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RESGATE HISTÓRICO

Lápide de 175 anos de imigrantes alemães é encontrada em Novo Hamburgo e revela triste história

Peça estava nos fundos de uma fábrica e será restaurada na Fundação Scheffel, em Hamburgo Velho, onde foi localizada

Dário Gonçalves
Publicado em: 23/07/2024 às 20h:49 Última atualização: 23/07/2024 às 21h:32
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Às vésperas de se comemorar o Bicentenário da Imigração Alemã no Brasil, celebrados no dia 25 de julho, uma lápide de aproximadamente 175 anos foi resgatada e trazida para a Fundação Ernesto Frederico Scheffel, onde será restaurada.

O “Denkmal Der Liebe”, ou Monumento ao amor, é dedicado à Maria Katharine Müller e Elisabetha Kremer, mãe e filha, falecidas com uma diferença de seis meses entre 1848 e 1849, ambas durante o parto de seus filhos.

Jorge Stocker Jr. e Paulo Daniel Spolier trabalho pelo resgate e restauro | abc+



Jorge Stocker Jr. e Paulo Daniel Spolier trabalho pelo resgate e restauro

Foto: Dário Gonçalves/GES-Especial

A peça de arenito foi encontrada parcialmente enterrada e envolta por raízes de árvores, ainda em 2021, no pátio dos fundos de uma fábrica no bairro Hamburgo Velho. Por estar em um local de difícil acesso e, principalmente por seu peso, a lápide só foi transferida na semana passada com o uso de um guincho, com financiamento da Associação de Moradores e Empreendedores de Hamburgo Velho e acompanhamento técnico do arquiteto e urbanista Jorge Luís Stocker Júnior. 

“É uma homenagem à mãe e filha, de 31 e 14 anos, que faleceram em seus partos. Maria Katharina quando deu à luz ao seu quinto filho, e Elisabetha, ainda adolescente, no nascimento de seu primeiro filho. Na lápide estão seus nomes escritos em alemão gótico, com as datas de nascimento e morte, o nome de seus maridos e, embaixo, a mensagem ‘unidas na pedra’”, explica Stocker Júnior, que é criador e coordenador do projeto O Campanário, que promove sensibilização, educação patrimonial e divulgação científica.

Apesar das dificuldades, a peça foi transferida sem danos até a Fundação Scheffel, onde ficará resguardada e será futuramente restaurada. Segundo o arquiteto, o resgate da peça foi programado com a finalidade de removê-la da situação de degradação e risco, e disponibilizá-la para fruição e pesquisa.



Trágicas coincidências

Maria Katharina era uma imigrante alemã, nascida em 7 de janeiro de 1818, em Ohlweiler (no Hunsrück), e chegou ao Brasil em 29 de dezembro de 1825. Ela acabou falecendo no dia 11 de janeiro de 1849, em Hamburgo Velho, durante o parto de seu último filho, Pedro Guilherme Kremer, aos 31 anos.

A data de seu falecimento é justamente o dia do aniversário de sua filha Elisabetha, que nasceu nesta data no ano de 1834, já em Hamburgo Velho. Que, por sua vez, faleceu da mesma forma, seis meses antes de sua mãe, no dia 30 de junho de 1848, ao dar à luz à Catharina Bender.

Para aumentar o drama, Catharina morreu 31 anos depois, também por complicações de seu último parto. O nascimento dos gêmeos Guilherme Leopoldo e João Leopoldo Bender em 16 de setembro de 1879, seu sétimo e oitavo filho, lhe trouxe complicações, fazendo com que ela falecesse poucos meses depois, no dia 1º de dezembro de 1879, aos 31 anos, mesma idade de sua avó, Maria Katharina.



Valorização histórica feminina

O historiador Paulo Daniel Spolier, que tem trabalhado para levantar as informações históricas sobre a família, explica que um dos objetivos deste restauro é combater a invisibilidade feminina. “As mulheres imigrantes e descendentes sempre foram muito importantes no desenvolvimento da sociedade, mas há muito poucos registros sobre elas porque sempre se valorizou mais o homem. Tanto que nas lápides, elas são descritas como esposas e constam os nomes dos maridos. Elisabetha, por exemplo, tinha só 14 anos, era praticamente uma criança, e morreu sendo mãe”, explica Spolier.

Toda a faixa de terras no entorno de onde a lápide foi encontrada era da família. Portanto, possivelmente elas foram sepultadas fora do cemitério, na propriedade, em local próximo de onde foi encontrada. Com a urbanização, algumas construções foram edificadas e uma delas pode ter sido feita sobre o local, e a lápide “empurrada” adiante. “Até mesmo pelo peso do monumento, é improvável que os corpos tenham sido enterrados longe dali. O que aparenta é que jogaram a lápide para o lado na hora de construir, e por lá ela permaneceu por décadas.



