COMPROVA
Texto repete afirmações falsas de médico norte-americano para criar temor sobre vacinas contra covid-19
Última atualização: 07/03/2024 15:16
É falso um texto que viralizou no Twitter e que relaciona imunização a aumento de casos de infertilidade ou incidência de tumores. Não há embasamento científico nesta tese, já que os imunizantes tiveram sua segurança comprovada em estudos clínicos. Além disso, o conteúdo exagera na relevância atribuída ao médico norte-americano citado.
Conteúdo investigado: Postagem do site Jornal Tribuna Nacional com o título “O melhor patologista do mundo adverte que centenas de milhões de vacinados estão contraindo câncer e se tornando inférteis”, sobre falas do médico norte-americano Ryan Cole acerca dos supostos efeitos das vacinas de RNA mensageiros (mRNA) contra covid-19. O texto é uma reprodução do site The Exposè.
Onde foi publicado: Site do Jornal Tribuna Nacional e Twitter.
Conclusão do Comprova: É falso o conteúdo de um texto publicado pelo site Tribuna Nacional, que viralizou no Twitter, no qual o autor reproduz afirmações do médico patologista norte-americano Ryan Cole de que o uso de vacinas de RNA mensageiros (mRNA), como algumas das utilizadas contra a covid-19, provocaria um aumento de casos de câncer e infertilidade. Não há comprovação científica sobre essa relação.
Em abril deste ano, o Ministério da Saúde desmentiu que as vacinas causem infertilidade. Estudo feito com homens norte-americanos entre 18 e 50 anos vacinados contra a covid-19 não mostrou alteração na contagem de espermatozoides, diferentemente do que afirma o texto checado. O que existem são estudos que mostram efeitos negativos no sistema reprodutor de homens que se infectaram e morreram de covid.
Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), não há evidência alguma de que vacinas causem câncer. “As vacinas são um dos principais métodos de prevenção de doenças infecciosas e não são causadoras de doenças”, disse o instituto em nota. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) também ressaltou ao Comprova que a relação entre a vacina contra a covid-19 e problemas de saúde graves como câncer e infertilidade não tem qualquer embasamento científico.
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), agência do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, também ressalta que não há evidências de que as vacinas causem infertilidade em homens ou em mulheres. Inclusive, recomenda a vacinação para pessoas que desejam ter filhos.
O site brasileiro traduziu o texto de um site inglês que já foi banido do Twitter por publicar desinformação sobre a covid-19.
O Comprova classifica como falso o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O texto verificado aqui foi compartilhado no Twitter por pelo menos sete contas diferentes. Em uma delas, a postagem teve 73,5 mil visualizações até o dia 5 de maio.
Como verificamos: Buscamos informações a respeito do médico patologista Ryan Cole e questionamos a Sociedade Brasileira de Patologia (SBP) a respeito do título de “melhor patologista do mundo”. A pesquisa relacionada ao nome do médico gerou registros em sites internacionais que atribuem a ele informações similares a respeito de uma suposta relação entre as vacinas contra a covid-19 e doenças como câncer, infertilidade e coágulos sanguíneos.
Com isso, buscamos informações junto ao Inca e à Anvisa para checar se havia correspondência científica nas afirmações de Cole traduzidas pelo texto aqui investigado. Também buscamos informações no Ministério da Saúde sobre a relação da vacina de mRNA contra covid-19 com casos de infertilidade.
Vacina não causa infertilidade e nem câncer
Segundo o Ministério da Saúde, uma pesquisa da Universidade de Miami refutou a relação das vacinas contra a covid-19 baseadas em mRNA com a infertilidade. A pesquisa, publicada na revista científica Jama, ocorreu com homens entre 18 e 50 anos que receberam as duas doses do imunizante, e o estudo constatou que os pacientes vacinados não tiveram alteração na contagem de espermatozoides.
Por outro lado, o não uso do imunizante, ao facilitar a propagação da covid-19, pode causar impacto no sistema reprodutor masculino. “A pesquisa do Programa de Urologia Reprodutiva da Universidade de Miami realizou autópsias em 6 homens que morreram de covid-19. Os cientistas verificaram a presença do vírus no testículo de um deles e a redução na contagem de espermatozoides de outros três.”
O ministério cita ainda uma pesquisa feita pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), que avaliou 26 pacientes com idades entre 18 e 55 anos com casos leves e moderados de covid-19. Os pacientes não se queixavam de dores escrotais e, mesmo assim, 42,3% deles apresentaram epididimite. “Essa inflamação atinge os epidídimos, estruturas responsáveis parte do processo de maturação, às vezes do armazenamento e também do transporte dos espermatozoides”, explica.
Além disso, o autor do artigo desinformativo afirma que as doenças citadas são causadas pela “proteína Spike”, supostamente responsável pelo desenvolvimento de câncer e de coágulos sanguíneos. Porém, como a Anvisa ressaltou, “a vacina induz imunidade celular e produção de anticorpos neutralizantes contra o antígeno spike (S)”. É dessa forma, inclusive, que protege contra a covid-19. O Inca também confirma que não há qualquer comprovação científica que relacione aumento de casos de câncer com a vacinação.
A Anvisa esclareceu ainda que a maioria dos eventos adversos identificados após a vacinação contra a covid-19 não é grave, e está normalmente relacionada a efeitos no local da aplicação, como dor e inchaço, ou eventos de curta duração, como ocorrência de febre e indisposição. Essa informação está disponível na bula dos imunizantes.
Origem do texto
A publicação do Tribuna Nacional é uma reprodução do texto “Top pathologist confirms cancer, infertility & strange blood clots are common side effects of covid-19 vaccination”, do site britânico The Exposè. Esse mesmo site já foi objeto de outra checagem feita pelo Comprova.
