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DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA

Como a Lei de Cotas mudou a vida da população negra

Política amplia acesso, mas ainda esbarra no mercado de trabalho

Eduardo Amaral
Publicado em: 20/11/2023 às 03h:00
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Em 2018, pela primeira vez, o Brasil alcançou uma equidade no número de pretos e pardos nas universidades brasileiras, com 50,3% do público universitário do País sendo dessa população.

O resultado chegou seis anos após a criação da Lei de Cotas, que determinou a reserva de parte das vagas nas universidades federais e em programas governamentais como Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e Programa Universidade para Todos (ProUni) para a população preta do País.

Mayla diz que a universidade foi uma "virada de chave" em sua vida | abc+



Mayla diz que a universidade foi uma “virada de chave” em sua vida

Foto: Arquivo Pessoal

Uma das pessoas que aproveitou este momento foi Mayla Drielle Joiner Santos da Silva, 31 anos, moradora do bairro Rio Branco, em São Leopoldo. Ela ingressou ainda em 2012, aos 21 anos, no curso de Administração da Universidade Feevale, em Novo Hamburgo, um momento que mudou sua vida.

“Vim de uma realidade, onde não tinha perspectiva nenhuma de entrar em uma universidade, vi como uma maneira de ir além das barreiras que já enxergava naquele momento”, conta Mayla, que hoje segue os estudos na Feevale como mestranda.

A história de Mayla se tornou comum para uma geração que cresceu com a existência de cotas. Filha de uma zeladora, ela tem mais dois irmãos e foi a primeira da família a chegar à universidade.

Histórias como a de Mayla reforçam a importância de garantir que esta seja uma possibilidade para todos. “Antes de entrar na universidade não enxergava perspectivas altas. A universidade foi a virada de chave, consegui me enxergar como uma profissional melhor e disputar boas vagas.”

Jailson Barbosa entrou pelo mesmo sistema dois anos depois, já mais velho, aos 28 anos. Também mestrando na Feevale atualmente, ele se formou em 2018, e foi graças às cotas que pôde prestar concurso para uma vaga no serviço público que tinha como exigência, justamente, o curso superior. “Essa oportunidade me trouxe até o cargo que ocupo, isso reflete o quão importante são essas políticas públicas.”

Desde 2015, a Feevale recebeu 662 estudantes que ingressaram por algum tipo de cota. No caso das cotas raciais, elas já incluem a questão social, assim, pessoas pretas ou pardas que disputam as vagas passam antes pelo crivo da renda.

Mudança e inspiração

Quando ingressou na universidade, Barbosa já tinha um emprego como eletrotécnico, formação que cursou na Fundação Liberato. Mas a perspectiva de outra história de vida o fez abrir mão de um salário consolidado naquele momento para receber menos como estagiário.

Já Mayla se uniu com a mãe para empreender. Elas administram um negócio de aluguéis de imóveis. A mulher que entrou com 21 anos na universidade conseguiu mudar sua vida e incentivar o irmão mais velho a também buscar formação superior, hoje cursando Engenharia Mecânica.

Equiparação salarial ainda é um desafio

Ingressar na universidade representou uma mudança de perspectiva e também de autoestima para os estudantes. Mas a vida fora dos bancos universitários ainda impõe desafios grandes, como a equiparação salarial.

Em 2021, o governo do Estado fez um estudo sobre a questão racial e já apontava um certo aumento da participação de pretos e pardos no mercado de trabalho. O levantamento fez uma radiografia entre os anos de 2012, quando da implementação das cotas, até 2020.

Enquanto a média salarial dos trabalhadores brancos passou de R$ 2,7 mil para R$ 2,9 mil de 2022, entre os pardos essa média saiu de R$ 1,7 mil para R$ 1,8 mil e de pretos de R$ 1,8 mil para R$ 1,9 mil nos oito anos estudados.

Mais recentemente, a Universidade La Salle mostrou que a pandemia aumentou a informalidade entre a população preta. Produzido pelo Observatório La Salle: Trabalho, Gestão e Políticas Públicas, o Boletim Especial: Um olhar sob a perspectiva raça/cor no mercado de trabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre foi apresentado no início de novembro.

O estudo realizado entre 2019 e 2023 mostra o tamanho da desigualdade, pois enquanto o número de brancos contratados sem carteira assinada se manteve estável, o de negros teve uma alta de quase 2%. Cenário se repete quando se fala de trabalhadores domésticos, com e sem carteira assinada. A população negra é o maior contingente de pessoas contratadas para este tipo de trabalho.

Contudo, ao olhar para os empregadores, ou seja, aqueles que podem se dizer empresários com capital, o número de brancos é mais do que o dobro do de pretos. “Aumenta a participação, cresce no mercado de trabalho, mas isso não se reflete na renda, aumenta (a presença negra) nas atividades mais precarizadas”, explica o professor da La Salle e responsável técnico pela pesquisa, Moisés Waismann.

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