Inscrições no “Monumento ao amor”

Dedicado:

  • à Elisabetha Kremer, esposa de Phillip Kunz. Nascida em 11 de janeiro de 1834, falecida em 30 de junho de 1848.
  • à M. Katharina Müller, esposa de Johannes Kremer. Nascida em 7 de janeiro de 1818, falecida em 11 de janeiro de 1849.
  • Filha e mãe unidas em uma pedra



História da família, segundo apurado até o momento

“Maria Katharina Müller foi casada com Johannes Kremer e era mãe de Elisabetha Kremer. A jovem Elisabetha faleceu em junho de 1848, com 14 anos, no parto da primeira filha, Catharina. A mãe, Maria Katharina, morreu em janeiro de 1849, aos 31 anos. Duas jovens mulheres, mãe e filha – ainda uma adolescente – com suas vidas e mortes registradas num Monumento ao Amor.

Maria Katharina Müller, nascida em 7 de janeiro de 1818, em Ohlweiler (no Hunsrück), faleceu em 11 de janeiro de 1849 em Hamburgo Velho, durante o parto de seu último filho, Pedro Guilherme Kremer, aos 31 anos de idade. Katharina era filha de Heinrich Müller, nascido em 1780, também em Ohlweiler, lavrador, e Maria Elisabeth Schmidt, nascida em 1780.

A família Müller veio de Bremen na galera “Friedrich Heinrich”, chegando ao Rio de Janeiro em 8 de novembro de 1825, vindo para o Rio Grande do Sul no bergantim-escuna “Galvão”, chegando a São Leopoldo em 29 de dezembro de 1825.

Maria Katharina foi casada com João (Johann) Kremer, com quem teve cinco filhos: Elisabetha, Anna Maria, Jacob, Pedro, João Nicolau e Pedro Guilherme. Johann Krämer (Kremer, Kraemer), nascido em 15 de novembro de 1808 em Mettnich, faleceu no dia 2 de junho de 1871, em Hamburgo Velho.

Como imigrante, chegou ao Rio de Janeiro em 17 de dezembro de 1828 pelo trimastro “Olbers”, e a São Leopoldo pelo costeiro “Marquês de Viana”, em 9 de março de 1829. Junto com Johann, viajavam seu irmão Peter Julius – morto em 31 de outubro daquele mesmo ano – a irmã Angélica (ou Angela) Kremer e, ainda, o parente Nicolau Becker, que chega a São Leopoldo já casado com Angélica, formando uma família em separado nos registros de desembarque.

Johann Kremer se estabeleceu como colono em Hamburgo Velho, com uma propriedade que compreendia uma faixa de terras que se estendia, aproximadamente, entre as atuais ruas Piratini, General Daltro Filho, General Osório com uma linha divisória perpendicular à rua Piratini, passando entre a Igreja Católica Nossa Senhora da Piedade e o atual Campus I da Feevale (antigo Colégio São Jacó), se estendendo até o meio do Morro dos Papagaios. Em 9 de agosto de 1836 assinou seu alistamento na Companhia de Voluntários da Pátria, combatendo do lado imperial durante a Revolução Farroupilha.

Johann Kremer era tanoeiro e curtidor, estabelecido com curtume em Hamburgo Velho. Seu inventário indica 6:000$000 (seis contos de réis) em 1849, quando do falecimento de Maria Katharina, e 93:000$000 (noventa e três contos de réis) quando o próprio Johann faleceu, em 1871, indicando que Kremer era um dos homens mais ricos da região.

Com João Pedro Schmitt, comerciante em Hamburgerberg, Johann Kremer montou uma sociedade em 1842 para compra e venda de terras. A Krämer & Schmitt adquiriu em leilão público, por exemplo, as terras anteriormente pertencentes ao Tenente Manoel José de Leão, a então chamada Fazenda Padre Eterno. Os sócios dividiram a área em 62 colônias de terra, dando origem a grande parte do que hoje é o município de Sapiranga, o Leonerhof.

A primeira filha de Johann Kremer com Maria Katharina Müller foi Elisabetha Kremer, nascida em 11 de janeiro de 1834 em Hamburgo Velho. Ainda adolescente, casou-se com Johann Philipp Kunz, tendo falecido durante o parto de sua primeira filha, Catharina, em 30 de junho de 1848.

Johann Philipp Kunz (ou Felippe Kunz, como ficou registrado em boa parte da documentação alcançada), nasceu em Hamburgo Velho em 11 de abril de 1825, filho de Johann Kunz e Maria Bauer. Após a morte da primeira esposa, Felippe Kunz ainda se casaria mais duas vezes: com Katharina Becker (filha de Angela Kremer e Nicolau Becker, prima de Elisabetha, falecida em 22 de setembro de 1864) e, pela terceira vez, com Katharina Fadel, falecida em 12 de abril de 1887. Felippe faleceu em 08 de agosto de 1889, em Hamburgerberg.

Mórbida coincidência, a filha de Elisabetha e Felippe Kunz, Catharina Bender, faleceu em 1º de dezembro de 1879, aos 31 anos, também em decorrência de complicações no parto dos gêmeos Guilherme Leopoldo e João Leopoldo Bender, seu sétimo e oitavo filho, respectivamente, nascidos em 16 de setembro de 1879. Enquanto Guilherme cresceu e casou com Emma Schmidt, com quem teve dois filhos (Irma e Willy), João Leopoldo morreu em nove de junho de 1880, com apenas nove meses de idade.”

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