COMPROVA
Entenda como funciona a lista de espera por transplante de órgão no Brasil
Última atualização: 26/12/2023 16:37
Comprova Explica: O apresentador de TV Faustão não terá prioridade na lista de transplante de coração por ser famoso ou rico. Coordenada pelo Sistema Nacional de Transplantes (SNT), do Ministério da Saúde, a lista de espera por transplante de órgãos é única e vale tanto para pacientes da rede pública quanto para os da privada. Ela é ordenada com base em critérios técnicos, como gravidade do quadro de saúde do paciente e compatibilidade com o doador do órgão.
Conteúdo analisado: Publicação traz trecho de entrevista do médico cardiologista Marcelo Sampaio ao programa “Morning Show” da Jovem Pan em que o especialista afirma que o apresentador de TV Fausto Silva está em “prioridade máxima” e em “prioridade médica” na lista do transplante de coração. Após afirmar que mais de 65 mil pessoas estão aguardando um transplante de órgãos, o post questiona se o Hospital Albert Einstein, onde Faustão está internado, “consegue furar a fila”.
Comprova Explica: O Hospital Israelita Albert Einstein informou no dia 20 de agosto que o apresentador de TV Fausto Silva, de 73 anos, conhecido popularmente como Faustão, entrou na lista de espera administrada pela Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo para realizar um transplante de coração. A notícia gerou repercussão nacional e diversos questionamentos sobre a lista, como a possibilidade de Faustão “passar na frente” de outros pacientes por ser famoso e rico.
Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil tem o maior sistema público de transplante do mundo. Todos os pacientes que precisam de um transplante de órgão devem ser incluídos na única lista de espera do país. Isso independe de o paciente estar internado em uma rede privada de saúde ou em alguma unidade do Sistema Único de Saúde (SUS).
Ao Comprova, a coordenadora do Sistema Nacional de Transplantes (SNT), Daniela Salomão, também explicou que a escolha do receptor do órgão a ser transplantado é feita pelo próprio sistema do Ministério da Saúde com base em critérios técnicos, que não incluem, por exemplo, o poder aquisitivo e a popularidade do paciente. Também não é possível o médico ou outro profissional da saúde selecionar o órgão e/ou o doador.
“A lista de transplante no país é única. Funciona para o público e para o privado. Não existe uma lista do público e uma lista do privado. Tanto que também não existe o doador do SUS e do privado. É uma lista única independente de onde o paciente está internado e os critérios técnicos são os mesmos para todo mundo”, disse.
Como verificamos: No canto inferior do vídeo compartilhado, está presente a logo do Morning Show, programa de entretenimento e notícias da Jovem Pan, junto com a data de 21 de agosto. Ao buscar pela edição do dia no YouTube, encontramos a entrevista completa do médico Marcelo Sampaio sobre o transplante de Faustão. A entrevista tem início em 1:32:57.
Em seguida, buscamos informações oficiais do Ministério da Saúde, por meio do site do Sistema Nacional de Transplantes. Também foram obtidas informações da pasta através de e-mail e de nota da assessoria de imprensa. Por fim, entrevistamos a médica Daniela Salomão, coordenadora do SNT.
Como funciona a lista de transplante no Brasil?
Segundo dados do Ministério da Saúde atualizados em 16 de agosto de 2023, 65.911 pessoas aguardam na lista para receber um órgão no país. Destas, mais de 36 mil esperam por um rim, 25,6 mil por uma córnea e 2,2 mil por um fígado. Até 21 de agosto, eram 378 pessoas esperando por um transplante de coração no Brasil. A maioria (206 pessoas) é de São Paulo.
A coordenadora do SNT, Daniela Salomão, explicou que o sistema é uma “lista muito dinâmica”, que pode ser alterada diariamente, sempre orientada por critérios técnicos. “A primeira coisa que precisamos é mudar nossa prática de comunicação. Parar de falar ‘fila’. O transplante não tem uma ordenação de fila – que é aquele um atrás do outro”, disse.
Para receber uma doação, o paciente precisa estar inscrito em uma lista de espera monitorada pelo SNT e por órgãos de controle federais. A inscrição é realizada por um médico com autorização vigente, concedida pelo SNT.
