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PROJETO COMPROVA: Biden não disse que Lula deveria se preocupar com comida para brasileiros em vez da guerra

Publicado em: 20/10/2023 16:58
Última atualização: 26/12/2023 15:47

Enganoso: Post engana ao afirmar que Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, teria dito ao presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que ele deveria se preocupar em colocar comida nas mesas dos brasileiros, em vez de se preocupar com a guerra. A mensagem viralizou durante os embates entre os dois líderes a respeito da guerra entre Hamas e Israel. Há uma afirmação parecida, feita por um conselheiro de Biden em abril deste ano, no contexto da guerra entre Rússia e Ucrânia.


Biden não disse que Lula deveria se preocupar com comida para brasileiros Foto: Comprova



Conteúdo investigado: Vídeo no TikTok traz uma foto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, com os dizeres “Biden manda indireta para Lula e diz que ao invés dele se preocupar com a guerra ele deveria era se preocupar em por comida na mesa dos brasileiros”.

Onde foi publicado: TikTok, Instagram e YouTube.

Conclusão do Comprova: Um vídeo que viralizou após o início da guerra entre o grupo palestino Hamas e Israel engana ao afirmar que o presidente americano, Joe Biden, teria dito a Lula para se preocupar em colocar comida nas mesas dos brasileiros, e não com a guerra.

Houve um pronunciamento similar feito por um conselheiro do chefe de Estado americano em abril de 2023, mas tratava-se de uma resposta ao posicionamento de Lula a respeito da guerra na Ucrânia. Na ocasião, Juan Gonzalez, diretor sênior de Hemisfério Ocidental do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, disse: “se perguntar a um brasileiro na rua qual é a opinião dele sobre a Ucrânia, ele diria que está pensando mais em colocar comida na mesa, nas chances de educação e oportunidades econômicas, do que no que alguns deles veem como um conflito na Europa que ocorre há 300 anos”.

A busca no Google pelas palavras-chave citadas na postagem, como “comida” e “guerra”, associadas aos nomes dos dois presidentes, não retornou qualquer resultado que confirmasse uma alegação recente a esse respeito. O resultado mais próximo a esse sentido é uma reportagem da Folha de S.Paulo, de abril de 2023, citando a fala de Juan Gonzalez.

As palavras-chave também foram pesquisadas em inglês e o retorno mais substancial da busca é sobre um encontro entre os dois presidentes, em 20 de setembro, em Nova York, quando ambos evitaram falar da guerra entre Rússia e Ucrânia e quando o ataque a Israel ainda não havia ocorrido.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O post aqui verificado teve até 20 de outubro 724 mil visualizações no TikTok, 17,4 mil curtidas, além de receber 2,6 mil comentários e ser compartilhado mais de 3,8 mil vezes. No Instagram, a postagem teve mais 255 reações. No YouTube, foram 80 mil visualizações, 1 mil curtidas e 199 comentários.

Como verificamos: Utilizando o Google, buscamos combinações das palavras-chave supostamente ditas por Joe Biden, junto do nome dele e do presidente Lula. Enviamos e-mail para a Casa Branca, para a Embaixada dos Estados Unidos no Brasil e para o Ministério das Relações Exteriores brasileiro. Consultamos notícias relacionadas ao conflito entre Hamas e Israel e ao posicionamento do governo brasileiro sobre ele. Também buscamos o perfil responsável pela publicação em outras redes e encontramos contas no Kwai, Instagram e YouTube. Por fim, entramos em contato com o autor.

Biden não disse que Lula deveria se preocupar em pôr comida na mesa dos brasileiros

Uma busca no Google com as palavras-chave “guerra” e “comida”, associadas aos nomes dos presidentes Joe Biden e Lula, em português, não localizou qualquer notícia relacionada à alegação feita no post. O resultado mais próximo encontrado é uma reportagem da Folha de S.Paulo, de abril de 2023, quando uma declaração do presidente Lula a respeito de um suposto interesse dos Estados Unidos em incentivar a guerra entre Rússia e Ucrânia repercutiu no país norteamericano.

Na ocasião, o diretor sênior de Hemisfério Ocidental do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, Juan Gonzalez, um dos principais conselheiros do presidente americano, Joe Biden, disse que países como o Brasil estão longe do conflito e, portanto, essa não era uma preocupação prioritária de seus cidadãos. Conforme ele, “se perguntar a um brasileiro na rua qual é a opinião dele sobre a Ucrânia, ele diria que está pensando mais em colocar comida na mesa, nas chances de educação e oportunidades econômicas, do que no que alguns deles veem como um conflito na Europa que ocorre há 300 anos”.

Gonzalez acrescentou que todos que assinaram a Carta da ONU têm responsabilidades e que países como o Brasil, que desempenham um papel de liderança pela paz, são bem-vindos, mas que a ideia de que os EUA não apoiam a paz ou têm algo a ver com o início da guerra não tem relação com os fatos. “Passamos todo o ano de 2021 tentando evitar que a guerra acontecesse e temos apoiado a paz”, declarou.

