Ressignificação: uma história triste transformada em algo belo. Era isso o que a porto-alegrense Chrysna Alves Martins, de 28 anos, tinha em mente quando decidiu surpreender os avós, João Baptista Pedrozo, 64, e Ceonice Maria Portela, 72, com uma casa nova depois da enchente histórica de maio de 2024.
Enquanto Chrysna, recém-formada em Direito, pagava uma viagem para os dois para Gramado, ela uniu uma força-tarefa para reformar a casa do casal sem que eles soubessem de nada. “Gravei tudo no Instagram e meus seguidores foram os cúmplices da surpresa. Fiz um storytelling”, narra. “Enquanto isso, eles ficaram hospedados em um hotel em Gramado por três dias, passeando”, continua.
Ceonice têm três filhos, que são enteados de João. Destes filhos, vieram 11 netos e um bisneto. A família dos idosos inclui ainda cinco cachorros (Porquinha, Sol, Rambo, Bolinha e Luna) e quatro gatos (Nina, Alex, Rato e Mel).
A cheia histórica
Essa não tinha sido a primeira vez que Ceonice e João viram as águas de perto: em 2013, eles contam que a água atingiu uma altura de 25 centímetros no térreo de sua casa de dois pisos, no bairro Pinheiro, em São Leopoldo. “Nossa casa é alta, um pouco mais de um metro acima da rua”, explica Ceonice, que é manicure aposentada.
No entanto, essa distância não impediu que, desta vez, a água chegasse a 1,72 m de altura no primeiro piso, levando diversos itens e deixando um rastro de destruição no lar em que eles vivem há 34 anos. Mesmo com a precaução de levar algumas coisas para a peça de cima, algumas perdas foram inevitáveis e parte do local foi destruído. “A cozinha deles tinha ido para o segundo andar de forma totalmente improvisada”, descreve Chrysna.
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“Eu mandei até bombeiros para cá, mas eles não quiseram sair de jeito nenhum”, conta Chrysna. A preocupação com os animais de estimação manteve Ceonice e o militar reformado João no segundo piso da casa. “Um deles estava doente, então falei ‘não, deixa eles comigo aqui que eu cuido'”, lembra João.
Segundo o militar reformado, situações como essa não o assustam. “Passei minha vida de moleque pescando em banhado, beira de rio, andando e nadando. Meu divertimento era pescar. Então o que eu comecei a fazer? Comecei a medir o nível da água e ver o quanto ela subia por hora”, afirma.
O choque
“A gente tinha aquela ilusão: ‘a água vai baixar e vai ter uma poeirinha encima dos móveis’. Mas não, quando a água baixou, os móveis estavam todos caídos e a madeira apodreceu”, relata Ceonice. “Mas o que me deixou triste mesmo foi quando vi o carro do meu neto ali, boiando”, acrescenta.
De acordo com Chrysna, ver a casa coberta de lama e as perdas ao redor não foi fácil para Ceonice. “Todas as vezes que eu vinha aqui, a minha avó tava com a cara assim, ó: derretidinha, derretidinha. Ela já é agitada, já trabalha um monte, aí vi que ela estava trabalhando ainda mais, mas para ocupar a cabeça.”
A ideia…
O cenário não era desanimador apenas para os avós, mas também para Chrysna. “Eu chegava aqui e tava esse sofá todo virado, todo podre, cheio de xixi, de cocô… isso aqui deixou de ser uma casa. E aí o Maicon (marido) teve essa ideia, e ele falou assim: ‘amor, vamos tirar eles daqui para eles não atrapalharem”, brinca. “Eles nunca tinham ido viajar, então o dinheiro que íamos usar para viajar juntos, pagamos para eles”, prossegue.
João desconfiava que algo estava acontecendo, embora não tivesse certeza “Eu vi pelas câmeras que tinha uma movimentação de pessoas aqui em casa, mas não sabia o que era, e então vi que a Chrys desligou a câmera”, disse o ex-militar. Já Ceonice, sequer imaginava. “Eu não fazia ideia, só sei que adorei a viagem: passeei, tirei foto… me diverti muito”.
E o resultado
Ao se deparar com a surpresa, Ceonice caiu em lágrimas, enquanto João olhava ao redor, incrédulo.
Porém, não foi apenas os avós que se surpreenderam. “Eu tinha confirmado apenas cinco pessoas para ajudar na reforma, mas vieram mais de 30! As únicas que nós pagamos ainda estão trabalhando ali, que são os azulejistas”, comenta Chrysna. “Vieram pessoas que eu nem imaginava, inclusive um ex-chefe com quem eu não falava há muitos anos. Os pedreiros até comentaram que fizemos em três dias um trabalho que leva várias semanas”, segue.
Depois de toda a emoção, Chrysna espera que sua atitude sirva de inspiração para a comunidade. “Sei que a solidariedade incentiva outras pessoas”, finaliza.
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