Aos 80 anos, mãe de dois filhos já adultos e avó de um neto de 20, Maria Zilá Arenhart não pensa em parar. Todas as noites de segunda a sexta-feira ela está na primeira fila da turma do 2º ano do Ensino Médio na turma de Educação de Jovens e Adultos oferecida pelo Colégio Marista São Marcelino Champagnat no centro de Novo Hamburgo.
Prestes a concluir o ensino médio, ela já sonha em seguir estudando. “Estou aqui porque quero aprender. Se eu for bem, vou fazer uma faculdade”, projeta. Inquieta, Maria não consegue ficar parada, e encontrou na retomada aos estudos o estímulo para se manter ativa após a aposentadoria.
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Natural de Lajeado, no Vale do Taquari, a história de Maria repete a de muitas pessoas que começaram a trabalhar muito cedo e se viram obrigadas a deixar os estudos. “Não tinha chance de estudar porque eu trabalhava, trabalho na minha vida desde os nove anos de idade.”
Os compromissos de adulto fizeram com que ela abandonasse a escola na quinta série. Em 1974, já casada, Maria se mudou com o esposo para Novo Hamburgo, cidade onde criou os dois filhos e trabalhou durante décadas como auxiliar de serviços gerais em uma empresa de exportações.
Veio a aposentadoria e a recomendação
Foi em 2003 que a vida rotineira de Maria começou a mudar radicalmente. “Eu me aposentei, infartei e fiquei vó”, resume ela sobre os acontecimentos daquele ano. Sem precisar a data, Maria lembra com detalhes do dia em que teve um infarto.
Multitarefas, ela cuidava naquele dia do marido, vítima de uma isquemia, e do neto recém-nascido enquanto “fazia biscoitos”. Foi nesse mesmo dia que ela precisou ir ao banco para assinar os últimos documentos da aposentadoria.
Ela conta que começou a se sentir mal ainda em casa, mas não contou nada para os filhos nem para o marido. Manteve a rotina normal, e ao chegar em casa após ir ao banco pediu um remédio e dormiu.
No dia seguinte, Maria acordou, pegou a sacola com os biscoitos e foi até o hospital, onde passou por um eletrocardiograma que constatou o ataque cardíaco. Maria foi internada e ficou alguns dias no hospital.
Foi após a alta que veio a primeira recomendação para Maria, por sugestão do médico, ela deveria voltar a estudar. O começo foi frequentando a escola da terceira idade na Igreja Católica, mas com o tempo o ritmo daquele curso se mostrou insatisfatório.
“Eu terminava as coisas antes, e minhas colegas ficavam conversando e tomando chimarrão, aí um dia disse para a professora que ia parar de ir. Eu queria mais”, lembra.
Para a sala de aula
Insatisfeita com as atividades pouco desafiadoras, Maria se viu de volta aos testes escolares. Como havia deixado os estudos formais há muito tempo, e em um contexto social bastante diferente, foi necessário que ela realizasse uma prova para ingressar no 6º ano do fundamental.
Foi em 2020 que ela prestou o teste para saber se poderia começar a frequentar a sala de aula. “Primeiro eu fiquei com medo, depois eu sentei e rezei, fiz a prova e consegui”, conta orgulhosa. A partir de então, ela só deixou de estudar quando a saúde pregou um susto, como quando, em meio a pandemia, ela precisou enfrentar as consequências de um AVC.
Só que Maria não ficou muito tempo afastada da escola, e já em 2022 retornou para a sala de aula. Hoje, ela nem consegue imaginar como será sua vida após formada. “Eu já estou me preocupando quando terminar aqui tenho logo que encaixar alguma coisa porque não sei ficar parada”, diz ela que sonha em conseguir cursar gastronomia “se a cabeça estiver boa.”
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Como Maria conclui um ano curricular por semestre, a formatura no ensino médio está próxima, os planos para o futuro se mostram cada vez mais próximos. Ela cursa o ensino médio na modalidade de Ensino de Jovens e Adultos (EJA).
Aprendizado sempre
Já na terceira idade, a motivação de Maria para seguir frequentando a sala de aula é bastante diferente das dos seus colegas. Para ela, o foco não está em fazer uma carreira, ou um concurso público. “Eu quero aprender.”
Incentivada pelo neto, o mesmo que era um recém-nascido quando ela teve o infarto que virou sua vida, ela segue a orientação dele hoje com 20 anos. “Meu neto sempre me diz que aprender nunca é demais e me incentiva muito a seguir estudando.”
Reconhecimento e homenagem
Na última segunda-feira (25), Maria completou seus 80 anos e foi surpreendida com uma homenagem dos colegas de sala de aula. Uma festa surpresa, com direito a presença do diretor do Colégio Marista São Marcelino Champagnat, Carlos Zancan.
“A dona Maria Zilá é um exemplo de persistência para todos nós”, afirma Zancan que ainda destaca o aprendizado possível com pessoas de gerações tão distintas convivendo na sala de aula. “É um privilégio poder ter estudantes de todas as idades, a gente vê que o estudo nunca tem hora, data nem tempo.”
Já Maria destaca a boa relação com os colegas e a troca mútua entre eles. “Sou uma pessoa que o que sei eu explico e o que não sei eu vou perguntar.” E com essa vontade de aprender cada dia mais, ela segue a rotina de estudos sem aceitar a ideia de que a idade é um impeditivo para se manter ativa.
Para voltar aos estudos
Funcionando junto no mesmo prédio da escola Marista Pio XII, o Colégio Marista São Marcelino Champagnat oferece a possibilidade de formação no ensino fundamental e médio para pessoas que não conseguiram concluir os estudos na idade indicada.
Atualmente, 396 estudantes bolsistas frequentam as aulas na modalidade EJA, que acontecem sempre de segunda a sexta-feira à noite de forma presencial.