RESGATE
Voluntários iniciam trabalhos de restauração em histórica escola de região
Construída há mais de 150 anos, prédio está em ruínas mas guarda memórias de antigos alunos
Última atualização: 14/11/2023 16:10
Incluso no Ivoti 100, conjunto de ações com o objetivo de traçar estratégias para os próximos anos na cidade, encontra-se um projeto de valorização do patrimônio histórico que envolve a restauração do que se acredita ser a primeira escola do município. Conhecida como "Escolinha Rui Barbosa", esta instituição está localizada na região de 48 Alta, que posteriormente passou a ser denominada Escola Municipal Nicolau Frederico Kunrath.
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Em 2021, a voluntária Irene Rosany Mieth, que faz parte do Ivoti 100, visitou uma empreiteira que se disponibilizou a executar a obra de restauro na escolinha. A família proprietária do imóvel também foi procurada e autorizou a execução após reuniões com os voluntários e a prefeitura.
Então, nos dias 14 e 21 de outubro deste ano, membros voluntários da Associação dos Profissionais de Engenharia e Arquitetura de Ivoti (APEAI) uniram forças em um mutirão de limpeza e levantamento de medidas na edificação. “Estamos na fase da limpeza, porque choveu muito. Depois vem o projeto, cuja execução será pela Lauri Empreiteira, sem custos. Os materiais, buscaremos através de doações na comunidade”, explica Mieth.
O restauro será feito de forma lenta, uma vez que a casa foi construída ainda no século XIX e encontra-se em um estado precário de preservação. As paredes de pedra contém rachaduras e risco de desabar. O telhado é desgastado e aberto, e o assoalho de madeira também apresenta-se podre. “Precisamos preservar o máximo possível a identidade da obra. Vai ter muitas mãos voluntárias para recuperar a primeira escola de Ivoti”, acrescenta Mieth.
O principal objetivo do restauro é transformar a antiga escola em um museu ou memorial, equipado com mobiliários e elementos da época, permitindo a visitação do público em geral. Em uma rede social, a arquiteta Taciana Muller, que integra o grupo de voluntários da APEAI, explicou que o restauro deve reconstituir o contexto autêntico da obra, “sem perder os legítimos traços arquitetônicos ou cometer um falso histórico que possa anular as linhas da passagem do tempo sobre a obra”.
Primeira escola de Ivoti?
O historiador local, Cristiano de Brum, que atuou como voluntário do mutirão de limpeza, conta que é muito difícil comprovar que esta seja a primeira escola da cidade, mas que é o que se conta. “Antigamente não existia o município de Ivoti. Ela era a escola da Picada 48, e mesmo se não for a primeira, isso não tira o valor dela. Existem registros de um viajante irlandês que passou no local em 1871”, conta.
A edificação histórica foi construída no século XIX e é citada no livro “O Rio Grande do Sul e suas Colônias Alemãs”, do escritor e jornalista irlandês Michael George Mulhall, de 1873, traduzido para o português em 1974. O relato narra o momento em que o viajante passava pela estrada do "Acht-und-Vierzig” (quarenta e oito, em alemão) em 1871, partindo de Dois Irmãos. Passando nas imediações da atual Rua do Moinho, Mullhall descreve o seguinte: “Em cima do penedo havia casas de ‘fazenda’ invisíveis para nós e mais ao longe vimos alguns meninos com suas sacolas escolares, fazendo a pé o trajeto para o colégio de ‘Achtundvierzig’”, escreveu.
A escola chamava-se Rui Barbosa, conforme arquivos cedidos por Brum, e atendia alunos não só da Picada 48, mas também do interior de Dois Irmãos e Picada Café (que incluía Picada Feijão). Em 1960, a escolinha foi desativada, pois o prédio, de apenas 26m², não comportava mais o número de alunos. Na época, Estância Velha, da qual Ivoti era distrito, foi beneficiada pelo projeto educacional do governador Leonel Brizola, com a construção das Brizoletas, sendo uma destinada à Picada 48 Alta, no local onde hoje se encontra a atual Escola Municipal Nicolau Frederico Kunrath. O nome é em homenagem ao professor Kunrath, que lecionou na escolinha de 1949 a 1963.
Lembranças de um tempo que não volta
Por cinco anos, Julita Arnecke, hoje com 77 anos, foi aluna da Escolinha Rui Barbosa e do professor Nicolau Frederico Kunrath durante a década de 1950. Ela lembra com carinho e nostalgia de um tempo em que morava em 48 Alta e caminhava cerca de meia hora até a escola.
Com o caderno na sacola, chegava por uma estrada de chão, com a metade da largura da atual Rua São João. Chegava sempre antes do professor, o qual ela descreve como rigoroso, e ficava esperando ele chegar a cavalo. “Era uma escola bonitinha, inteira, mas sem vidraça nas janelas. O professor amarrava o cavalo aqui na frente, ou pedia para algum aluno levá-lo até um potreiro que ficava há uns 50 metros para trás da escola”, relembra.
Na época, não havia divisão por séries, todas as crianças ficavam juntas. “Chegou a ter mais de 50 alunos aqui dentro de uma só vez.”, conta. Sem energia elétrica, nos dias de chuva em que as janelas e portas precisavam ser fechadas, a sala ficava escura. Mas quando tinha sol, as crianças aproveitavam o recreio para sentar na beira da estrada para comer frutas e brincar, enquanto o professor tomava chimarrão com vizinhos.
Aos fundos da escola havia uma “capunga”, também conhecida como patente, que era o banheiro dos alunos. Porém, não havia papel higiênico. “Todo mundo tinha o mesmo cheiro. Algumas pessoas dizem para não contar essa parte, mas eu gosto de contar porque é a nossa história”, afirma. Na parte da frente, uma cisterna era usada para lavar as mãos e uma toalha branca era disponibilizada. Aos finais de semana, cada aluno a levava para lavar em casa.
Como única escola da região na época, Julita foi colega da própria irmã, Malda Olívia Weber, que é um ano mais velha. Arno Weber, hoje com 85 anos, é irmão das duas, e também foi aluno na escola Rui Barbosa.
Aos 74 anos, Marlise Maria Rheinheimer também tem lembranças de quando foi aluna da escolinha entre 1954 e 1955. Na época com sete anos, ela foi colega de sala de Julita, que é sua prima, mas estudavam em séries diferentes. Cada fileira de bancos representava um ano escolar.
“Fiz até o segundo ano nesta escola e era pequena. O professor era rígido, chegamos a levar uma varada na palma da mão. Ele ensinava em português, mas a gente só falava em alemão e tinha dificuldade de entender. Quando ele se irritava, ou os alunos ficavam conversando, vinha as varadas.”, recorda aos risos.