ANJOS DA MADRUGADA
Voluntários recebem ajuda de estudantes para levar conforto a pessoas em situação de rua
Por meio de ação de acadêmicos da Feevale, grupo que ajuda moradores em situação de rua recebe edredons
Enquanto grande parte da cidade se prepara para dormir, ou aproveita o fim da semana em alguma festa ou evento, um grupo de voluntários chamado Anjos da Madrugada sai às ruas para ajudar quem mais precisa nas noites de sextas-feiras.
Seja em uma noite estrelada, seja debaixo de um temporal, o grupo que pertencente à Diocese de Novo Hamburgo percorre Novo Hamburgo e São Leopoldo distribuindo comida, roupas e, recentemente, cobertores confeccionados graças a alunos de Engenharia da Universidade Feevale.
Os Anjos da Madrugada começaram em 2015, inicialmente fazendo o trabalho voluntário uma vez ao mês ou a cada duas semanas. Mas, com o tempo, viram a necessidade nas ruas e passaram a atuar semanalmente. Conforme explica o coordenador do grupo, Cleiton de Oliveira, em oito anos de existência, as atividades nunca pararam.
"Nós ficamos uma sexta-feira sem realizar, que foi quando começou a pandemia e mandaram fechar tudo. Então, não pudemos nos reunir para fazer as jantas. E isso doeu muito, porque quando retomamos, eles disseram 'quando nós mais precisamos e sentimos fome, vocês não vieram'. Mas conseguimos mostrar nossa importância e seguir adiante", conta.
Os trabalhos começam por volta das 20 horas, quando o primeiro grupo chega para a cozinha e prepara de 60 a 80 marmitas. Duas horas depois, começa a chegar o pessoal que vai para as ruas, mas, antes, ocorre um momento de oração e reflexão na capela da Paróquia Sagrado Coração de Jesus, no Santo Afonso, onde fica a base dos Anjos da Madrugada.
Depois as equipes se dividem e saem ao encontro de pessoas em situação de rua nas duas cidades. "Nós fazemos comida mesmo, arroz, feijão, massa e carne. Fazemos campanhas para arrecadar esses alimentos em cidades da região e também encaminhamos comida à Casa da Misericórdia, de Taquara, em que todos os meses a gente manda 250 quilos de alimentos, materiais de higiene e medicamentos", acrescenta Oliveira.
Reaproveitamento de materiais serviu para fazer edredons
Neste ano, os estudantes Estevan Luís Webber e Rodrigo Alex Campos Lazzarotto, do curso de Engenharia Química, Júlio César Radavelli, de Engenharia Eletrônica, e Taymara Bueno, acadêmica de Engenharia Mecânica, uniram-se aos Anjos da Madrugada graças à disciplina Projeto Aplicado, em que precisam analisar uma empresa e diagnosticar o que poderia ser melhorado.
Os alunos, então, identificaram que uma empresa de uniformes acabava gerando muitos retalhos e que, com esta sobra de material, poderiam confeccionar edredons e destinar a pessoas em vulnerabilidade. Como Taymara já conhecia o trabalho voluntário, fez o meio de campo.
"Quando a gente vê isso de perto, não tem como ignorar"
Entre os moradores em situação de rua que recebem as marmitas está Jurandir. Castigado pelas ruas, as marcas em seu rosto aparentam muito mais do que os 43 anos que diz ter. Junto à estação de trem Fenac, ele se abrigava no dia da abordagem com mais cinco pessoas. Com frio e molhado, pedia por um cobertor.
Mas o que mais doía em Jurandir não era a baixa temperatura, e sim a saudade da família. "Eu estou nas ruas há dois anos. Depois que minha mãe e minha mulher morreram, eu me perdi na vida", conta.
Para o estudante Rodrigo Lazarotto, o trabalho voluntário não vai terminar quando a disciplina acadêmica chegar ao fim. "Quando a gente vê isso de perto, não tem como ignorar. Quero continuar ajudando porque essa realidade é muito triste. Muitas vezes, nós somos as únicas pessoas que param para ouvir eles, dar um abraço", relata.
Quem deseja sair das ruas e da dependência química tem um caminho através dos Anjos da Madrugada. Oliveira explica que o grupo possui parceria com comunidades terapêuticas. "Aqueles que querem sair têm esta opção, o que não podemos é obrigá-los."
Comida e atenção a quem vive nas ruas
No fim da noite do dia 16 de novembro e início da madrugada do dia 17, a reportagem acompanhou os Anjos da Madrugada pelas ruas de Novo Hamburgo. Naquela noite, a chuva caia forte e, por conta disto, o número de voluntários estava reduzido.