No entanto, o site, criado em novembro de 2020, é reconhecido internacionalmente por propagar conspirações e desinformações sobre a covid-19. Ele é escrito pelo mecânico britânico Jonathan Allen-Walker e se tornou famoso por um dos seus artigos, reproduzido pelo Before It’s News. O site foi citado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como fonte para relacionar as vacinas contra covid-19 com a incidência de AIDS. Em dezembro do ano passado, a Polícia Federal concluiu que Bolsonaro cometeu crime ao fazer tal relação.
Em 2021, o Twitter suspendeu a conta principal do The Exposè, que criou contas alternativas para evitar o banimento. A startup britânica Logically, especializada em combater e analisar a desinformação, descreveu o The Exposè como um site que promove um portfólio de mitos negacionistas da covid-19 e anti-vacina. O mesmo site é responsável por difundir desinformação sobre a origem da covid-19, composição da vacina e estatísticas relacionadas à doença.
Quem é Ryan Cole
O médico estadunidense Ryan Cole é dermatopatologista e trabalha de forma independente desde 2004. É fundador e atua como CEO do laboratório Cole Diagnostics, que realiza serviços de laboratório clínico e patologias. Ele participa da Associação de Médicos Independentes do estado norte-americano de Idaho.
A entidade é um grupo formado desde 2013 por profissionais de saúde que realizam práticas médicas próprias, com “liberdade de diagnosticar e tratar sem sobrecarga de interesses potencialmente conflitantes”, segundo o site da organização. “Somos uma organização de médicos independentes em Idaho. Donos de nossas clínicas, portanto, livres para nos juntar a nossos pacientes na escolha de suas melhores opções de cuidados de saúde”, diz o site, em tradução livre.
Cole já havia questionado a eficácia e segurança das vacinas contra a covid-19. Por três vezes suas declarações sobre o assunto foram checadas e desmentidas pela FastCheck.Org. Em janeiro deste ano, foi aberta uma declaração de acusação contra a licença do médico no estado de Washington por suas declarações falsas ou enganosas sobre a covid-19.
“Melhor patologista do mundo”
A Sociedade Brasileira de Patologia informa que as informações dadas pelo médico Ryan Cole sobre as vacinas de mRNA são inverídicas. “Em consulta a bases de dados, não foram encontradas pesquisas publicadas em nome dele sobre o tema”, confirmou. Sobre ser considerado o melhor patologista do mundo, a SBP reforça que não existe um ranking mundial de patologistas.
Segundo a entidade, “eventualmente entidades da área em todo o mundo promovem homenagens e condecorações de reconhecimento a médicos patologistas de destaque”. Em uma pesquisa no Google sobre condecorações a patologistas mundiais, a maior referência é da revista The Pathologist, com sedes no Reino Unido e nos Estados Unidos. Eles publicam anualmente uma lista de profissionais influentes na área.
Em 2015, a lista foi feita entre os patologistas para definir qual seria o mais influente da área e o escolhido foi o português Manuel Sobrinho Simões. Em nenhuma das listas anuais da revista o médico Ryan Cole é citado em qualquer categoria.
Com relação à atuação do profissional médico com especialização em patologia, a SBP reitera que, em geral, “é responsável pelo laudo anatomopatológico de exames realizados em biópsias ou peças cirúrgicas, atuando em laboratórios, hospitais e universidades”.
“Este profissional é quem diagnostica o câncer, definindo se um tumor é maligno ou benigno. Com base nesses laudos, clínicos e cirurgiões que acompanham os pacientes podem decidir entre as opções de tratamento. Eventualmente, os clínicos examinam com os patologistas os detalhes técnicos específicos dos laudos e, em alguns casos, discutem opções de tratamento”, informa a entidade médica.
O que diz o responsável pela publicação: O Tribuna Nacional afirma que a publicação ocorreu porque entende que é preciso “mostrar também o outro lado da moeda e não apenas seguir o que alguns ditam como regra e o restante copia, pois estão estourando muitos casos com efeitos adversos e os meios de comunicação não estão divulgando”- embora não haja embasamento para fazer tal afirmação. Ele complementa que o texto foi publicado originalmente no The Exposè, o qual considera “internacional e confiável”.
O que podemos aprender com esta verificação: Desinformadores com frequência utilizam materiais falsos traduzidos de outras línguas e citando supostos especialistas de outros países para dar a impressão de credibilidade ao conteúdo falso. Da mesma forma, utilizam termos técnicos, gráficos e imagens desconhecidos da maior parte da população para confundir o leitor. Uma estratégia que pode ser observada neste caso é o uso de dados imprecisos sem a fonte. No título o autor diz que “centenas de milhões de vacinados” estariam sendo prejudicados. Não há no texto a origem desse dado.
Outro ponto a ser notado no texto em questão como estratégia de desinformação é a citação de alguma autoridade como a “melhor do mundo” ou algum título atribuído de maneira genérica, com o interesse de dar peso ao informante. Por isso, é necessário sempre desconfiar de textos chamativos que conclamam alguém desconhecido da maior parte da população como uma pessoa de referência em determinada área.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: As desinformações realizadas pelo médico Ryan Cole já foram alvo de diversas verificações em todo o mundo desde 2020. Em 2021, o Projeto Comprova já havia considerado como enganosa sua afirmação sobre o aumento de casos de câncer após o uso da vacina contra covid-19. Outras agências, como a FactCheck.org e a Fato ou Fake, do G1, também já realizaram checagens sobre falas do médico.