Uma venezuelana de 27 anos perdeu a guarda e o direito à visita de seu filho de quatro anos, nascido no Brasil. A criança, sem outros familiares para criá-la e diagnosticada com câncer, está acolhida em um abrigo municipal em São Leopoldo, onde a imigrante mora.
O nome dos envolvidos não será divulgado pelo Jornal VS sob a prerrogativa de preservar a integridade das fontes, além do respeito ao artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que determina que: “O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”.
Segundo a mãe, seu direito à maternidade foi revogado sem grandes esclarecimentos e de forma injusta, uma vez que ela fala apenas espanhol e teve dificuldades até mesmo para compreender o que era dito nas audiências, onde não teriam fornecido um tradutor para auxilar a comunicação entre ela e os demais envolvidos.
Com esse argumento, ela alega que não tinha como saber por qual motivo estava sendo punida. A venezuelana reclamou também de passar por dificuldades para encontrar um emprego estável, pois “ninguém a ajuda”.
Conforme o Artigo 8 do Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992, é “direito do acusado de ser assistido gratuitamente por tradutor ou intérprete, se não compreender ou não falar o idioma do juízo ou tribunal.”
A Prefeitura de São Leopoldo afirma, em nota oficial, que tentou ajudá-la, mas que ela teria recusado as opções.
Desesperada, mãe tenta reverter a sentença
A mãe imigrante tenta recorrer da decisão da justiça e reaver a guarda de seu filho. Ela só conseguiu descobrir do que foi acusada, com a ajuda de terceiros, quando teve acesso à sentença.
“Se aproveitaram de mim porque eu não sei falar português e me enganaram”, reclama. Com o objetivo de obter também um tradutor para ajudá-la a compreender as audiências e as acusações, a venezuelana reuniu diversas documentações, atestados e comprovantes para tentar mostrar que, não apenas trabalha, como também faz questão de acompanhar o tratamento oncológico de seu filho.
Durante a entrevista com a repórter, ela demonstrou que compreende o idioma brasileiro – contanto que seja pronunciado lentamente. No entanto, durante as audiências, ela afirma que nem sequer a advogada designada ao caso dela ajudou-a a compreender a situação em que acabou se envolvendo.
A jornalista conversou ainda com dois vizinhos da venezuelana que se ofereceram recentemente para ajudá-la a compreender as acusações. Ambos optaram por ter as identidades preservadas. “Só fizeram ela assinar uns papeis e não explicaram nada”, disse um deles. “O menino era grudado nela e muito bem cuidado, nós convivemos com ela há quatro anos e nunca vimos ele ser maltratado”, comentou outro.
O que diz a justiça
No despacho do Juizado da Infância e Juventude da Comarca de São Leopoldo, consta que a mulher não possuía condições materiais ou mentais de exercer a maternidade, por isso, a decisão pela perda do direito de guarda do filho.
O documento, fornecido à reportagem do VS pela própria ré (que não conseguiu compreendê-lo por não conhecer o idioma), inclui avaliações psicológicas e os relatos do abrigo em que o menino foi mantido, e também do hospital onde foi internado.
No parecer psicológico está descrito que ela aparenta ter algum transtorno de personalidade. Os relatos do documento traziam momentos em que ela teria deixado de comparecer com seu filho em uma sessão de quimioterapia por estar menstruada, além de já tê-lo deixado cair do leito hospitalar por falta de atenção, entre outras situações.
Governo municipal e defensoria pública se manifestam
“A Prefeitura prestou todo o devido atendimento através da Secretaria Municipal de Assistência Social, acessando mais de um serviço em função da complexidade do caso, como são todos os casos que envolvem a necessidade de afastamento do convívio familiar por determinação judicial de aplicação de medida de proteção, ou seja, neste caso de acolhimento institucional do seu filho”, diz.
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“A Secretaria Municipal de Direitos Humanos também atendeu à munícipe, ouvindo-a e orientando sobre os diferentes serviços”, continua. O órgão reforça a necessidade de respeitar o “sigilo do processo legal e ao ECA, assim como as diretrizes dos diversos serviços executados pela política de Assistência Social, além de envolver a obrigatoriedade ética e legal do sigilo profissional das categorias do serviço social, bem como da psicologia”. Também procurada, a Defensoria Pública alega que o processo ocorre em segredo de justiça.