COMPROVA
Barragens no Vale do Taquari não têm comportas que poderiam controlar o fluxo de água; enchente foi causada por ciclone
Última atualização: 26/12/2023 16:31
Falso: São falsos os posts que alegam que as barragens do Rio Taquari, que cruza a região mais afetada pelas enchentes dos dias 4 e 5 de setembro no Rio Grande do Sul, se romperam ou tiveram suas comportas abertas. As estruturas sequer têm comportas capazes de controlar o fluxo de água e, segundo a empresa que administra as hidrelétricas, elas se mantiveram íntegras durante a passagem do ciclone extratropical que atingiu a região. Autoridades estaduais, federais e meteorologistas afirmam que o grande volume de água que alagou as cidades do Vale do Taquari foi causado por eventos climáticos naturais.
Conteúdo investigado: Vídeos e publicações em texto que circulam nas redes sociais trazem pessoas afirmando que as enchentes em municípios do Rio Grande do Sul, que deixaram dezenas de mortos, foram provocadas pela abertura de comportas em represas dos rios das Antas e Taquari.
Onde foi publicado: TikTok, X (antigo Twitter), Instagram e WhatsApp.
Conclusão do Comprova: As enchentes que devastaram cidades no Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul, entre os dias 4 e 5 de setembro não foram causadas ou agravadas pela abertura de comportas de barragens da região, diferentemente do que apontam falsamente vídeos e postagens em texto nas redes sociais e distribuídas em aplicativos de mensagem.
Segundo a Companhia Energética Rio das Antas (Ceran), que administra três hidrelétricas do rio das Antas e do rio Taquari, as barragens sequer possuem comportas capazes de “segurar” a água represada. A Usina de Castro Alves, que fica na área mais afetada, não tem comporta nenhuma. Todas elas utilizam a força da correnteza do rio e a gravidade para gerar energia.
Ao Estadão Verifica, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), responsável pela fiscalização de geração hidrelétrica, reforçou que as cheias não poderiam ser agravadas por conta da estrutura das barragens. A Agência Nacional de Águas (ANA) também confirmou ao veículo que a produção de energia é feita apenas com a força da correnteza, sem uso de comportas.
Além de negar ter aberto as supostas comportas, a Ceran ressaltou ainda que não foi registrado nenhum rompimento. “Durante as cheias monitoramos em tempo real todas as estruturas, que em nenhum momento, apresentaram anomalias que indicassem risco de rompimento, o que não levou ao acionamento das sirenes de emergência”, diz nota no site.
Especialistas e autoridades em meteorologia afirmam que as chuvas volumosas que causaram os alagamentos no Vale do Taquari foram provocadas por um fenômeno natural: um ciclone extratropical que se formou em um sistema de baixa pressão na região e que pode ter sido agravado pelo estacionamento de uma frente com ar quente e úmido vindo da região Amazônica.
Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 12 de setembro, a publicação no Instagram alcançava 21,8 mil curtidas e 1,4 mil comentários. Os posts no X somavam 210 mil visualizações, 10,5 mil curtidas e 4,2 mil compartilhamentos. No TikTok, até o dia 11 de setembro, o vídeo tinha 228 mil visualizações. O conteúdo foi excluído posteriormente da plataforma.
Como verificamos: O primeiro passo foi reunir informações sobre as enchentes no Rio Grande do Sul e fatores que causaram a tragédia. O Comprova também buscou posicionamentos oficiais de órgãos como o MPF, a Advocacia-Geral da União (AGU), a Aneel e a ANA. Por fim, entrou em contato com os responsáveis pelas publicações dos conteúdos nas redes sociais.
Tragédia foi resultado de ciclone extratropical e massa de ar quente
As enchentes na região do Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul, foram resultado de um ciclone extratropical. O fenômeno, que provocou enchentes, destelhamento de casas, queda de árvores e mortes, é causado por sistemas de baixa pressão atmosférica.
“Quanto mais baixa a pressão atmosférica, mais intensos são os ventos e maior é o potencial para formação de nuvens carregadas, que podem provocar chuva intensa”, disse o Climatempo ao Estadão.
Em entrevista à CNN, a meteorologista Maria Clara Sassaki afirmou que a frequência de formação dos ciclones extratropicais no Sul do Brasil não está maior, mas que eles estão surgindo com mais intensidade.