A mesma pesquisa por palavras-chave, mas feita em inglês, também não retorna declaração do presidente norte-americano no sentido alegado nas redes sociais. Os resultados mais recentes estão relacionados à notícia do encontro entre os presidentes, em 20 de setembro, em Nova York, durante a Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU). Na ocasião, os dois evitaram falar sobre as diferenças entre os posicionamentos de ambos acerca da guerra entre Rússia e Ucrânia (PBS, AP News e ABC News). O conflito entre Hamas e Israel ainda não havia iniciado.

O Comprova procurou a Casa Branca, a Embaixada dos Estados Unidos no Brasil e o Ministério das Relações Exteriores, mas não recebeu respostas até o momento.

Como o Brasil se posiciona em relação ao conflito na Faixa de Gaza

O conteúdo aqui checado circula amplamente durante o conflito entre Hamas e Israel, dando a entender que Biden poderia ter criticado Lula sobre este assunto. O governo brasileiro, que apoia a criação de um estado palestino e a manutenção de Israel, estabelecido em 1948, tem defendido que as partes cessem ataques e que seja retomada uma negociação de paz.

Como presidente do Conselho de Segurança da ONU, o país já convocou mais de uma reunião sobre o assunto e tenta aprovar uma proposta que minimize a crise humanitária na região da Faixa de Gaza. Em 18 de outubro, foi votada a primeira, que defendeu pontos como a libertação imediata e incondicional dos reféns israelenses, a proteção de civis e da infraestrutura, a criação de um corredor humanitário, a saída segura de civis e a proteção de pessoal de assistência humanitária, além de condenar todas as formas de violência contra civis, incluindo os atos do Hamas.

A proposta recebeu 12 votos favoráveis, mas acabou vetada pelos Estados Unidos, um dos integrantes permanentes do conselho.

Conforme a embaixadora norte-americana, Linda Thomas-Greenfield, o motivo foi a resolução não mencionar claramente o direito de Israel de se defender. Já o embaixador do Brasil na ONU, Sergio Danese, disse que houve um esforço para acomodar posições diferentes e até opostas, com foco na situação humanitária. A partir disso, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou que é preciso aguardar a evolução dos fatos e ver se há condição de apresentar nova proposta, diferente da atual.

No dia dos ataques do Hamas a Israel, em 7 de outubro, o governo brasileiro publicou nota condenando os atos e manifestando solidariedade ao povo de Israel, reiterando o compromisso com a solução de dois Estados, com Palestina e Israel convivendo em paz e segurança, dentro de fronteiras mutuamente acordadas e internacionalmente reconhecidas.

No mesmo dia, no X (antigo Twitter), Lula disse ter ficado chocado com os ataques terroristas, expressou condolências aos familiares das vítimas e reafirmou o repúdio ao terrorismo em qualquer de suas formas. Ele defendeu, ainda, a retomada das negociações que conduzam a uma solução ao conflito e que garanta a existência de um Estado Palestino economicamente viável, convivendo pacificamente com Israel.

No dia 11, Lula publicou na mesma plataforma uma carta aberta ao secretário-geral da ONU, António Guterres, e à comunidade internacional, na qual fez um apelo em defesa das crianças palestinas e israelenses. No post, ele diz ser preciso que o Hamas liberte crianças israelenses sequestradas e que Israel cesse o bombardeio para que as crianças palestinas e suas mães deixem a Faixa de Gaza.

Após a oposição criticar a postura do governo brasileiro, que não classifica o Hamas como grupo terrorista, Mauro Vieira disse, em 18 de outubro, que não adotará a classificação até que a ONU o faça, posicionamento acatado historicamente pelo Brasil em relação a assuntos dessa natureza.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com o autor da publicação via mensagem no Instagram, mas não obteve resposta.

O que podemos aprender com esta verificação: Uma tática usada pelos agentes de desinformação é o uso de declarações de autoridades sem a indicação da fonte. Neste caso, uma declaração com esse teor teria grande repercussão na mídia. É preciso sempre consultar veículos de comunicação de sua confiança e órgãos oficiais para atestar a veracidade da informação.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Recentemente, o debate em torno da guerra entre Hamas e Israel, e o papel do Brasil no conflito, tem gerado desinformação. O Comprova já verificou que Lula depositou flores no Museu do Holocausto, ao contrário do que alega vídeo, que o Brasil doou R$ 25 milhões à Autoridade Palestina para ajuda humanitária, e não ao grupo terrorista e que o governo brasileiro assinou acordo de cooperação técnica com Autoridade Palestina, não com o Hamas. As relações diplomáticas do governo Lula também são constantemente alvo de desinformação. O Comprova checou que é falso que Lula não tenha sido convidado para evento de líderes promovido por Biden e que vídeo de projeção em prédio de Nova York com frase de apoio a Lula é de 2022.

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