INCLUSÃO
Teatro itinerante percorre o transporte público de Novo Hamburgo
Projeto da Cia de Teatro Entre Linhas apresentou a peça "Marcelo Vai Andar de Ônibus", com a companhia de um deficiente visual em busca de inclusão
Última atualização: 02/04/2024 08:28
O transporte público de Novo Hamburgo recebeu na tarde desta segunda-feira (1º), a última sessão da peça itinerante "Marcelo Vai Andar de Ônibus". O projeto da Cia de Teatro Entre Linhas destacou a importância da acessibilidade no transporte público, realizando nove viagens em diversas linhas municipais e quatro incursões no Paradão, no Centro da cidade.
Na despedida, a ação em que o boneco Marcelo circula pelos ônibus ganhou a companhia de um convidado especial. Júlio Cláudio Nunes Rodrigues, 58 anos, deficiente visual que perdeu a visão há quase seis anos e que hoje atua na Associação dos Deficientes Visuais de Canoas (Adevic). Juntos, eles destacaram a importância de todos os passageiros ao bem-estar de quem convive com algum tipo de limitação.
“Várias pessoas queriam acompanhar a viagem, então decidimos fazer esta última incursão pelo projeto. O Júlio tem uma experiência incrível na busca pela inclusão e acessibilidade, e todas as ações são grandes lições para todos nós, que não temos deficiência e precisamos muito aprender sobre o tema”, diz a atriz, gestora cultural e diretora da Cia de Teatro Entre Linhas, Alice Ribeiro.
A sessão extra teve como ponto de encontro o terminal 1 do Paradão (Av. 1° de Março), às 16h. E as primeiras dificuldades para uma pessoa deficiente visual começaram antes mesmo de subir no ônibus. Júlio, acompanhado de um guia, usa também uma bengala para detectar o ambiente. E, apesar da calçada possuir o piso podotátil para servir como referência, a maioria das pessoas que estavam à espera do transporte, aguardavam sobre essa guia.
Dentro do ônibus, Alice e Marcelo interagiram com os passageiros e deram dicas de como oferecer ajuda a uma Pessoa Com Deficiência (PCD), neste caso em especial, aos cegos. Por sua vez, Júlio Rodrigues falou sobre suas experiências. “Já aconteceu de eu andar de ônibus o trajeto inteiro em pé, mas tendo bancos vagos. O cego não enxerga se tem assentos livres ou não, então as pessoas podem chegar e perguntar se precisamos de alguma ajuda”, comentou.
A auxiliar de limpeza, Márcia Adriana Dreher, moradora do bairro Momberger, foi uma das que aceitou entrar na brincadeira, e considerou a experiência muito interessante, porque nem todo mundo sabe como agir quando vê um PCD dentro do ônibus. “Eu já tinha tido a oportunidade de aprender um pouco mais sobre a forma adequada de se relacionar e auxiliar PCDs, por isso aceitei o convite do “Marcelo” para me autodescrever ao Júlio”, disse.
Conforme as pessoas subiam e desciam do transporte público, Marcelo cantou com os passageiros, e até tirou fotos com quem pediu, inclusive com o motorista.
Esporte como forma de saúde
Júlio conta que levou seis meses para “lamber a ferida”, quando perdeu a visão há quase seis anos por conta de um glaucoma. Depois disso, conta, disse que entendeu ter uma missão de Deus, que era mudar vidas através do esporte. “Eu tinha 56 anos de experiência, não poderia jogar tudo isso no lixo. Então comecei a correr e isso mudou minha vida. Minha primeira corrida foi no dia 4 de julho de 2022, aqui em Novo Hamburgo, com uma guia que também nunca havia conduzido. Então foi uma primeira experiência para nós dois, no início tinha um medo de tropeçar, mas foi tudo tão natural que completamos os cinco quilômetros sem nenhum problema”, relembra
E justamente por ser guiado, que aceitou o convite da Cia de Teatro para participar da ação, e também convidá-los para o esporte. “A falta de acessibilidade já foi pior, mas as coisas tem se encaminhando para suprir todas as necessidades. Eu vi nesse projeto, uma oportunidade de propagar aquilo que é o principal para o ser humano, que é a saúde. Conversando com a Alice, vi no Marcelo, um camarada que está sempre sendo conduzido, assim como eu, que preciso ser guiado”, explica.
Ao final da experiência, Júlio doou uma medalha que ganhou no II Circuito Leopoldense de Corrida de Rua, em que ficou em quarto lugar nos 4km. E neste Domingo de Páscoa (31), Júlio ficou em primeiro lugar nos 2km da categoria OCD masculino, para atletas de 54 a 60 anos.
Novos ônibus terão acessibilidade
A partir de 27 de abril, Novo Hamburgo terá uma frota nova de ônibus, pertencentes à Viação Santa Clara. Serão 76 veículos (69 em circulação e 10% de reserva) na cor amarela, com acessibilidade e dimensões variadas (van, micro-ônibus, ônibus midi e o básico, menor que o padrão). Os ônibus serão equipados com película de proteção solar, câmeras internas, internet sem fio, painel de pânico, além de ar-condicionado nas principais rotas.
Sobre o projeto
“Marcelo Vai Andar de Ônibus” foi criado por Alice Ribeiro com o objetivo de surpreender os passageiros com humor, sensibilidade, emoções, imaginação e criatividade. Foram nove intervenções (contando a sessão extra desta segunda) com o boneco Marcelo dentro de linhas de ônibus, além de atividades no Paradão. O projeto foi selecionado no Edital de Fomento Artístico e Cultural (Lei Paulo Gustavo) da Secretaria da Cultura de Novo Hamburgo, com recursos do Ministério da Cultura. A primeira apresentação ocorreu no dia 10 de março, em ônibus adaptados para Pessoas com Deficiência (PCDs).
Marcelo é uma personagem utilizada pela Cia de Teatro em diversos eventos. O boneco mede 80 cm, usa a técnica de manipulação conhecida como Boneco de Varas e é articulado pelas mãos e voz de Alice. “Acreditamos na amplitude e na força do teatro de animação para compartilhar alegria, leveza e, agora, também inclusão”, enfatiza a gestora.
De acordo com a criadora, a busca por acessibilidade no projeto acabou abrindo uma nova abordagem. No dia 16 de março, uma atividade de preparação do elenco para a inclusão foi realizada, em formato de bate-papo, na Câmara de Dirigentes Lojistas de Novo Hamburgo (CDL NH), que teve como convidada a representante do Conselho Municipal dos Direitos e Cidadania da Pessoa com Deficiência (CMPCD), Lucimara Azambuja Alves, que é deficiente visual. “Por conta das novas experiências que tivemos, decidimos fazer esta viagem extra do Marcelo para enfatizar a questão da inclusão e acessibilidade”, relata Alice.
O projeto contempla aspectos de acessibilidade e inclusão. É realizado por uma equipe formada 100% por mulheres, algumas delas 50+. Nas nove intervenções já realizadas nos ônibus, houve audiodescrição. As intervenções aconteceram somente em ônibus adaptados, buscando atingir também pessoas com mobilidade reduzida ou cadeirantes.