“As águas dos oceanos estão mais quentes do que o normal e isso aumenta a intensidade dos ciclones extratropicais, por isso a gente tem chamado a atenção para esses sistemas que vêm com rajadas de vento acima do normal, tempestades muito próximas umas das outras. A água mais quente serve de combustível para que essas áreas de baixa pressão ganhem intensidade”, explicou.
O Climatempo informou ainda que essa é a segunda maior enchente já registrada no rio Taquari, que alcançou 29,45 metros no primeiro fim de semana de setembro no ponto de medição da cidade de Lajeado. A maior cheia foi registrada em 1941, quando o rio chegou a 29,92 metros.
De acordo com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, desde junho, ao menos quatro ciclones extratropicais já atingiram o Sul do país.
Segundo o pesquisador Manoel Alonso Gan, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), nem todo ciclone é intenso e provoca ventos fortes o suficiente para provocar destruição, mas os mais intensos costumam ocorrer na costa da região Sul entre maio e setembro. Isso decorre da diferença de temperatura e umidade entre o continente e as águas do mar próximas à costa, ou seja, o deslocamento do ciclone do continente mais frio e seco em direção ao oceano mais quente contribui para que haja transferência de calor e umidade do oceano para a atmosfera.
Conforme Gan, a tragédia no Rio Grande do Sul não pode ser atribuída exclusivamente a um ciclone extratropical. Ele explica que, concomitantemente, podem ter ocorrido o estacionamento de uma frente com ar quente e úmido vindo da região Amazônica e a formação de baixa pressão. Uma análise detalhada desse evento será feita pelo Inpe para avaliar todos os fenômenos e fatores que contribuíram para a situação.
O Ministério Público Federal (MPF) está apurando as providências adotadas em relação às enchentes. Em 7 de setembro, o órgão instaurou um inquérito civil público para identificar eventuais irregularidades e seus responsáveis, e possíveis ações preventivas que poderiam ser adotadas no enfrentamento de situações climáticas extremas.
Não houve rompimento de barragens ou abertura de comportas
A Ceran, que administra três barragens hidrelétricas no rio das Antas/Taquari, afirmou que não houve nenhuma anormalidade na operação das estruturas, nem rompimento acidental, nem abertura de comportas.
Sobre um possível rompimento, a Ceran emitiu nota no site negando essa possibilidade, o que explica por que as sirenes de alerta não foram acionadas. “Durante as cheias monitoramos em tempo real todas as estruturas, que em nenhum momento, apresentaram anomalias que indicassem risco de rompimento, o que não levou ao acionamento das sirenes de emergência. Reforçamos que todos os protocolos de segurança de barragem foram cumpridos durante o evento, incluindo as comunicações com as Defesas Civis dos municípios, que atuaram junto à população.”
Ao jornal GZH, a companhia reforçou que também não houve abertura de comportas para liberação da água porque as estruturas, em especial a de Castro Alves – mais atingida pela chuva – não têm comportas que retenham água.
“Infelizmente, as barragens não conseguem reduzir altas afluências e mitigar os impactos no entorno do rio, pois as barragens da Ceran possuem vertedouro do tipo soleira livre e têm a característica ‘a fio d’água’, ou seja, não têm capacidade de armazenamento e nem de regular o fluxo do rio.” Nesse modelo, em caso de volume maior do que capacidade da represa, a água simplesmente passa por cima da barragem.
As outras duas barragens, de Monte Claro e 14 de Julho, por serem maiores que a Castro Alves, têm duas comportas de vertedouro. Segundo a empresa, elas são abertas somente quando a água já está passando sobre a crista da barragem, para não sobrecarregar as estruturas. Dessa forma, não há alteração da vazão do rio.
Em entrevista à Rádio Independente na tarde do dia 10 de setembro, a secretária de Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul, Marjorie Kauffmann, disse que não há evidências de que as barragens tenham tido influência sobre os danos causados pela enchente.
Ao Estadão Verifica, a Aneel, responsável pela fiscalização de geração hidrelétrica, afirmou que as cheias não poderiam ser agravadas por conta da estrutura das barragens. A Agência Nacional de Águas (ANA) também confirmou ao veículo que a produção de energia é feita apenas com a força da correnteza, sem uso de comportas.
