DUAS MÃES E UM PAI

TRISAL: Como funciona a maternidade compartilhada da família de Novo Hamburgo que teve união reconhecida pela Justiça

Eles conseguiram na Justiça o direito de oficializar a união estável entre eles e de colocar o nome dos três na certidão de nascimento do filho

Publicado em: 29/11/2023 11:41
Última atualização: 29/11/2023 11:42

Nasceu em outubro deste ano o pequeno Yan Kaefer Ordovás filho do trisal de Novo Hamburgo Denis Ordovás, 51 anos, Letícia Pires Ordovás, 51, e Keterlin Kaefer de Oliveira, 32 - que ficou conhecido após ganhar na Justiça o direito de oficializar a união estável entre eles e de colocar o nome dos três pais na certidão de nascimento do filho.


Juntos há dez anos, trisal de Novo Hamburgo teve um filho em outubro Foto: Arquivo pessoal

Maternidade compartilhada

A diferença de idade entre as mãe é de quase 20 anos. Letícia já era mãe de um casal de adolescentes quando ela e o marido começaram o relacionamento com Keterlyn. 

"Sempre tive o sonho de ser mãe, sou apaixonada por crianças", conta Keterlyn, que comemora o fato de não ter deixado o desejo de lado. "O Denis e a Lê embarcaram comigo nessa aventura."

Letícia também considera a nova experiência emocionante. "Ser a mãe não gestante é bem diferente, mas ao mesmo tempo, como estou de licença-maternidade, crio vínculos com ele (Yan) da mesma forma." 

"Nosso objetivo sempre foi fazer a certidão de nascimento no nome dos três. A Letícia não ia ser uma madrasta", destaca Denis.

Como o trisal conseguiu registrar os três nomes na certidão do bebê?

Sem conseguir no cartório, os três buscaram o Judiciário antes mesmo do nascimento da criança. No fim de agosto, o juiz Gustavo Antonello, da 2.ª Vara de Família Sucessões de Novo Hamburgo, atendeu ao pedido.

O trisal está junto há 10 anos. "Decidimos oficializar a nossa união exatamente depois de descobrir a gravidez da Katy", relata Denis. 

O que diz a lei?

Em junho de 2018, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) proibiu que cartórios reconhecessem a união estável de trisais, mas eles continuaram acionando os tribunais para tentar uma sentença favorável. "O fato é que, mesmo que os tabelionatos sejam proibidos de lavrarem esse tipo de escritura, essas famílias continuarão a existir, e ficarão ainda mais descobertas de direitos", diz Priscila Agapito, integrante do Instituto Brasileiro de Direito de Família e pós-graduada na área.

Já a presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), Regina Beatriz Tavares, reconhece que relacionamentos poliafetivos seguirão acontecendo, mas discorda da ideia de que os mesmos precisam estar amparados legalmente. "Embora as pessoas possam se relacionar como bem entenderem, isso não implica em direito à proteção pelo Estado como se formassem família."

Para Regina Beatriz, a Constituição e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal só reconhecem como entidade familiar a relação entre duas pessoas. Em setembro do ano passado o Superior Tribunal de Justiça considerou que não se deve reconhecer esse tipo de união poliafetiva.

Para o advogado Everson Luis Gross, responsável pela defesa do trisal, o CNJ "vedou erroneamente a reconhecimento de uniões estáveis entre três ou mais pessoas pelos cartórios". Apesar da decisão favorável, ele vê poucas chances de uma legislação favorável a esse tipo de relacionamento em curto prazo, sobretudo diante da atual composição do Congresso, de perfil mais conservador.

Integrante do Instituto Brasileiro de Direito de Família, Priscila tem entendimento semelhante. "Apesar do nosso Código Civil estar prestes a ser reformado, acho que o tema é de ordem constitucional e mexer na nossa Carta Magna é ainda mais impensável."

Priscila entende que cabe espaço para reconhecer esses modelos familiares. “Entendemos ser uma intervenção desnecessária estatal na vida privada, uma vez que, pela Constituição, é assegurado a todos o direito à liberdade, pluralidade das formas de família e não hierarquização entre elas.”

Do outro lado, Regina, da Associação de Direito de Família e das Sucessões, argumenta que o modelo de trisais é inviável, inclusive do ponto de vista econômico, tanto para governos quanto para empresas. “Se relações como trisais pudessem ser reconhecidas como uniões estáveis, seus participantes não teriam como dividir o patrimônio ou exigir pensão alimentícia com base no ordenamento legal”, diz.

"Além disso, se trisais pudessem ser considerados como conviventes em união estável, todos teriam direitos perante órgãos públicos, como o INSS (como nos casos de pensões por viuvez ou orfandade) e a Receita Federal", exemplifica.

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