No entanto, nas ruas, as pessoas continuavam lá, à espera de um conforto físico e espiritual. Ao deixar a paróquia no bairro Santo Afonso, um grupo com quatro carros se dirigiu à Avenida Nações Unidas em direção ao Centro.
Debaixo dos pilares do trem, um homem na companhia de seu cachorro avistou a carreata e de imediato passou a pular e acenar na ânsia de ser visto. O grupo parou e foi ao encontro do morador em situação de rua.
Sujo, usando chinelos de dedos e um saco de lixo por baixo da camiseta de mangas curtas, buscava algo que o esquentasse enquanto a água o encharcava. De imediato, o homem abraçou o "Tio Gustavo", como é chamado Gustavo de Arriba, um dos voluntários mais antigos no grupo.
Visivelmente alterado por substâncias químicas, ele falava que estava aguardando os Anjos, mas sua espera não era somente pela comida, roupas e cobertor que recebeu, além dos dois copos de café quente que bebeu.
O homem também queria ter com quem conversar, mostrar que existia e se sentir acalentado. Antes do grupo ir embora, pediu para fazer uma oração, e quando "Ave Maria" começou, a chuva que caía lavou um rosto cheio de lágrimas.
Grávida vivendo nas ruas
Na próxima parada, os voluntários encontraram o casal Paulo e Marinês no cruzamento das avenidas Sete de Setembro com a Pedro Adams Filho. Com fome, cada um recebeu uma marmita, ela bebeu café, ele preferiu água. Entre uma peça e outra de roupa que ganharam, Marinês fez um pedido: fraldas.
Na casa dos 40 anos, ela está grávida de três meses e já tem outros oito filhos. As mais novas, duas meninas gêmeas, têm apenas 3 anos e vivem com os pais dela. Paulo também é pai, tem nove filhos, "mas todos estão criados". "Arrumem fraldas pra mim? Só não pode demorar muito, porque eu costumo ganhar com sete ou oito meses", disse Marinês. Somado, Paulo e Marinês possuem 17 filhos, mas este será o primeiro dos dois.
Enquanto grande parte da cidade se prepara para dormir, ou aproveita o fim da semana em alguma festa ou evento, um grupo de voluntários chamado Anjos da Madrugada sai às ruas para ajudar quem mais precisa nas noites de sextas-feiras.
Seja em uma noite estrelada, seja debaixo de um temporal, o grupo que pertencente à Diocese de Novo Hamburgo percorre Novo Hamburgo e São Leopoldo distribuindo comida, roupas e, recentemente, cobertores confeccionados graças a alunos de Engenharia da Universidade Feevale.
Os Anjos da Madrugada começaram em 2015, inicialmente fazendo o trabalho voluntário uma vez ao mês ou a cada duas semanas. Mas, com o tempo, viram a necessidade nas ruas e passaram a atuar semanalmente. Conforme explica o coordenador do grupo, Cleiton de Oliveira, em oito anos de existência, as atividades nunca pararam.
"Nós ficamos uma sexta-feira sem realizar, que foi quando começou a pandemia e mandaram fechar tudo. Então, não pudemos nos reunir para fazer as jantas. E isso doeu muito, porque quando retomamos, eles disseram 'quando nós mais precisamos e sentimos fome, vocês não vieram'. Mas conseguimos mostrar nossa importância e seguir adiante", conta.
Os trabalhos começam por volta das 20 horas, quando o primeiro grupo chega para a cozinha e prepara de 60 a 80 marmitas. Duas horas depois, começa a chegar o pessoal que vai para as ruas, mas, antes, ocorre um momento de oração e reflexão na capela da Paróquia Sagrado Coração de Jesus, no Santo Afonso, onde fica a base dos Anjos da Madrugada.
Depois as equipes se dividem e saem ao encontro de pessoas em situação de rua nas duas cidades. "Nós fazemos comida mesmo, arroz, feijão, massa e carne. Fazemos campanhas para arrecadar esses alimentos em cidades da região e também encaminhamos comida à Casa da Misericórdia, de Taquara, em que todos os meses a gente manda 250 quilos de alimentos, materiais de higiene e medicamentos", acrescenta Oliveira.