Em 11 de setembro, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) do governo federal também desmentiu a alegação de que as barragens teriam causado os alagamentos. “As barragens no Rio das Antas, controladas por empresa privada, possuem vertedouros do tipo soleira livre, ou seja, não possuem estruturas que possibilitem o controle da vazão do rio e tem a característica ‘a fio d’água’, que não tem capacidade de armazenamento e todo o excedente de água passa por cima da barragem.”
Investigação por divulgação de informações falsas
Conforme mostrou a agência Aos Fatos, as alegações falsas de que as enchentes teriam sido causadas por conta da abertura de comportas das barragens viralizaram após terem sido replicadas pelo apresentador Alexandre Garcia, em 8 de setembro.
No dia 11 de setembro, o advogado-geral da União, Jorge Messias, pediu investigação sobre Garcia por divulgação de informações falsas a respeito da tragédia no Rio Grande do Sul.
Assim como no caso dos conteúdos investigados aqui, Garcia afirmou que não teriam sido só as fortes chuvas as responsáveis pelos estragos. Em um programa da Revista Oeste, o jornalista disse, sem apresentar provas, que três represas construídas no “governo do PT” tiveram as comportas abertas junto com as tempestades, o que aumentou o volume de água e causou as enxurradas. Segundo ele, seria preciso investigar as causas da tragédia
No mesmo dia, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB), disse, em rede social, que a Polícia Federal tem conhecimento das fake news referentes à crise humanitária no Rio Grande do Sul e que “adotará providências previstas em lei”.
Garcia disse a Aos Fatos que se referia a um ofício enviado pela prefeitura de Bento Gonçalves (RS) à Ceran, no qual constava uma pergunta sobre uma possível abertura de comportas das barragens.
Em vídeo publicado em 11 de setembro no YouTube, o apresentador afirma que a determinação do advogado-geral da União “ajuda a pôr luz em busca da transparência sobre as três barragens”. Garcia diz ainda que a resposta que deu no programa da Revista Oeste durou quase 4 minutos e que as publicações nas redes sociais omitem parte da declaração.
O apresentador diz que se baseou em informações divulgadas até aquele momento sobre o ofício da prefeitura de Bento Gonçalves e sobre o questionamento feito por um grupo de prefeitos de municípios da região acerca do quanto o funcionamento do Complexo Energético Rio das Antas poderia ter influenciado nas enchentes.
O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com os responsáveis pelas publicações no Instagram (@adalexgois) e no X (@CarinaBelome), e também buscou a mulher que gravou originalmente os vídeos compartilhados (@bioyinluz) por e-mail e WhatsApp. A outra conta que postou o vídeo no X (@damadanoite14) não permite o envio de mensagens e o Comprova não encontrou perfis correspondentes em outras redes sociais. Já o responsável pela publicação no TikTok (@fabioaquino47) excluiu tanto a postagem quanto o perfil da plataforma.
O único usuário que respondeu, até a publicação desta checagem, foi o que postou o conteúdo no Instagram. Segundo ele, o vídeo é “autoexplicativo” e em nenhum momento a publicação teria afirmado que a abertura das comportas foi responsável pelo alagamento. Ele também encaminhou o link para um “conteúdo opinativo” por meio do qual é possível “encontrar informações sobre minhas consultas com minhas fontes”.
O que podemos aprender com esta verificação: O Rio Grande do Sul enfrentou o maior desastre natural dos últimos 40 anos no estado, que deixou dezenas de mortos, desaparecidos e milhares de pessoas desabrigadas. Em momentos de grandes catástrofes, é comum que informações truncadas, incompletas ou mesmo totalmente falsas circulem com o objetivo de gerar pânico, atacar grupos específicos ou tentar apontar culpados pelo ocorrido.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para publicações que obtiveram maior alcance e engajamento e que induzem a interpretações equivocadas. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: O site Boatos.org e agências como Estadão Verifica e Aos Fatos já checaram conteúdos sobre comportas de barragens no Rio Grande do Sul.
Em verificações recentes, o projeto mostrou ser enganoso que o Brasil fará empréstimo à Argentina enquanto Lula bloqueia recursos da saúde e educação e que pedido de recuperação judicial da 123 Milhas não tem relação com políticas do governo federal.