A lista de espera para transplantes no Brasil, segundo o Ministério da Saúde, é única e vale tanto para pacientes do SUS quanto para os da rede privada. Ela funciona por ordem cronológica de cadastro, ou seja, por ordem de chegada, mas também segue outros critérios como os de compatibilidade, gravidade do caso e o tipo sanguíneo do doador.
São esses fatores que são levados em consideração para a definição de quem deve ser priorizado. Eis abaixo algumas das situações de extrema gravidade com risco de morte e determinadas condições clínicas do paciente que permitem o acesso mais rápido ao transplante:
- a impossibilidade total de acesso para diálise (filtração do sangue), no caso de doentes renais;
- a insuficiência hepática aguda grave, para doentes do fígado;
- necessidade de assistência circulatória, para pacientes cardiopatas; e
- rejeição de órgãos recentes transplantados.
A coordenadora do SNT reforçou que o processo funciona de acordo com as regras (com base em critérios técnicos) e que nenhum paciente pode ser privilegiado.
“Não é o plantonista do dia, não é a equipe de transplante (que irá decidir o receptor). Ninguém entra no sistema para mudar ou para, de alguma forma, privilegiar algum paciente. As regras são claras, são regras técnicas, publicadas em portaria”, disse. A portaria citada por Salomão é a Portaria de consolidação nº 4, de 28 de setembro de 2017, que aprovou o Regulamento Técnico do Sistema Nacional de Transplantes.
Daniela Salomão também destacou que o SNT é “completamente auditável” e que não permite que um médico ou qualquer profissional da saúde escolha o receptor do órgão. “Eu consigo entrar no sistema e saber quem fez cada movimento desse sistema. Mas gerenciamento, criação da lista de receptores para uma determinada doação só o sistema é capaz de realizar”, afirmou.
Cada estado no Brasil gerencia uma lista de espera por meio das Centrais Estaduais de Transplantes. Os órgãos destinados à doação não utilizados no próprio estado são direcionados para a Central Nacional de Transplantes, que busca um receptor na lista única.
Sistema não permite privilégios para famosos e ricos
Pessoas ricas ou famosas não têm privilégios na lista de espera para transplantes no Brasil. “O sistema de transplante brasileiro tem regras muito claras e a informação sobre poder aquisitivo ou popularidade da pessoa na sociedade não são critérios técnicos utilizados pelo sistema”, disse a coordenadora do SNT.
O apresentador está internado no Albert Einstein, um dos principais hospitais privados do país, desde 5 de agosto por insuficiência cardíaca. Até o último boletim médico, emitido no dia 20 do mesmo mês, Faustão estava sob cuidados intensivos por conta do agravamento de seu quadro de saúde. Ele também passava por diálise e necessitava de medicamentos para ajudar na força de bombeamento do coração.
Ele foi incluído na lista única de transplantes organizada pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, “que leva em consideração, para definição da priorização, o tempo de espera, a tipagem sanguínea e a gravidade do caso”. Se o estado de saúde do apresentador for considerado grave, Faustão pode ter prioridade no recebimento do coração a ser transplantado.
“No caso do transplante cardíaco, por exemplo, temos critérios relacionados à gravidade da doença cardíaca”, explicou Salomão. No próprio programa “Morning Show”, que foi compartilhado no X, o médico cardiologista Marcelo Sampaio explica, por exemplo, que “o paciente que está na UTI tem prioridade sobre aquele que está na enfermaria, que tem prioridade sobre aquele que está em casa”.
Como funciona a doação e o transplante de órgãos no Brasil?
No Brasil, todo o controle, monitoramento e regulamentação do processo de doação e transplantes de órgãos é feito pelo Sistema Nacional de Transplantes, gerenciado pelo Ministério da Saúde.
Para centralizar a notificação de doações de órgãos e tecidos disponibilizados para transplantes, o SNT é formado por:
- secretarias de saúde de todos os estados e municípios;
- Central Nacional de Transplantes;
- 27 Centrais Estaduais de Transplantes;
- 625 hospitais;
- 1.208 serviços;
- 1.559 equipes de transplantes autorizadas;
- 78 organizações de procura por órgãos;
- 516 comissões intra-hospitalares de doação de órgãos e tecidos para transplantes;
- 50 bancos de tecidos oculares;
- 13 câmaras técnicas nacionais;
- seis bancos de multitecidos;
- 45 laboratórios de histocompatibilidade.
A disposição gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento é permitida pela Lei nº 9434, de fevereiro de 1997, regulamentada pelo Decreto nº 9175, de outubro de 2017.