Reaproveitamento de materiais serviu para fazer edredons
Neste ano, os estudantes Estevan Luís Webber e Rodrigo Alex Campos Lazzarotto, do curso de Engenharia Química, Júlio César Radavelli, de Engenharia Eletrônica, e Taymara Bueno, acadêmica de Engenharia Mecânica, uniram-se aos Anjos da Madrugada graças à disciplina Projeto Aplicado, em que precisam analisar uma empresa e diagnosticar o que poderia ser melhorado.
Os alunos, então, identificaram que uma empresa de uniformes acabava gerando muitos retalhos e que, com esta sobra de material, poderiam confeccionar edredons e destinar a pessoas em vulnerabilidade. Como Taymara já conhecia o trabalho voluntário, fez o meio de campo.
"Quando a gente vê isso de perto, não tem como ignorar"
Entre os moradores em situação de rua que recebem as marmitas está Jurandir. Castigado pelas ruas, as marcas em seu rosto aparentam muito mais do que os 43 anos que diz ter. Junto à estação de trem Fenac, ele se abrigava no dia da abordagem com mais cinco pessoas. Com frio e molhado, pedia por um cobertor.
Mas o que mais doía em Jurandir não era a baixa temperatura, e sim a saudade da família. "Eu estou nas ruas há dois anos. Depois que minha mãe e minha mulher morreram, eu me perdi na vida", conta.
Para o estudante Rodrigo Lazarotto, o trabalho voluntário não vai terminar quando a disciplina acadêmica chegar ao fim. "Quando a gente vê isso de perto, não tem como ignorar. Quero continuar ajudando porque essa realidade é muito triste. Muitas vezes, nós somos as únicas pessoas que param para ouvir eles, dar um abraço", relata.
Quem deseja sair das ruas e da dependência química tem um caminho através dos Anjos da Madrugada. Oliveira explica que o grupo possui parceria com comunidades terapêuticas. "Aqueles que querem sair têm esta opção, o que não podemos é obrigá-los."
Comida e atenção a quem vive nas ruas
No fim da noite do dia 16 de novembro e início da madrugada do dia 17, a reportagem acompanhou os Anjos da Madrugada pelas ruas de Novo Hamburgo. Naquela noite, a chuva caia forte e, por conta disto, o número de voluntários estava reduzido.
No entanto, nas ruas, as pessoas continuavam lá, à espera de um conforto físico e espiritual. Ao deixar a paróquia no bairro Santo Afonso, um grupo com quatro carros se dirigiu à Avenida Nações Unidas em direção ao Centro.
Debaixo dos pilares do trem, um homem na companhia de seu cachorro avistou a carreata e de imediato passou a pular e acenar na ânsia de ser visto. O grupo parou e foi ao encontro do morador em situação de rua.
Sujo, usando chinelos de dedos e um saco de lixo por baixo da camiseta de mangas curtas, buscava algo que o esquentasse enquanto a água o encharcava. De imediato, o homem abraçou o "Tio Gustavo", como é chamado Gustavo de Arriba, um dos voluntários mais antigos no grupo.
Visivelmente alterado por substâncias químicas, ele falava que estava aguardando os Anjos, mas sua espera não era somente pela comida, roupas e cobertor que recebeu, além dos dois copos de café quente que bebeu.
O homem também queria ter com quem conversar, mostrar que existia e se sentir acalentado. Antes do grupo ir embora, pediu para fazer uma oração, e quando "Ave Maria" começou, a chuva que caía lavou um rosto cheio de lágrimas.
Grávida vivendo nas ruas
Na próxima parada, os voluntários encontraram o casal Paulo e Marinês no cruzamento das avenidas Sete de Setembro com a Pedro Adams Filho. Com fome, cada um recebeu uma marmita, ela bebeu café, ele preferiu água. Entre uma peça e outra de roupa que ganharam, Marinês fez um pedido: fraldas.
Na casa dos 40 anos, ela está grávida de três meses e já tem outros oito filhos. As mais novas, duas meninas gêmeas, têm apenas 3 anos e vivem com os pais dela. Paulo também é pai, tem nove filhos, "mas todos estão criados". "Arrumem fraldas pra mim? Só não pode demorar muito, porque eu costumo ganhar com sete ou oito meses", disse Marinês. Somado, Paulo e Marinês possuem 17 filhos, mas este será o primeiro dos dois.
Seja em uma noite estrelada, seja debaixo de um temporal, o grupo que pertencente à Diocese de Novo Hamburgo percorre Novo Hamburgo e São Leopoldo distribuindo comida, roupas e, recentemente, cobertores confeccionados graças a alunos de Engenharia da Universidade Feevale.