“Por que o Samu não levou?” É essa a pergunta que Carla Juliana de Azevedo, 38 anos, e o pai João Gilberto de Souza, 65, tentam responder para os vizinhos depois que a mãe dela, Maria Loreci de Azevedo, 61, morreu vítima de um infarto dentro de casa.
O Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu) emitiu boletim de atendimento às 9h45, quando esteve na residência, orientando que Maria consultasse no posto de saúde durante a semana.
Às 11h52 foi atestado o óbito, depois que a família levou a mulher, já sem sinais vitais, até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do bairro Canudos na esperança de que algo pudesse ser feito. O marido faz consulta jurídica para processar o Estado, pois deseja que a situação não se repita com outras pessoas.
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A Secretaria Estadual da Saúde (SES), por meio de nota, diz que o Samu cumpriu o protocolo. A Prefeitura de Novo Hamburgo informa que a Secretaria Municipal de Saúde vai apurar os questionamentos da reportagem, analisando o prontuário da paciente. “Em relação ao procedimento do Samu, é necessário que a família faça uma reclamação formal para que a situação seja averiguada”, diz a nota.
Maria sofria de edema na corda vocal e aguardava por uma cirurgia, segundo a família, há 11 anos. Na semana passada, estava com muita dificuldade para respirar, com a sensação de algo obstruía sua traqueia.
Ela buscou atendimento dia 30 de outubro e 1 e 2 de novembro, data em que viajou para Palmares do Sul, passou mal e buscou atendimento no Hospital São José.
Carla conta que a mãe tomou medicação e após melhorar a respiração, recebeu orientação de procurar o Hospital Municipal em Novo Hamburgo para fazer uma tomografia, pois a instituição do litoral Norte não teria recursos. “O ar não estava circulando. Tinha alguma coisa trancando a passagem de ar dela”, conta a filha.
A mesma orientação, de fazer uma tomografia, Maria já tinha recebido do primeiro profissional que a atendeu na UPA Canudos no dia 30. No entanto, quando trocou o plantão, o outro médico liberou a paciente na manhã de 31 de outubro, sem cobrar a realização da tomografia.
Em 3 de novembro, dia de sua morte, além da queixa de falta de ar, Carla conta que a mãe começou a sentir ânsia de vômito e fortes dores na barriga.
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“Eu pensei, vou chamar a Samu porque daí eles já poderiam levar a minha mãe para o hospital para fazer os exames e ficar lá, pois na UPA demora ou mandam pra casa”, conta.
A equipe chegou e Maria foi examinada na sala. O profissional mediu a pressão, que estava em 16/8, e atestou que a paciente “estava estável”, não realizando a remoção. Cerca de uma hora e 40 minutos depois, Maria pediu ajuda e caiu no chão da casa.
O marido e a filha tentaram fazer massagem cardíaca e respiração boca a boca, mas seus lábios já estavam roxos e não sentiam sinais vitais. Com a ajuda de vizinhos, levaram-na até a UPA Canudos, conforme a filha, sem vida.
“Eu não sei se eles tivessem levado ela, se teria acontecido isso ou não. Mas sei que ela morreu em casa por negligência”, lamenta a filha, enquanto o marido não contém as lágrimas ao relembrar do esforço que fez para salvar a mulher que foi sua companheira por 32 anos.
Maria foi sepultada no dia 4 de novembro no Cemitério Jardim da Memória e o atestado de óbito descreve como causa da morte infarto agudo do miocárdio e doença pulmonar obstrutiva crônica não especificada.
Há cinco meses, ela tinha enterrado uma irmã, que morreu de pneumonia, sem conseguir tratamento adequado porque ficou presa na enchente.
Carla garante que mãe não tinha problema cardíaco e tinha exames e consultas agendadas para tentar novamente encaminhar o pedido de cirurgia na rede pública, já que seus documentos teriam sido extraviados.
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“Meu filho faz 19 anos em dezembro e ela já estava planejando a festa de aniversário pra ele. O neto era tudo na vida dela”, conta Carla, que era filha única.
Confira a nota enviada pela Secretaria Estadual de Saúde (SES)
“A SES/RS tem acesso ao Boletim de Atendimento do SAMU – que é um serviço de urgência – para paciente com queixa de falta de ar, em Novo Hamburgo.
Após atendimento pelo Telefonista Auxiliar de Regulação Médica, a ligação foi encaminhada ao Médico Regulador, que tem por atribuição avaliar a gravidade do caso e decidir pelo envio ou não da ambulância.
Este profissional presume a gravidade da situação a partir das informações passadas pelo solicitante, sendo de vital importância responder com objetividade a todas as perguntas feitas.
Tal protocolo tem como objetivo chegar inicialmente a um diagnóstico que determine a gravidade do caso ou ainda a falta de equipamentos/complexidade no local de origem com a necessidade de transferência de urgência.
No Boletim de Atendimento, há registro de que, na chegada da equipe, a paciente, com história de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), estava em domicílio, responsiva, referindo estar bem.
As vias aéreas estavam livres e a respiração normal. Ainda, há registro de que o familiar gostaria de levar paciente para fazer tomografia.
Após a avaliação da equipe de intervenção, o médico registrou que não foram descritos critérios de urgência/emergência que justificassem a remoção, visto que a paciente estava sem esforço ventilatório e com sinais vitais estáveis.
De qualquer forma, foi orientado acionar o SAMU novamente, se necessário.”