(Atualização: No dia 7 de agosto de 2023, o Banco Central divulgou que a moeda digital brasileira se chamará “Drex”. “A solução, anteriormente referida por Real Digital, propiciará um ambiente seguro e regulado para a geração de novos negócios e o acesso mais democrático aos benefícios da digitalização da economia a cidadãos e empreendedores”, completou a autarquia em nota à imprensa.)
Comprova Explica: Em agosto de 2020, o Banco Central organizou um grupo de trabalho para estudar a emissão de uma moeda digital brasileira, o chamado Real Digital. O projeto está nos trâmites para iniciar a fase de testes, com experimentação planejada até 2024, mas sem data de lançamento. O ativo é tema recorrente de vídeos que circulam nas redes sociais em canais financeiros que associam o termo ao mercado de criptomoedas e levantam a possibilidade do sequestro de recursos das contas bancárias. Este Comprova Explica esclarece o que é o Real Digital e como ele irá funcionar.
Conteúdo analisado: Postagem em uma rede social afirma que o Banco Central divulgou o código do Real Brasil e que o país terá uma criptomoeda. A publicação diz que o BC poderá “congelar os saldos das contas, aumentar ou diminuir essas contas, movê-las entre como quiserem e destruir dinheiro caso queiram”.
Comprova Explica: Dúvidas sobre o projeto do Banco Central (BC) sobre o Real Digital têm alimentado uma série de teorias na internet. Muitas delas dizem que essa seria uma nova “criptomoeda centralizada”, além de uma suposta tentativa do governo para “controlar” o dinheiro das pessoas e fazer movimentações nas contas sem autorização.
A moeda digital brasileira ainda está entrando na fase de testes e, segundo o BC, seguirá sob experimentação em 2024. Ainda não existe data para seu lançamento. Entretanto, especialistas do mercado financeiro e publicações do próprio banco dão materiais suficientes para esclarecer informações sobre a moeda e auxiliar o leitor na interpretação desses dados.
Como verificamos: O Comprova consultou o site do próprio Banco Central, com foco na seção de perguntas e respostas sobre o Real Digital. Outras seções, sobre o bloqueio de contas e sobre o funcionamento do SISBAJUD também foram consultadas. A verificação também entrou em contato com a comunicação do Banco Central e consultou José Artur Ribeiro, CEO da Coinext, Denise Cinelli, Country Manager da CryptoMarket, e Antônio Carlos Bertucci, coordenador do curso de pós-graduação em Mercado de Capitais da PUC Minas.
O que é o Real Digital?
O Banco Central explica em seu site oficial que o Real Digital não é um criptoativo, como são o bitcoin e o etherium. Na verdade, ele pertencerá a uma nova categoria, chamada CBDC (do inglês Central Bank Digital Currencies; a sigla pode ser traduzida para o português como “moedas digitais de banco central”).
Como o nome indica, uma CBDC é a versão digital da moeda soberana de um país, que só pode ser emitida por autoridades monetárias (os bancos centrais). A moeda será produzida e regulada pelo Banco Central seguindo as regras do Sistema Financeiro Nacional (SFN) e a política monetária brasileira. Um Real Digital irá equivaler a um real físico.
Ainda de acordo com a autarquia, bancos centrais de diferentes países já estão estudando aspectos operacionais e tecnológicos de um possível sistema de CBDC para suas próprias moedas. Aqui vale destacar que não há registro de planos para criação de uma moeda digital “universal”.
Cerca de nove países já lançaram suas CBDC e outros 71 países, incluindo o Brasil, já estão estudando a sua própria moeda digital. Alguns deles, como a Suécia, a China e a Coreia do Sul, estão em fase de execução dos projetos- piloto. Pelo que foi divulgado pelo BC até o momento, a ideia é que a CBDC brasileira seja uma alternativa ao uso de cédulas. A princípio, o Real Digital poderá ser convertido para qualquer outra forma de pagamento hoje disponível, como depósito bancário convencional ou real físico.
O Banco Central explicou também que uma das diretrizes para o desenvolvimento de um Real em formato digital é a “interoperabilidade”, ou seja, a comunicação entre o Real Digital e outros meios de pagamento hoje disponíveis à população.
Será possível, por exemplo, fazer pagamentos em lojas, através do prestador de serviço de pagamentos – banco, IP ou outra instituição que venha a ser autorizada pelo BC, ou mesmo através do Pix. Ainda conforme a instituição, as pessoas poderão também “transferir Reais Digitais para outras pessoas, transformar seus Reais Digitais que estarão em custódia de um banco em depósito bancário convencional, sacar seus Reais Digitais passando para o formato físico, pagar contas, boletos e impostos”. Na prática, o objetivo é que a população possa movimentar seus Reais Digitais da mesma forma que movimentaria os recursos hoje depositados nos bancos.
