (Wuhan).
Aquecimento conjugado com oscilações no clima
Os cientistas há muito associam a extinção em massa do Permiano a enormes erupções vulcânicas no que hoje é a Sibéria. As emissões resultantes de dióxido de carbono aceleraram rapidamente o aquecimento climático, resultando em estagnação generalizada e no colapso dos ecossistemas marinhos e terrestres. Mas o mistério era o que causou o abalo na vida terrestre, incluindo plantas e insetos geralmente resilientes, de maneira tão severa.
O coautor principal do artigo, Dr. Alexander Farnsworth, da Universidade de Bristol, Reino Unido, explica: “O aquecimento climático por si só não pode causar extinções tão devastadoras porque, como estamos vendo hoje, quando os trópicos se tornam quentes demais, as espécies migram para latitudes mais frias e elevadas. Nossa pesquisa revelou que os gases de efeito estufa aumentados não apenas tornam a maior parte do planeta mais quente, mas também aumentam a variabilidade do clima e do tempo, tornando-o ainda mais 'selvagem' e difícil para a vida sobreviver.”
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A catástrofe Permiano-Triássica mostra que o problema do aquecimento global não é apenas uma questão de ficar insuportavelmente quente, mas também um caso de condições oscilando de maneira selvagem ao longo de décadas. “A maioria das formas de vida não conseguiu se adaptar a essas condições, mas felizmente algumas coisas sobreviveram, sem as quais não estaríamos aqui hoje. Foi quase, mas não exatamente, o fim da vida na Terra,” disse o coautor Yadong Sun, da Universidade de Geociências da China, Wuhan.
Como foi feito o estudo
A escala do aquecimento Permiano-Triássico foi revelada pelo estudo dos isótopos de oxigênio no material fossilizado dos dentes de minúsculos organismos extintos chamados conodontes. Ao estudar o registro de temperatura dos conodontes de todo o mundo, os pesquisadores conseguiram mostrar um colapso notável dos gradientes de temperatura nas latitudes baixas e médias. Farnsworth, que usou modelagem climática pioneira para avaliar os achados, disse: “Essencialmente, ficou quente demais em todo lugar. As mudanças responsáveis pelos padrões climáticos identificados foram profundas porque houve eventos de El Niño muito mais intensos e prolongados do que os testemunhados hoje. As espécies simplesmente não estavam equipadas para se adaptar ou evoluir rapidamente o suficiente.”
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Nos últimos anos, eventos de El Niño causaram grandes mudanças nos padrões de precipitação e temperatura. O período de 2023-2024 também foi um dos anos mais quentes já registrados globalmente devido a um forte El Niño no Pacífico, que foi ainda mais exacerbado pelo aumento do CO2 induzido pelo homem, causando secas e incêndios catastróficos ao redor do mundo. “Felizmente, tais eventos até agora duraram apenas um a dois anos de cada vez. Durante a crise Permiano-Triássica, o El Niño persistiu por muito mais tempo, resultando em uma década de seca generalizada, seguida por anos de inundações. Basicamente, o clima estava completamente descontrolado, e isso torna muito difícil para qualquer espécie se adaptar” disse o coautor Paul Wignall, Professor de Paleoambientes na Universidade de Leeds, na Inglaterra.
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“Incêndios florestais se tornam muito comuns se você tiver um clima propenso a secas. A Terra ficou presa em um estado de crise onde a terra estava queimando e os oceanos estagnando. Não havia onde se esconder”, acrescentou o coautor Professor David Bond, um paleontólogo da Universidade de Hull, Inglaterra. Os pesquisadores observaram que ao longo da história da Terra houve muitos eventos vulcânicos semelhantes aos da Sibéria, e muitos causaram extinções, mas nenhum levou a uma crise da escala do evento Permiano-Triássico.
Detalhando o tamanho dos estragos
Os cientistas do grupo descobriram que a extinção Permiano-Triássica foi tão diferente porque esses Mega-El Niños criaram um feedback positivo no clima que levou a condições incrivelmente quentes começando nos trópicos e depois além, resultando na morte da vegetação. As plantas são essenciais para remover CO2 da atmosfera, bem como a base da teia alimentar, e se elas morrem, também morre um dos mecanismos da Terra para impedir que o CO2 se acumule na atmosfera como resultado do vulcanismo contínuo. Isso também ajuda a explicar o enigma da extinção em massa Permiano-Triássica, em que a extinção em terra ocorreu dezenas de milhares de anos antes da extinção nos oceanos.
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“Enquanto os oceanos estavam inicialmente protegidos dos aumentos de temperatura, os mega-El Niños fizeram com que as temperaturas em terra superassem a tolerância térmica da maioria das espécies a uma taxa tão rápida que não puderam se adaptar a tempo”, explicou Sun. “Apenas as espécies que puderam migrar rapidamente puderam sobreviver, e não havia muitas plantas ou animais que pudessem fazer isso.”
As extinções em massa, embora raras, são o pulsar do sistema natural da Terra, reiniciando a vida e a evolução ao longo de caminhos diferentes. “A extinção em massa Permo-Triássica, embora devastadora, acabou levando ao surgimento dos dinossauros como a espécie dominante posteriormente, assim como a extinção em massa Cretácea levou ao surgimento dos mamíferos e dos humanos”, explicou Farnsworth.
Entender o mecanismo que desencadeou a extinção em massa do Permiano pode ajudar a dimensionar a importância de tomar atitudes enquanto é tempo, explicam os cientistas. Embora os eventos de 252 milhões de anos atrás tenham sido ligados a fenômenos naturais como o vulcanismo, a crise climática atual tem relação com ações humanas. Entender a gravidade e rapidez das mudanças ajuda a que sejam redobrados esforços para reverter os estragos que estão sendo produzidos pela humanidade.
(Com informações de ScienceDaily)