Os traumas vivenciados com a enchente de maio uniram histórias e inspiraram um projeto que, agora, alcançou até mesmo reconhecimento nacional. A poesia Se eu Tivesse que Falar sobre Enchente, escrita pela estudante e moradora de São Leopoldo, Luiza Thalia Martins de Moura, e que contem ilustração da aluna Yasmin Siqueira Ziege, ambas de 18 anos, venceu a etapa Regional Minas Sul da 12ª Olimpíada Brasileira de Saúde e Meio Ambiente (Obsma), categoria Ensino Médio, recebendo premiação nacional.
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A iniciativa é realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e dividida em coordenações regionais – o Rio Grande do Sul está na Regional Minas-Sul, junto com Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina –, que englobam os estados brasileiros, que definem os melhores trabalhos em três categorias: Produção Audiovisual, Produção de Texto e Projeto de Ciências. Em Produção de Texto, o trabalho das estudantes do 3º ano da Escola Estadual Cristo Rei, do bairro leopoldense de mesmo nome, e coordenado pela professora Márcia Diehl Pereira foi o vencedor.
A educadora – que já havia ganhado uma edição de Obsma em 2010 – conta que, neste ano, haviam outras ideias para apresentar na Olimpíada, mas a enchente mudou os planos. “A escola fez uma escuta ativa com os alunos, e destas falas, resolvemos fazer trabalhos sobre a enchente, que tem a ver com a temática do meio ambiente e desastres naturais”, ponderou. Seis trabalhos se destacaram e a professora, então, os inscreveu para a ação em categorias diferentes. “A gente foi contemplada novamente na escola. Fiquei muito feliz”, resumiu, destacando a participação ativa das alunas.
Visões e lembranças
Autora do texto vencedor, Luiza Thalia conta que a ideia para o poema saiu da vivência dela durante as cheias e da lembrança do que o avô lhe contava sobre a enchente de 1941. “O que me motivou foi o que eu pude observar durante o período da enchente, porque eu fui vítima e também ajudei outras vítimas da enchente, então tive outras visões sobre ela”, disse. “Meu bisavô pegou a enchente de 1941 e contava muito pro meu avô, que contava muito pra mim, e ele morria de medo que acontecesse também. Eu cito isso no poema e durante a enchente eu lembrava dele”, contou Luiza, que perdeu o avô no ano passado.
Moradora do bairro Vicentina, ela ficou 2 meses fora de casa e precisou ficar em abrigos e na casa de amigos. “Durante um período fiquei num abrigo e depois eu fui pra casa de amigos”.
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Trecho impactante serviu de inspiração para desenho
A colega, Yasmin, não chegou a ser atingida pelas cheias, mas recebeu em sua casa familiares quem foram. Autora da ilustração que acompanha a poesia, ela destaca que fez o desenho para complementar o texto, que ela achou muito impactante. “Me sensibilizou e eu quis trazer isso de forma suficiente pra colocar num desenho que possa sensibilizar também quem o esteja vendo”, comentou. Para tanto, ela conta que se baseou em um trecho do texto que lhe chamou atenção: “Nossos rios nos mostraram que realmente podem ser grandes, mas nosso amor e união mostraram que somos mais fortes, somos gigantes”.
“Eu achei esse o trecho mais impactante da poesia e quis mostrar ele nessa ilustração, onde tem uma família com seu animal de estimação, nas cores do Rio Grande do Sul, em união, abraçados, num momento de tragédia dessa enchente, enquanto eles estão numa cuia, com formato de coração, com o rio e enquanto a chuva corre”, explicou.
“Nos deixa muito orgulhosas”
Para a diretora da EEEM Cristo Rei, Andreia Prestes, moradora do bairro Rio dos Sinos, o resultado tem um grande significado. “É algo que nos deixa muito orgulhosas. Eu concluo a minha gestão na escola esse ano e, quando eu for embora, vou sair com todas as recordações mais positivas impossível, porque mostra o trabalho que nesse tempo a gente fez. É uma sementinha que a gente planta e eu não esperava ver tantos resultados. Mas estamos realmente vendo o resultado de algo que mexeu muito conosco”, iniciou.
“Eu fui uma das pessoas atingidas pela enchente e fiquei abrigada aqui na escola por 28 dias. Então, quer dizer, tudo o que elas colocam (na poesia e no desenho), toda essa relação, nós passamos, vivemos, e essa emoção é algo que mexe muito”, descreve.
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“Reporta 1000% daquilo que a gente viveu aqui dentro”, enfatiza, ressaltando também que o resultado enaltece o aluno de instituições estaduais. “Mostra que o aluno da escola pública pode fazer a diferença”.
Luiza e a professora Márcia representarão a escola no evento de premiações da Fiocruz, no Rio de Janeiro, entre 24 e 28 de novembro.
Trabalho de Nova Santa Rita também foi premiado
Além do texto leopoldense, outro projeto da região foi premiado na Obsma – Região Sul Minas. O trabalho Guri do Rio: ações voluntárias em pró do Rio dos sinos da escola Municipal de Ensino Fundamental Miguel Couto, da escola de mesmo nome, de Nova Santa Rita, foi a vencedora na categoria Produção Audiovisual.
A lista com todos os premiados da Obsma pode ser conferida aqui.
Leia a poesia premiada:
Se eu tivesse que falar sobre enchente
Se eu tivesse que falar sobre enchente
A meses atrás, falaria do relato
de outros sobreviventes.
Se eu tivesse que falar sobre enchente, falaria do cenário,
que os outros estados
mostravam para gente.
Se eu tivesse que falar sobre enchente, falaria das histórias que
nossos avós usavam para
apavorar a gente.
Ah! Se eu tivesse que falar sobre enchente, falaria que é apenas
uma resposta do meio ambiente.
Mas, hoje eu TENHO
que falar sobre a enchente
Só que, no lugar de sobrevivente.
Hoje tenho que falar sobre enchente,
e de como meu estado sofre
e grita por ajuda daqueles,
que ainda tem uma caminha quente.
Hoje tenho que falar sobre a enchente
e lembrar do meu avô,
Que morria de medo de que
acontecesse com a gente.
Hoje eu tenho que falar sobre enchente,
e mostrar a dor que
ela causou na gente.
Um estado,
que junto com o rio,
transborda suas lágrimas
e mostra as marcas
deixadas no sul do Brasil.
Com barragens, rios e Diques
que se rompem, 471
cidades perderam tudo
o que tinham até “ontem”.
“É o meu Rio Grande, céu sol, sul,
terra e cor, onde tudo o que se planta cresce e o que mais floresce, é o amor”.
É isso que levamos no peito,
as façanhas de um povo que não espera pelo momento perfeito,
desde sempre aprendeu como
deve ser feito.
Nossos Rios nos mostraram
que realmente podem ser grandes
Mas nosso amor e união
mostraram que somos mais forte,
somos gigantes.
Me despeço como alguém
que não se apresentou,
mas digo que sou
quem muita água presenciou.
Não falo apenas da água
que a minha própria casa tomou,
Mas da que os olhos do
meu povo gaúcho inundou.
Mas mostremos valor e constância,
pois ainda veremos novamente verde, nossa Estância.
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