A autarquia esclarece que o uso do Real Digital pelas pessoas será opcional e que não há perspectiva de obrigatoriedade de seu uso. “Desta forma, nos pagamentos cotidianos as pessoas poderão optar pelos meios convencionais, uma vez que o real físico não deixará de existir”, explicam.
Atualmente, o BC está iniciando a fase de testes com o Real Digital. Em julho, já foi anunciada a colaboração de empresas como Caixa, Microsoft e Elo para a realização de simulações com a CBDC brasileira. De acordo com o E-investidor, a previsão é que, até meados de agosto, empresas, usuários e instituições selecionadas para participarem do projeto-piloto estejam prontos para se conectarem à plataforma de testes. A expectativa é que os primeiros ensaios com o Real Digital comecem só em setembro e continuem em 2024. Segundo o próprio Banco Central, os exercícios da fase piloto acontecerão em ambiente simulado, sem envolver transações ou valores reais.
O que são criptomoedas
Criptomoedas são ativos virtuais que utilizam criptografia para garantir a segurança das transações e controlar a criação de novas unidades. Elas são descentralizadas, ou seja, não são controladas por nenhum governo ou instituição financeira central. É o que explica o CEO da Coinext, José Artur Ribeiro.
Sua análise é que o Real Digital não pode ser considerado uma criptomoeda, por ser uma versão digital da moeda oficial do Brasil, o real, emitida e controlada pelo Banco Central. Diferentemente das criptomoedas, o Real Digital é centralizado.
Ele aponta que há semelhanças entre as duas moedas, como as duas serem digitais e utilizarem tecnologia blockchain para facilitar as transações financeiras, inclusive na utilização de contratos inteligentes para liquidação de transações. Elas, no entanto, apresentam divergências pelo Real Digital ser emitido por uma instituição estatal, assim como a moeda física em circulação.
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O próprio Banco Central, por meio de nota, vídeos institucionais e informações alocados em seu site oficial, ressalta que o Real Digital não é uma criptomoeda e sim uma nova representação da moeda brasileira.
O mercado de criptomoedas começou a ganhar esboço com o lançamento da Bitcoin, datada de 2008. A moeda se baseia na chamada Prova de Trabalho, um tipo de algoritmo para gerar Bitcoin, processo que ganhou o nome de mineração.
Denise Cinelli, Country Manager da CryptoMarket, explica que o acesso de brasileiro às compras desse tipo de moeda só se popularizou entre 2011 e 2013: “Costumo dizer que as criptomoedas chegaram para o mundo tudo de uma vez só na verdade, porque a criptomoeda não tem divisa, elas chegaram na internet no momento em que foram lançadas, agora os brasileiros começaram a ter acesso a criptomoedas em 2013”.
O Marco Legal das Criptomoedas entrou em vigor no dia 20 de junho e o BC foi instituído como autoridade responsável por regular as atividades das prestadoras de serviços de ativos virtuais no Brasil. Será aberta uma consulta pública em que as empresas poderão dar sugestões (CNN, EBC).
A Lei 14.478/22 estabeleceu as condições e prazos para a adequação às novas regras por parte das prestadoras de serviços de ativos virtuais, as chamadas “corretoras de criptoativos”. Estas poderão prestar exclusivamente o serviço de ativos virtuais ou acumulá-lo com outras atividades, na forma da regulamentação a ser editada.
Entre as atribuições do órgão regulador estão: autorizar o funcionamento e a transferência de controle das corretoras; supervisionar o funcionamento delas; cancelar, de ofício ou a pedido, as autorizações; e fixar as hipóteses em que as atividades serão incluídas no mercado de câmbio ou deverão se submeter à regulamentação de capitais brasileiros no exterior e capitais estrangeiros no País.
Decisão judicial
Ainda não lançado, o projeto é desenvolvido pelo Banco Central, que não tem autonomia para bloquear ou alterar saldos bancários sem uma decisão judicial. Em contato com o Comprova, a instituição explicou que os serviços que serão construídos na plataforma deverão “cumprir todos os requisitos legais aplicáveis ao SFN, inclusive quanto aos aspectos de segurança e privacidade”.
“Os processos relatados no vídeo já ocorrem atualmente no Sistema Financeiro Nacional (SFN)”. Atualmente, o Banco Central comunica ao sistema as determinações do Poder Judiciário de bloqueio/desbloqueio de contas bancárias. O Banco Central afirmou que “poderá ser feita a mesma coisa no ambiente do Real Digital”.