Antes de realizar um transplante, cirurgia em que uma pessoa com doença grave recebe um órgão ou tecido saudável, é preciso encontrar possíveis doadores, que podem ser vivos ou falecidos.
Esses potenciais doadores são identificados pelas Comissões Intra-hospitalares de Transplante, nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) e Emergências em pacientes com o diagnóstico de morte encefálica (morte das células do sistema nervoso central). O próximo passo é buscar a autorização da família para que ocorra a retirada dos órgãos.
No processo, o hospital precisa notificar a Central Estadual de Transplantes sobre o paciente em morte encefálica (potencial doador de órgãos e tecidos) ou com parada cardiorrespiratória (potencial doador de tecidos) para que a central confirme o diagnóstico e inicie os testes de compatibilidade entre o potencial doador e os potenciais receptores em lista de espera. Quando existe mais de um receptor compatível, a decisão de quem receberá o órgão passa por critérios tais como tempo de espera e urgência do procedimento.
Depois, através de um sistema informatizado, a central gera uma lista de potenciais receptores para cada órgão e comunica os hospitais onde eles são atendidos. As equipes de transplante, junto com a central, adotam as medidas necessárias para viabilizar a retirada dos órgãos (meio de transporte, cirurgiões, pessoal de apoio, etc.) e o transplante é realizado.
No caso de morte por parada cardiorrespiratória, após avaliação do doador por critérios definidos, os tecidos são retirados e encaminhados para bancos de tecidos.
Uma pessoa com mais de 18 anos e capaz, juridicamente, pode doar órgãos a seus familiares. Ela pode doar um dos rins, parte do fígado, parte da medula ou parte dos pulmões. Para doar órgão em vida, o médico deve avaliar a história clínica do candidato e as doenças prévias. A compatibilidade sanguínea é primordial em todos os casos, mas há também testes especiais para selecionar o doador que apresenta maior chance de sucesso. Em caso de doador vivo não aparentado, é exigida autorização judicial prévia.
Para receber o órgão, o paciente deve ser avaliado por uma equipe de transplantes autorizada pelo Ministério da Saúde. Após avaliação médica com consulta e exames específicos e, caso a indicação para transplante seja confirmada, a equipe médica responsável realizará a inscrição do paciente no sistema informatizado de transplantes que gerencia a lista de espera.
Como cada órgão tem um período máximo de permanência fora do corpo humano, o chamado tempo de isquemia, ao longo do qual o transplante é viável, o processo de doação e transplante é complexo e requer agilidade para ser bem-sucedido.
O Brasil possui o maior programa público de transplante de órgãos, tecidos e células do mundo, garantido o procedimento a toda a população por meio do SUS, que é responsável por financiar e fazer cerca de 90% das cirurgias. É por meio dele que os pacientes recebem assistência integral, equânime, universal e gratuita, incluindo exames preparatórios, cirurgia, acompanhamento e medicamentos pós-transplante.
Só em 2023, até 16 de agosto, foram realizados 11.264 transplantes no Brasil. A maior parte das cirurgias foram de córnea (5.946), seguida por rim (3.544), fígado (1.417) e coração (244).
Por que explicamos: O Comprova Explica esclarece temas importantes para que a população compreenda assuntos em discussão nas redes sociais que podem gerar desinformação. Ao tratar de uma celebridade brasileira, como é o caso do Faustão, passando por uma situação delicada, o assunto rapidamente viraliza nas redes sociais.
Com a profusão de conteúdos e comentários sobre o tema, informações inverídicas como a suposta prioridade por fama e dinheiro podem ser entendidas como verdadeiras e gerar revolta na sociedade.
Outras checagens sobre o tema: Com a repercussão do quadro médico do Faustão, outras agências de checagem e veículos de comunicação, como o portal G1, produziram reportagens explicativas sobre o sistema de transplante brasileiro.
Tratamentos e procedimentos médicos costumam ser alvos de desinformação e são verificados com frequência pelo Comprova. Recentemente, na seção Comprova Explica, o projeto mostrou que autorização da ozonioterapia no país está condicionada à aprovação da Anvisa. Também foi verificado que a OMS não admitiu que bebês de mães vacinadas estão nascendo com problemas no coração e que as vacinas não têm vírus e fungos ‘do câncer’.