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NOVO HAMBURGO

Moradores catam roupas em meio a restos de comida, insetos e entulhos da enchente: "Vou lavar e usar tudo"

Prefeitura afirma que não tem conhecimento da origem do descarte irregular e orienta que população denuncie em caso de flagrante

Laura Rolim
Publicado em: 19/08/2024 às 18h:32 Última atualização: 19/08/2024 às 18h:33
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Quase quatro meses depois do Rio Grande do Sul ter vivido a pior tragédia climática do Estado e ter recebido doações de todas as partes do País, quem imaginaria que haveria pessoas catando roupas – um item tão essencial durante a catástrofe – no lixo?

É o que vem acontecendo em uma área de transbordo de entulhos recolhidos da enchente do bairro Santo Afonso, em Novo Hamburgo, desde que o local passou a ser utilizado como descarte de roupas.

Moradores recolhem roupas descartadas de forma irregular em transbordo do bairro Santo Afonso | abc+



Moradores recolhem roupas descartadas de forma irregular em transbordo do bairro Santo Afonso

Foto: Laura Rolim/GES-Especial

Em maio, quando a enchente atingiu a região, diversas campanhas foram feitas através das redes sociais, suplicando a solidariedade das pessoas. Milhares se dirigiram a centros de distribuição para ajudar quem mais precisava. Além disso, filas se formaram em pontos de doações para que os atingidos pudessem receber uma sacola com mudas de roupas.

Agora, no entanto, roupas que supostamente seriam de doações recebidas após a enchente, segundo relatos, estão sendo desperdiçadas, sem que recebam uma destinação correta. A reportagem esteve no local, que fica próximo da Estação Santo Afonso, no domingo (18) e também nesta segunda-feira (19), quando novamente havia pessoas escolhendo peças de roupas para levar para a casa. Muitos foram atingidos pela enchente e perderam tudo. Outros, no entanto, vão até o local para aproveitar e vender alguns itens.

LEIA MAIS: Montanha de roupas é jogada em rua de Novo Hamburgo

Não se tem confirmação de quem começou a descartar as roupas na área de transbordo, mas sabe-se que tem sido uma prática recorrente, até porque, a montanha de roupas já recebeu novos descartes durante esse mês de agosto (quando os itens apareceram jogados na rua). Apesar de ser um local de transbordo, o local conta com uma parte sem cercamento, o que possibilita o livre acesso das pessoas.

A situação da área não é apropriada para circulação, já que há restos de comida, de obras, entulhos da enchente e a presença de insetos, como moscas, e animais. Além disso, o cheiro no entorno é bastante desagradável. No entanto, os moradores, vindos de diversas cidades da região, como Canoas, Esteio e São Leopoldo, transitam pela área sem qualquer tipo de proteção.

Conforme o vendedor e morador das proximidades Alexandre Francisco, 26, que acompanha a situação do lixão e compartilha através de vídeos em uma rede social, até o dia 2 de agosto, a última vez que esteve no local, as roupas ainda não haviam sido descartadas.

“As pessoas estão vindo aqui buscar essas roupas de uma maneira desumana, tendo que coletar roupas sujas, no chão, que poderiam ter dado uma destinação de maneira correta. Não sabemos quem fez isso. Mas temos visto que as pessoas têm vindo garimpar roupas”, afirma Francisco.

“Lá em casa não vai nada fora”

O aposentado Paulo Prates da Silva, 68, conta que é a segunda vez que vai até o local para buscar roupas para a família. Nesta segunda, ele e o neto foram de bicicleta e saíram do espaço com três sacolas carregadas de roupas.

Morador do bairro Santo Afonso, ele relata que foi bastante atingido pela enchente de maio e ficou 20 dias fora de casa. “O que eu peguei de camisa aqui, tu nem imagina. Vou aproveitar muito. Lá em casa não vai nada fora”, afirma.



Já a diarista Noemi Müller, 58, moradora da Vila Brás, no bairro Santos Dumont, em São Leopoldo, disse que ficou apavorada quando ficou sabendo do descarte das roupas. “Durante a enchente eu tive dificuldade para conseguir roupas, e agora estão descartando, isso é um absurdo. Não tenho nem palavras. Achei umas blusinhas aqui e um pijama, que eu estava precisando. Vou lavar e usar tudo”, ressalta. A moradora ainda aproveitou para pegar algumas peças que pretende enviar para familiares em outra cidade.

O que diz a Prefeitura

Questionada sobre as roupas despejadas na área, a Prefeitura respondeu por meio da assessoria de imprensa que a Secretaria de Desenvolvimento Social (SDS) desconhece a origem dessas roupas e repudia o descarte irregular. “Tratamos das doações recebidas de forma responsável, garantindo que cheguem realmente às mãos de quem precisa”, disse a titular da SDS, Jurema Pieper. Informaram ainda que a administração municipal está atenta à situação apresentada, por ser um lugar de descarte de resíduos. “Não é aconselhável o trânsito de pessoas não autorizadas no local”, indicam.

A recomendação do Município é que a população denuncie, em caso de flagrante, pelo telefone 3097-1990, 3097-9400, 3524-0356, de segunda a sexta-feira, das 9 às 17 horas. Ou pelo número do plantão da fiscalização ambiental, no 9-9645-7266, das 19 às 23 horas, nas quintas e sextas-feiras, nos sábados e domingos das 12 às 23 horas.

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Outra forma de denunciar é tirar uma foto ou fazer um vídeo do ato ilícito, com alguma identificação, que deve ser anexada ao protocolo de denúncia que deve ser realizado no site, com o dia e a hora.

“Para demais casos de entulhos em lugares irregulares, os moradores podem abrir protocolo de solicitação da retirada pelos telefones 3097-9400 e 3097-9401. Por fim, cabe salientar que, a Guarda Municipal (GM) também realiza rondas periódicas em vários espaços públicos pelo município”, completaram.

Destinação de doações

Além disso, a SDS orienta que aqueles que têm interesse em doar roupas, colchões e móveis diversos, o local apto para recebimento é a Fábrica da Cidadania, localizada na Rua México, número 466, de segunda a sexta-feira, das 8 às 17 horas, fechando ao meio-dia.

Já no caso dos moradores que estiverem precisando de doações, os cinco Centros de Referência e Assistência Social (CRAS) no município são as portas de entrada para a solicitação de auxílio por parte da população. “Através de um formulário preenchido no CRAS que as roupas e outras doações saem da Fábrica da Cidadania e chegam às mãos dos carentes”, completou Jurema.

Moradores pedem soluções em relação ao lixão que se formou em frente a condomínio

A reportagem questionou a Prefeitura sobre o que pretende fazer com o local de transbordo, já que os moradores de um Residencial em frente ao espaço estão incomodados com o cheiro e a poluição visual que o local trouxe para o bairro.

Em resposta, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semam), que afirma ter recolhido das ruas mais de 35 mil toneladas de materiais da enchente, “o transbordo da Avenida Montevidéo, no bairro Santo Afonso, foi criado temporariamente para acelerar a retirada dos materiais das vias pelas equipes de limpeza”.

A Semam salienta ainda que “a área já está sendo remediada, ou seja, os resíduos descartados já estão sendo transportados para um aterro licenciado na cidade de Gravataí. Máquinas trabalham há semanas na limpeza do transbordo, e o volume de resíduos tem diminuído gradativamente. Ao término do serviço, a área será devolvida ao Trensurb, proprietária do terreno, à qual cabe decidir sobre o cercamento e/ou futura destinação do local”, completa. Segundo a pasta, a previsão de conclusão do transporte de resíduos para o aterro licenciado é para setembro.

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