“Nada de novo, portanto. A competência para emitir tais determinações é privativa do Poder Judiciário. Não há hipótese de o Banco Central bloquear/desbloquear ativos ou alterar saldos sem uma determinação da Justiça. Isso seria ilegal”.
Em sua página de perguntas e respostas, o Banco Central ressalta não ter poder para bloquear ou desbloquear contas diretamente. Por determinação judicial, o bloqueio pode ser feito pelo Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário (SISBAJUD). Nesses casos, o Poder Judiciário se comunica diretamente com as instituições financeiras com suas ordens judiciais.
A partir de setembro de 2020, o SISBAJUD sucedeu o Bacen Jud como o sistema de comunicação eletrônica entre o Poder Judiciário e instituições financeiras e demais entidades autorizadas a funcionar pelo BC.
A gestão do SISBAJUD é feita pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a quem compete os assuntos de administração técnica, operacionalização e serviços de suporte.
Antônio Carlos Bertucci, coordenador do curso de pós-graduação em Mercado de Capitais da PUC Minas, aponta que há legislações específicas que limitam o controle do Banco Central nas contas bancárias dos usuários. São elas:
- O artigo 192 da Constituição Federal, que determina que o Banco Central do Brasil deve ser uma autarquia federal, com autonomia administrativa, patrimonial, financeira e de gestão de recursos humanos.
- A Lei Complementar nº 101/2000, que estabelece normas para a responsabilidade na gestão fiscal, limitando o endividamento e os gastos públicos, o que, por consequência, limita o poder de controle do Banco Central sobre o dinheiro público.
- A Lei Complementar nº 179/2021, que estabelece o novo marco legal do Banco Central, define limites para as competências e a atuação do órgão, garantindo a transparência e a prestação de contas.
- A Lei Complementar nº 105/2001, que assegura o sigilo das informações financeiras dos clientes das instituições financeiras, exceto em casos previstos em lei, o que protege a privacidade dos dados bancários das pessoas.
- “O Banco Central não tem como aumentar, diminuir ou congelar ativos das pessoas, como por exemplo contas bancárias, propriedades, investimentos, entre outros. São tratados pelo Poder Judiciário, que é responsável por interpretar e aplicar as leis e, quando necessário, resolver disputas legais entre as partes. Se houver preocupações sobre os ativos das pessoas relacionadas às ações do Banco Central, o Poder Judiciário poderá ser acionado”, explica o especialista.
“A Instituição não pode agir sem justificativa legal e há proteções para se evitar a destruição de ativos em qualquer intervenção”, explica Bertucci. “Essas medidas são tomadas com base na legislação e regulamentação vigentes, e normalmente são aplicadas apenas em situações de emergência”, completa.
Ele avalia que sim, será possível que haja um aumento no controle sobre o dinheiro das pessoas. Isso porque, por ser emitida pelo Banco Central, permite um maior monitoramento e rastreamento das transações financeiras. “Como todas as transações seriam realizadas por meio do Real Digital, o Banco Central teria acesso a informações detalhadas sobre as atividades financeiras das pessoas, como gastos, recebimentos e transferências”, diz.
Como irá seguir todas as regras aplicáveis ao real convencional, o Banco Central ressalta ter a prerrogativa de controlar a quantidade de moeda na economia, assim como na modalidade do valor físico. “Nesse processo é necessário que se crie moeda, nas situações de baixa liquidez do mercado, ou que se destrua moeda, nas situações de elevada liquidez”, afirma em nota.
Por que explicamos: O Comprova Explica esclarece temas importantes para que a população compreenda assuntos em discussão nas redes sociais que podem gerar desinformação. O Real Digital será uma versão da moeda oficial e tem a possibilidade de se popularizar, já que poderá ser usada no cotidiano para pagamentos, transferências e contratos de compra e venda. Por ainda estar em desenvolvimento, a moeda é alvo de boatos que podem gerar medo e incertezas.
Outras checagens sobre o tema: Em 2022, a Agência Lupa produziu conteúdo para explicar o que são criptomoedas e o Bitcoin, uma das versões mais antigas e populares da moeda. Foi mostrado que elas não têm vínculo com governos ou recursos naturais, que costumam garantir o valor das moedas tradicionais. A respeito da possibilidade do Banco Central norte-americano também criar uma versão digital para o dólar, o Estadão Verifica e o Boatos.org já esclareceram que o projeto não tem pretensão de substituir a moeda física.
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