Em um dia comum, uma mulher comum apresentou-se a um ambulatório de psiquiatria contando que, há dois anos, sofria com um medo mórbido de engravidar.
“Quando começou?” – Perguntou o médico.
“2 anos após o casamento”, disse Ana (nome fictício) e, logo em seguida, contou que procurou um ginecologista por causa de irregularidade menstrual, buscando tirar dúvidas sobre as possíveis complicações de uma gravidez.
Uma amiga próxima havia lhe contado que, após o parto, desenvolveu uma fístula anal, e isso lhe deixou completamente assustada e desesperada.
Ao perguntar ao médico se isso poderia acontecer com ela, a resposta foi positiva, juntamente com a explicação de que casos como esse são comuns e facilmente resolvidos, que já existe tratamento de fístula anal com laser e que ela não precisaria se preocupar.
Dali para frente, ela não conseguiria ouvir mais nada de positivo que o médico lhe dissesse e só daria atenção a palavras assustadoras a respeito das possíveis complicações de uma gravidez, como ter um feto deformado, mudança na figura corporal, eclâmpsia, cesariana e até mesmo a morte.
Aquela consulta havia mudado a vida de Ana. Ela desenvolveu um medo excessivo de engravidar.
Ao ser informada de que nenhum método anticoncepcional é totalmente protetor, passou a evitar contato sexual com o marido.
Ao interromper todas as atividades sexuais, gradualmente desenvolveu comportamento depressivo, sentimentos de desesperança, desamparo, inutilidade, dificuldade em adormecer, crises de choro, perda de apetite e ideação suicida.
Ela também começou a ter menos interação com o marido, pais e outros parentes.
Mesmo após ser aconselhada por familiares e dois obstetras, não conseguia se livrar do medo da gravidez.
Não havia histórico passado ou familiar de transtorno de humor, esquizofrenia, epilepsia ou dependência de drogas. Seus sinais vitais, exames de rotina e exame físico estavam normais, mas sua vida, definitivamente, não estava.
O que poderia estar acontecendo com Ana?
Embora possa parecer uma “historinha”, o relato acima é real e, embora este assunto não seja frequentemente abordado, o pavor relacionado à gravidez existe, tem nome, é mais comum do que a maioria das pessoas ousaria imaginar e pode causar danos irreversíveis à vida de uma mulher.
Tocofobia
A tocofobia, medo extraordinário de engravidar, atinge 14% das mulheres, afetando, diretamente, suas relações amorosas, sexuais e, ainda, suas autoestimas, autoconfianças, e diversos outros aspectos relevantes para uma vida plena e feliz.
Entre cada dez mulheres, pelo menos uma sofre de tocofobia
Muitas, no entanto, não sabem disso, e podem vir a descobrir no pior momento possível: durante a gravidez.
Nessas horas, a rede de apoio se torna essencial para que a mulher consiga viver a gestação de forma saudável.
O pré-natal precisa ir além dos procedimentos padrão e oferecer à gestante assistência psicológica e psiquiátrica, pois o assunto, apesar de extremamente ignorado pela sociedade, é sério.
Grupos de apoio virtuais e comunidades de relacionamentos entre Mães, como o portal Mãe Experiente, que compartilha experiências e dicas de maternidade, também podem ajudar a mulher a lidar com a fobia.
Saúde da Mulher
Acima de cada caso individual, é preciso que exista uma abordagem ampla sobre a tocofobia, envolvendo políticas públicas que abracem toda a sociedade.
A saúde sexual da mulher não pode se referir apenas à contracepção e à prevenção dos cânceres de colo do útero e de mama.
A tocofobia pode levar mulheres a tentativas (e efetivação) de abortos que não aconteceriam se o problema fosse conhecido, abordado e tratado da forma correta.
Muitas vezes, embora a sociedade não esteja pronta para compreender, a mulher não é uma vilã, mas uma pessoa que está passando por uma questão que requer acompanhamento de especialistas médicos (psicólogo e psiquiatra) para ter condições de lidar com uma gravidez.
Assim como uma pessoa não escolhe ter ou não claustrofobia, a mulher que sofre com tocofobia, também não tem escolha.
Leve Começo
Embora o tema deste artigo esteja distante de se tornar conhecido, é preciso reconhecer que as mídias sociais têm ajudado muito a desmistificar a gravidez e dado voz aos dramas vividos por inúmeras mulheres tocofóbicas.
Com ajuda de influencers e, esporadicamente, de alguma empresa de marketing digital, as mulheres que sofrem de tocofobia estão conseguindo compreender suas emoções e sensações em relação à gravidez.
Ressaltando, mais uma vez, que, nem toda mulher que não quer ter filhos, tem tocofobia e vice-versa.
Uma mulher tocofobica pode sonhar e desejar ser mãe, muito mais que outras mulheres que não sofrem com o mesmo dilema. O que elas temem não é a convivência com um filho, é, apenas, a gravidez.
Muitas delas são mães adotivas de mais de uma criança ou, ainda, acabam criando uma relação maternal com netos,sobrinhos, afilhados, irmãos ou enteados.
Não há aversão à criança, há fobia da gestação.
A próxima vez que uma amiga, namorada ou esposa demonstrar pavor pelo tema, talvez seja útil oferecer apoio ao invés de lançar uma frase como “o dia que acontecer, você vai amar”, “conheço uma pessoa que era como você e hoje tem três filhos”…
Respeitar é o primeiro passo e, aos que se interessarem, buscar compreender é o segundo.
Para as mulheres tocofóbicas, fica a mensagem de apoio e a sugestão para que procurem ajuda médica psiquiátrica, não para que estejam prontas e dispostas à engravidar, mas apenas para que se livrem do pavor e que possam viver suas vidas com mais leveza e tranquilidade.
Tocofobia tem tratamento e ninguém deve viver uma vida com medo. Se cuide.
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